"El topo"
Por Bráulio Tavares Em: 26/08/2009, às 07H07
Por Bráulio Tavares
“El Topo” significa “a toupeira”, um animal subterrâneo que vive cavando na escuridão e um belo dia, por acidente, vem dar à superfície da terra, em pleno sol do meio-dia. É uma metáfora para a iluminação (no sentido místico, esotérico) que às vezes acomete um indivíduo sem que ele a procure. O raio divino que cai sobre Saulo na estrada de Damasco, o “estalo” do Padre Vieira, a epifania de Nietzsche na montanha tendo o vislumbre instantâneo do Eterno Retorno.
“El Topo” está sendo exibido apenas hoje na Mostra Jodorowsky do Cine Sesc no centro de João Pessoa (Rua Desembargador Souto Maior, 281). As sessões são gratuitas, e acontecem ao meio-dia e às 18h. O telefone do Setor de Cultura do Sesc é 3208-3158.
Alejandro Jodorowsky fez este faroeste metafísico em 1970, misturando influências de Sérgio Leone (que na época não era considerado mestre coisa nenhuma, era um mero diretor de bang-bangs italianos), Luís Buñuel, Glauber Rocha (isto quem diz sou eu), o Teatro do Absurdo, Samuel Beckett, e inúmeros elementos da Contracultura hippie dos anos 1960 (visões lisérgicas, misticismo oriental, xamanismo, etc.). O resultado é um filme tecnicamente precário mas surpreendente e fascinante. Hoje, um filme mais difícil de aceitar do que na época em que saiu, porque é fruto daquele período em que havia uma propensão muito maior para o que eu chamo de “filme B para intelectuais”. Hoje em dia, o cinema se dedica a produzir filmes A para analfabetos.
“A Toupeira” é um cowboy vestido de preto, que cavalga pelo deserto levando um menino nu (seu filho) na garupa e um enorme guarda-chuva que o protege do sol. O ator é o próprio Jodorowsky, e o pistoleiro irá enfrentar ao longo do filme uma série de aventuras surrealistas. Depois de exterminar um coronel e seu grupo de bandidos, ele é forçado a enfrentar quatro mestres pistoleiros que lhe darão lições de sabedoria antes de serem mortos. Depois passa por um processo de morte e ressurreição (o filme já foi descrito como “um western-spaghetti budista”) e transforma-se num monge mendicante, antes de ajudar na libertação de um povo que vive numa caverna, no interior de uma montanha.
“El Topo” se beneficiou de ter participado em 1970 de um festival de cinema de vanguarda no cinema Elgin, em Nova York, em que também foram exibidos filmes de John Lennon e Yoko Ono. Visto e elogiado pelo casal, o filme ficou em cartaz em sessões à meia-noite (por ser considerado “forte” para o público normal), sete noites por semana, de dezembro de 1970 até junho de 1971, sem nenhuma publicidade além do boca-a-boca, rendendo ao exibidor cerca de 4 mil dólares por semana. Deve-se em grande parte a ele o conceito de “midnight movie”: filmes que contém sexo e violência, linguagem anti-convencional, produção barata, idéias pouco ortodoxas, com forte apelo para públicos específicos, e capazes de desencadear um culto que os mantém em evidência décadas depois de sua realização.