Cunha e Silva Filho


                     Na página da Folha de São Paulo, do dia 3 deste mês, o cartunista Angeli, num retângulo do canto superior direito, brinda o leitor com uma situação que espelha com muita perspicácia o difícil e delicado momento presente de conflitos bélicos, sobretudo, agora, em países árabes, com consequências imprevisíveis não só para os que mais sofrem na carne – os civis dominados por longos períodos de ditaduras sangrentas.
                     No cartum, numa fileira de pessoas de todas as idades, carregando poucos e magros pertences, se dirigem, na condição de refugiados, para outras plagas, para países fronteiriços. O cenário é a aridez dos desertos. A primeira pessoa da extensa fileira de gente se defronta com uma placa cravada em plena areia com o seguinte aviso: “Atenção – Próxima Ditadura a 500 M.” 
                    Ora, nada tão eloquente para expressar situações trágicas quando estas se traduzem pela dimensão do humor inteligente e antenado.
                     Aquele contingente, já exausto de tantos padecimentos contra a sua cidadania e seus mínimos direitos de existência e de liberdade, oprimidos há décadas pela mãos de ferro de governantes golpistas que se eternizaram no poder como se fossem proprietários do país, mandando e demandando em tudo e em todos, fortalecidos com exércitos solidamente armados, formando elites dividindo o povo em exploradores e explorados, se vê, assim, compelido a deslocar-se para outras terras com o tênue sonho de encontrar a paz tão almejada.
                    A placa com aquele aviso tragicômico resume bem  o triste destino dessas populações, ávidas para se livrarem dessa espécie de escravidão que são os regimes de força, a exemplo do Egito, da Líbia, do Iêmen, da Síria, da Costa de Marfim, entre outras regiões que sofrem intervenções das grandes potências. Na Serra Leoa, tribos rivais se trucidam entre si, com armas arranjadas por países com algum interesse político-econômico. Que paradoxo, essas tribos canibais, vivendo primitivamente, como quase bichos selvagens, utilizam armas de outras países, armas modernas. As decisões entre elas se resolvem com o extermínio de uma ou outra.  Seus chefes, seus anciões preconizam que os combates não devem respeitar nem crianças. Tudo fica, para defesa de seu território, de suas criações de rebanhos, sob a mira mútua das armas dos combatentes. A valorização dos seus guerreiros é admirada pelas mulheres que só respeitam os fortes e destemidos.
                  O sentido nuclear do cartum reside nessa carência de alternativa de povos que fogem de sua própria pátria e, por mais que deem voltas, vão se deparar com o mesmo obstáculo, ou seja, com o fantasma das ditaduras. As populações que formam os contingentes de refugiados caem sempre no círculo vicioso  da discricionariedade - esta forma nefanda, usurpadora da cidadania.
                 As ditaduras não podem mais existir  a esta altura de conquistas tecnológicas e de avanços científicos em tantas outras áreas do saber humano. É uma heresia. Devem ser alijadas para sempre em todos os recantos do Planeta.. Não há povos felizes nem nações que aspirem ao progresso material e ao seu bem-estar sob regimes autocratas, Não creio que a China seja constituída de pessoas plenamente realizadas em todos os sentidos da vida. Sem liberdade de expressão, um país não sobrevive por muito tempo. A citada China comunista como sistema de governo, mas liberal como exportadora e importadora, investiu maciçamente na educação, cujo resultado tem sido excelente, O país se tornou um gigante economicamente, mas como estaria a vida pessoal e íntima dessa superpopulosa nação?
               Todas as nações livres devem envidar esforços a fim de que os regimes de força sejam extirpados definitivamente, ainda que as mudanças libertárias sejam conseguidas a longo prazo.     Acima das diferenças culturais, linguísticas, religiosas, étnicas etc., todos os povos poderiam, através de organismos internacionais fortemente comprometidos com a defesa da paz e da liberdade e bem-estar das nações, lutar pela conquista de uma democracia autêntica.

               Os regimes autoritários já deram sobejas provas de que não melhoram a humanidade. Os povos devem ser soberanos na escolha de seus representantes no sistema de governo. Para isso, a única via possível seria a prática da democracia alicerçada em lídimos valores éticos e espirituais. Democracia, porém, verdadeira, não de fachada, não de fancaria, não feita de grupos interessados em seus próprio bem-estar individualista, egoísta e nada patriota. Este tipo de democracia não é difícil de localizar na América do Sul, onde democracias não passam de grupos no poder meramente tutelados por países hegemônicos ou com tendência e tradição imperialista.
              No entanto, para colimar tais objetivos, seria imperioso que os órgãos internacionais de que dispomos procurassem efetivamente livrar-se de seus vícios e de suas incoerências ou parcialidades. Falo da ONU, OEA, OTAN. Lembremo-nos da guerra contra o Iraque, outra ditadura, em que os Estados Unidos sob liderança de Bush filho, e sem recorrer à ONU, com o auxílio da Inglaterra e de uma coalizão militar multinacional, invadiram aquele país, destruindo tudo à sua frente, com bombardeios usando armas de ponta, trucidando indiscriminadamente militares e civis, sem dó nem piedade.
              O motivo alegado pela dupla Bush filho e o ex-primeiro ministro britânico, Tony Blair, era que o Iraque escondia arsenais de armas nucleares, quando se descobriu, pouco depois, que não havia armas nucleares nesse país. Havia, sim, da parte americana e inglesa interesses outros tendo como fulcro as reservas petrolíferas. Mataram milhares de inocentes, jovens , adultos e velhos, destruíram parte da riqueza arquitetônica do país, em suma, reduziu o país quase a escombros.
             O governo de Bush filho cometeu tanta insanidade bélica  que seus crimes superaram as atrocidade de Saddam Hussein. Este foi condenado e enforcado. Nada aconteceu com Bush. A ONU, os Tribunais Internacionais contra crimes de guerra nada fizeram para condenar Bush filho. A memória curta da humanidade bem provavelmente já esqueceu de tudo isso. Impunidade total. O presidente americano fez tudo que desejou e saiu de cargo incólume e fagueiro. Gastou rios de dinheiro com a invasão do Iraque, assim como fez no Afeganistão. Exauriu os cofres do Tesouro americano, com um Senado sempre acolhendo seus caprichos e loucuras. Deixou para seu sucessor Obama uma herança de dívidas colossais e consequências que logo se tornaram visíveis na economia estadunidense. A recessão logo tomou vulto no cotidiano americano com repercussões graves em outras países.sobretudo europeus, incluindo, a Inglaterra.

            A pátria de Lincoln (1809-1865) de Thomas Jefferson (1743-1826) de Benjamin Franklin (1706-1790) e de Washington (1732-1799) não praticava essa “democracia” da era Bush. Eram outros tempos de homens que tinham cultura,  sabedoria e vergonha na cara, que tinham caráter e civismo no espírito. Essa democracia e essas figuras ilustres conheceram o que seja justiça e democracia. Por isso está fazendo falta em todo a Terra.
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