Eles vinham da missa

[Maria Azenha]

eles vinham da missa .
eles vinham da missa sozinhos .
traziam nos olhos o céu
nos pés talvez trouxessem
o coração .
eles vinham da missa …
mas eles vinham da missa sozinhos !
traziam nas mãos pechisbeques
unhas rentes oração
piolhos imaginados
um certo olhar vazio aveludado
em certo estilo
uma faca cravada nos dentes
uma amante nos slip’s
o põe-e-tira-a-chaga e tira-aquilo
dois lábios cronometrados
uma 6ª feira no adro
um frade no sermão .

eles vinham como um fardo .
eles vinham como o vinho .
eles vinham da missa amestrados
eles vinham consagrados .
e traziam à volta um chimpanzé
que lhes vendia a medo o império do Cavaco .
eles vinham da missa sozinhas
rodas-baixas na oração
com as damas pelos joelhos
ão , ão ,
ao serviço dos supermercados .

eles vendiam a porcaria da Justiça
às galinhas da Praça ! ,
à Mexicana ,
aos gelados sacré-coeur noites de Verão
eles traziam plantas carnívoras
nas barbas e nos lábios .

aos milhares como galáxias
eles diziam-se meus irmãos .
eles tinham um olho no deserto
e Outro ao lado das mãos .
eles vinham da missa .
eles vinham da notre-dame-nulle-part ,
bourdel das lágrimas vazias ,
pirâmides de Ravel .
mas está na moda um tumor de vez em quando
ou o Roberto Carneiro ou o Carneiro Carneiro
pisca-pisca na televisão .

eles tinham de facto filhos
como bolas de sabão ,
e a mulher era a Nossa Senhora da Face das Papoilas
a constituir uma equipe de football .

às vezes eles saíam da missa aos domingos
com facas nas algibeiras ,
faziam-se peditórios palestras
marchas S.tº Antónios
uma marca na lapela
e está tudo a postos para a Gravação :
o céu a clientela o Santo Padre nas janelas
como um fantasma ao Sol .
eles tinham fome e roubavam
as estrelas moribundas que passavam .

ah ! eles vinham da missa aos molhos
como uma procissão .
usam no próprio nome a Praça
e o desespero suga-lhes o coração
os termos a graça a raça
a Primavera de costas as mãos .
eu própria eu sei
que a Arte é uma coisa muito perigosa !
mas eles saem da missa
na vela dos seus iates .
e quando o Amor sopra
eles comem lagosta
no bidé da Praça .

eles fazem sempre amor quando o sacrário se abre .
eles inclinam as cabeças .
e se o Inverno intempestuosamente passa
eles põem olhos-de-sofrer nas gravatas .
eles são como flores fechadas
no enterro das Praças .
roubaram todo o ano o Templo dos Anarquistas !

eles sabem que a Arte é perigosa .
eles sabem que a Arte é preparada
Hora-aHora e não acaba .
eles têm medo quiçá das trevas do esteves cardoso
do Portas dos Poetas dos loucos dos pobres
dos filhos-de-Nada dos fala-Baratas
e por isso comem mortos !

mil e uma vezes eles sabem
que as armas dos Artistas
derrubam as Grades : a televisão os cigarros
as regras a macrobiótica
as greves os corpos
os deputados as datas ,
quais fumos em Altos-fornos
por onde a gente passa !…

eles saem da missa sozinhos
mascando Haxe nos lábios .
eles fumam a favor da Liberdade .
eles sabem que estão salvos .
eles sabem que são bonzinhos .
eles sabem que Deus é Deus
e Deus sabe tudo como eles .
eles sabem jazz eles sabem electricidade .
eles conhecem Expo-Sevilha ,
eles sabem Fado .
eles sabem tudo .
eles comem tudo .
eles são a grafonola da Canalha .

a morte p’ra eles é Pop ,
é molinha tem I.V.A. e tudo !
porque os outros é que morrem .
os outros é que atravessam
a porcaria da História ,
com discursos com ruas
com buraquinhos
com beijocas nos cemitérios
com os Lusíadas debaixo do braço
com a Demasia do Pessoa
com a série-noire do Vang Gof
com panfletos na pátria
com moscas no cafézinho .

eles sabem que a Arte é perigosa .
eles são Pop !

são a estereofonia ouvida em mono .

eles vêm da missa de jeep
como cristóvão colombo de barco .
eles trazem a América no carro .
eles pintam a morte num abrir e fechar dólhos
como que a dedilhar uma trova
e os pobres dão-lhes um osso .
e eles mordem .
eles são mesmo óptimos !
estão salvos com o céu todo .
eles vivem no caixão do Padre .

eles sabem que a Reencarnação
é uma ideia retrógrada .
eles sabem tudo . eles sabem Nada .
eles usam Nódoas .

eles vão ao “dancing”
ao “Bora-Bora” ao “Trumps”
eles vão pôr flores nos campos
relinchando orações pela boca-fora .
eles dançam às modas .

eles trazem um tremoço de Dante
no nevoeiro de D.Sebastião .
eles usam saco . eles usam molas .
eles usam até as metáforas na Televisão .

eles usam tudo .
eles sabem tudo .
eles comem tudo .
eles fedem tudo .

eles usam até binóculos
para dançar à espanhola na História .

Olé! Olé! Olé!

eles sabem que a Arte
é a coisa mais perigosa !

por isso a Greve sendo pomposa
é um processo estatelado na Cova .
nunca se deve fazer Greve
a favor de Nada .

a Greve é o Cartoon do Cunhal .
a Greve é construção-Naval .
a Greve é um grande Carnaval :

compra a mãe compra o padre
compra o filho num segundo
compra todo o mundo .
compra tudo .

o que se deve é fazer Arte .
Arte é Diálogo !
Arte aos Berros ! Arte Triunfal ! Arte no Pontão !
Arte no Porão !
Arte no Coração !
Arte no Sangue! Arte na Garganta !
Arte às mãos-cheias da matéria
das galáxias !
Arte nas Igrejas ! Arte nos Cavalos !
Arte no Jornal !
Arte nas crianças !

a Arte só se deve Vender às Baleias !

a Arte é o Espírito-todo o ano
todo o ouro atravessado nas igrejas .
a Arte é uma pedra violada
pelo chão !

a Arte é um Anjo !

a Arte é um carro envolto em nevoeiro
às buzinadelas na estrada ,

a Arte meu Deus
não é uma ideia !

a Arte é Virgindade !
a Arte é reencarnação !
a Arte é a chuva
reencarnada nas montanhas !
a Arte é o vento
espetado nas veias ,
a Arte é no mundo não haver Cadeias !
a Arte é o Amor amar todos por igual !
a Arte é tudo !
a Arte é Sinfonia !
a Arte é o maior Sinal !

mas eles saem da missa sem idéias…
eles saem para a rua
perfurados como um cartão …

E eu sou
como dizer-lhes ?!
um Poeta de Variedades !!!