Existe um curioso fetichismo em quem ama os livros, porque não só os livros, mas tudo quanto os cerca, parece capaz de despertar uma paixão reverente que tanto beira o êxtase religioso quanto roça o erotismo. Folheei certa vez numa biblioteca um tratado que estudava os farrapos de pergaminho usados pelos copistas medievais para marcar as páginas dos livros que estavam lendo. Eram meras tiras de “papel” com alguns centímetros de largura, mas quando tinham uma certa extensão era possível decifrar o que havia escrito nelas, e até mesmo deduzir de que tipo de texto haviam sido rasgadas. Cochilando durante séculos entre as páginas dos velhos alfarrábios, em mosteiros tipo “O Nome da Rosa”, esse modestos farrapos eram pacientemente descobertos, catalogados, examinados e descritos por um PhD qualquer, que apesar de seus muitos títulos acadêmicos certamente não achava estar se rebaixando ao estudá-los.
Agora vi no caderno de literatura do “New York Times” um curioso artigo de Henry Alford na mesma linha, “A Gente Nunca Sabe o Que Vai Encontrar num Livro” (http://www.nytimes.com/2008/12/21/books/review/Alford-t.html?_r=1&8bu&emc=bub1). Alford baseou-se nas suas próprias experiências e consultou outras pessoas, perguntando-lhes: “Qual foi a coisa mais esquisita que você já encontrou num livro?” As respostas variam, e diz ele que incluem desde uma fatia de bacon frito (encontrada pelo romancista Reynolds Price) até um bilhete, achado pelo dramaturgo Mark O’Donnell, com a intrigante advertência: “Não me escreva sob o nome de Gail Edwards, aqui eu sou conhecida como Andrea Smith”. Outros achados incluem uma bala de arma de fogo, o dente de um bebê, drogas, fotos pornográficas, e as inacreditáveis 40 notas de mil dólares achadas pelos funcionários de um sebo.
O músico Dan Zanes possuía uma foto raríssima do escritor J. D. Salinger, que nunca se deixa fotografar. A foto lhe fora dada por sua mãe, e ele a guardou num livro, tão bem guardada que há décadas não sabe mais onde está: “Com certeza não está em nenhum dos livros atualmente em minha casa”. Caso parecido é o de Sherman Alexie, que em sua época de universitário fazia farras homéricas, e, com medo de gastar tudo que tinha quando bêbado, adquiriu o hábito de esconder notas de 10 ou 20 dólares dentro dos livros, para achá-las meses depois.
O melhor, contudo, é a peça que Meg Wolitzer e uma amiga, quando estudantes, pregaram a algum rato-de-bibliotecas do futuro. Num pedaço de folha de caderno, imitaram a letra da escritora Sylvia Plath, escreveram uma bobagem sobre “uma redoma de vidro” (título de um livro da poetisa), envelheceram artificialmente o papel e o deixaram entre as páginas de uma obra de referência da biblioteca, para ser descoberto um dia. Certamente por algum pesquisador incauto que não lê nem o New York Times nem o Jornal da Paraíba.