ENSAIO DE ANA MARIA BERNARDELLI - "ORIGEM", POEMA DE DIEGO MENDES SOUSA
Por Diego Mendes Sousa Em: 16/01/2025, às 22H27
ORIGEM
Mergulho a cabeça,
os sentidos
[as orelhas, os olhos,
a boca, o nariz, as mãos,
ah, as memórias...]
e os pés d'água
na infância
feito raiz
a perfurar
o solo genesíaco
do meu berço
de sentimentos.
terra-e-mar
terra-e-ondas
terra-e-dunas
terra-e-rio
terra-e-terra
terra-e-destino
terra-e-tempo
onde plantei
o coração
e essa imaginação
fecunda
de voar enterrado
no chão.
Poema de Diego Mendes Sousa
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ORIGEM
ANA MARIA BERNARDELLI
O poema "Origem", de Diego Mendes Sousa, é uma ode lírica à infância, tratada como uma gênese profunda, cujas raízes atravessam o tempo e o espaço da memória. A estrutura do poema, com versos curtos e imagens fluidas, evoca a simplicidade da infância e a complexidade das recordações que ela carrega. Sob o prisma das memórias e da ligação com a paisagem das paragens do Parnaíba, entre águas e casarios coloniais que remetem às festividades tradicionais, o "mergulho" inicial no poema traduz não apenas uma busca pelas origens, mas uma espécie de batismo poético. O eu lírico submerge "a cabeça, os sentidos" e, em particular, as "memórias" na infância, sugerindo que o passado não é apenas lembrado, mas revivido sensorialmente. Esse mergulho associa a infância ao "solo genesíaco", um lugar originário, fértil e sagrado, onde as experiências sensoriais – o toque, o cheiro, o som – têm um peso formador. Essa metáfora do solo que guarda e nutre alinha-se à ideia das ruas antigas e das águas do Parnaíba, que também carregam histórias impregnadas em suas margens e casarios.
A repetição poética de "terra-e-" cria uma musicalidade cíclica que remete ao movimento das ondas e às ondulações das dunas. Isso sugere uma conexão íntima entre o fixo e o fluido, a estabilidade da terra e a transitoriedade das águas. O Parnaíba, nesse contexto, é a força que une e permeia o cenário das lembranças do eu lírico. As águas não apenas circundam o espaço físico, mas também fluem dentro da imaginação, "fecunda de voar enterrado no chão". É uma relação paradoxal: as raízes o prendem ao passado, enquanto a imaginação o leva ao voo.
O poema não menciona explicitamente os casarios coloniais ou as festividades populares, mas a essência das "memórias" sugere um cenário rico de cores, formas e tradições. Pode-se imaginar ruas estreitas, decoradas com bandeirinhas coloridas, e um rio que abraça a cidade como o tempo abraça as lembranças. O eu lírico planta o "coração" nesse chão de afetos, onde os casarios multicoloridos se tornam símbolos de diversidade e resistência cultural. Esses elementos, tão vivos na iconografia do Parnaíba, ganham, no poema, uma tonalidade emocional: são o lugar onde os sentimentos germinam e a imaginação encontra abrigo.
A ideia de "destino" e "tempo", inserida na enumeração de "terra-e-", sugere que as memórias da infância não estão estáticas. Elas dialogam com o presente e o futuro, como se as ruas e as águas da infância estivessem sempre vivas dentro do eu lírico. Essa continuidade temporal é própria das cidades ribeirinhas, onde a água nunca é a mesma, mas o rio permanece. Assim, o poema reflete o eterno retorno às origens, às memórias que, mesmo enterradas no chão, voam na imaginação.
Diego Mendes Sousa constrói, em "Origem", uma poética de pertencimento às águas e às ruas que sustentam a alma do eu lírico. A relação com o Parnaíba, mesmo implícita, transborda nas imagens de terra, ondas e raízes que evocam um lugar tão específico quanto universal: o berço da memória. As ruas abraçadas pelos casarios coloniais e as águas que fluem pelo poema fazem da infância um território de fertilidade lírica, onde a imaginação não conhece limites, mesmo quando firmemente fincada no chão.
Ana Maria Bernardelli
Ensaísta
Da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
Conheça a trajetória de Ana Maria Bernardelli:
https://acletrasms.org.br/portfolio-item/ana-maria-bernardelli/