Elogiemos os vencidos, eles merecem
Por Cunha e Silva Filho Em: 22/08/2008, às 23H40
No momento em que os Jogos Olímpicos, na distante Pequim, se realizam, façamos, invertendo os impulsos naturais dos desejos humanos de só valorizarem à máxima potência aqueles que conseguem os louros do primeiro lugar, o elogio daqueles que nada ganharam, que saíram da misteriosa e velha Pequim com uma mão atrás e outra adiante.
A sociedade contemporânea, quer ocidental, quer oriental, só tem olhos para quem fica no ponto mais alto do pódio, como se só eles fossem merecedores das dádivas dos deuses olímpicos. Já observaram, leitores, a fisionomia de quem não é o primeiro em cada modalidade esportiva. Já viram bem dentro dos seus olhos as contrações produzidas pelo fracasso e a reação indiferente das multidões em relação a eles? É claro que, em sã consciência, todos querem alcançar o topo, mas a minha justificada indignação se volta para os que não enxergam os vencidos, a quem são negados os aplausos, os holofotes, os milhares de focos de luzes das câmeras.
Ninguém se importa em dirigir os olhos para os que ficam na retaguarda do sucesso alheio. Só o primeiro lugar é digno do incenso dos oráculos. O fogo olímpico parece se apagar para quem não venceu, para quem é perdedor. É óbvio que o que deve estar em jogo é o espírito esportivo, para o qual os ingleses têm uma expressão tão oportuna, que é o chamado fairplay. Mas, este deixa de ter sua razão de ser quando da parte da multidão inexiste o sentimento de reconhecimento pelos perdedores., e não há dor mais pungente do que a da indiferença.
Somos sociedades ditas civilizadas que levaram a competitividade a um limite perigoso, porque só atribui valor absoluto aos melhores em cada área, em cada setor, em cada atividade, a tal ponto que hoje em dia se fala muito em atingir metas de qualidade, eficiência, maximização qualitativa dos resultados da força do trabalho, o que equivaleria a dizer, em linguagem econômica, a produtividade. O ser humano, esse só tem valia quando produz lucratividade. Em outras palavras, o homem somente tem peso na engrenagem quando reificado. Na competição esportiva, ou no trabalho, ai de quem não é o primeiro, ai de quem não é mais bonito, ai daquele que não produz capital, ai de quem não é novo.
Há razões por detrás de toda essa engrenagem? Sim, sem dúvida, e não é difícil de precisá-las. No mundo do business, do alto negócio, a essência da individulidade inexiste, dando lugar à função do indivíduo, aos bens do corpo e da inteligência a serviço da máquina produtiva alimentadora e realimentadora, moto continum da materialidade da vida onde os sentimentos, se elidem e, ao contrário, passa a ter destaque comportamental a robotização da pessoa humana, cujas características de humanidade unicamente se identificam pela exterioridade da voz, do corpo, dos olhos, mas de um corpo sem alma, um corpo elevado ao sacrifício de um pacto fáustico.
Dessa forma, na esfera do esporte, os ídolos são logo cooptados pelas miríades de vias que são o universo do lucro, agora não apenas em escala nacional, mas planetária. O ídolo deixa de ser a essência do ser que era, e passa a ter nova identidade, vira persona, assume o status de iconicidade, e assim perde sua real personalidade no que tange à sua dimensão humana. Lá se foi o ser no sentido do humanismo sadio e bem-vindo.
Os vencidos, por sua própria natureza de situar-se no segundo, terceiro ou último plano, não são levados em conta, são folhas mortas, murchas, não dignas das multidões de uma humanidade sedenta de vencedores, os novos deuses do Olimpo. Eles fazem a sua independência econômica, mas se tornam, no universo da publicidade capitalista, o mais rendoso prato cheio convertido na riqueza de uns poucos.
Os vencidos ostentam esta característica notável, não se contaminarão do regabofe organizado pelos donos do mundo, cujos olhos estão voltados para um eterno presente conquistado a todo custo, representado pela gangorra das bolsas das Stock Exchanges , nas quais homens com gestos frenéticos e gritos estridentes, vistos de longe, parecem ensandecidos - palco da Humanidade - cujo epicentro de há muito deixou de ser privilegio da gente do Tio Sam e hoje se reparte tresloucadamente pelos quatro cantos da Terra que seguramente lhes há de ser leve, como diria o Bentinho de Dom Casmurro num desabafo final entre a crueldade dos sentimentos e a indiferença pela sorte de Escobar e Capitu.