Vista parcial do centro histórico de Oeiras.
Vista parcial do centro histórico de Oeiras.

                                                                                                                                                                                           Reginaldo Miranda*

Espírito liberal, antenado com as ideias que se propalavam na Europa, onde mantinha assídua correspondência, era um dos partidários do sistema constitucional que revolucionou a sociedade portuguesa, cujo epicentro foi a cidade do Porto, culminando com a instalação das cortes constitucionais. Foi divulgador dessas ideias em Oeiras, onde se autodenominava de “O liberal piauiense”.

Egídio da Costa Alvarenga nasceu na cidade de Oeiras, cerca de 1790, filho da piauiense Matildes Efigênia de Santana e do cirurgião anatômico Francisco José da Costa Alvarenga, natural de Lisboa, onde estudou e se formou, sendo aprovado e licenciado no Hospital de São José. Inicialmente, seu genitor fixou residência no Brejo de Santo Ignácio, no exercício do cargo de administrador das fazendas do Real Fisco daquela Inspeção, ali demorando-se por dez[1] anos.

Cursou as primeiras letras na cidade de Oeiras, sob os cuidados do genitor e de padres da freguesia. No entanto, mal atingiu a adolescência foi mandado para estudar na cidade de Lisboa, onde permaneceu sob os cuidados do tio paterno, médico José da Costa Alvarenga, cavaleiro professo nas Ordens de Santiago e de Cristo[2], formado pela Universidade de Coimbra e profissional bem sucedido, sendo médico da Real Câmara. Ao falecer em 1812, esse facultativo deixou um legado para seus sobrinhos, inclusive para o biografado.

Foram proveitosos seus estudos em Lisboa e a convivência com a família paterna, uma gente culta, rica e relacionada nos altos ciclos da sociedade lisboeta. Cursava preparatórios para ingressar no curso de Leis da Universidade de Coimbra, em 1809, quando falece o estimado e próspero genitor. Teve, então, de interromper os estudos e retornar ao Piauí, para amparar a inconsolável genitora e tocar, como único filho varão, as fazendas e negócios da família. O passaporte para retorno foi deferido em 22 de novembro daquele ano. Por esse tempo é importante ressaltar que seu genitor fizera fortuna na colônia, sendo senhor de diversas fazendas e boiadas no Piauí e Maranhão. Ampliou esse patrimônio no governo de D. João de Amorim Pereira, de quem se fez aliado, vez que nunca se integrou à elite rural piauiense. Em 11 de junho de 1798, regularizou sesmaria[3] em seu nome no vale do rio Parnaíba, termo de Campo Maior, logo abaixo da barra do Poti, nas extremas da Data Covas, medindo três léguas de comprido e uma de largura; em 12 de junho do mesmo ano, em nome do filho Egídio da Costa Alvarenga, recebeu sesmaria no termo de Jerumenha[4]; desde 22 de março do mesmo ano, a filha Rosa da Costa Alvarenga, já havia recebido sesmaria na margem do rio Parnaíba, entre o Riacho dos Negros, São Francisco e Santa Teresa, no atual território de Palmeirais[5].  Assim, pode-se constatar que em 1809, era considerável o patrimônio da família, justificando seu retorno ao Piauí, além de assistir à mãe viúva e as irmãs órfãs[6].

Portanto, desde 1809, com cerca de 19 anos de idade, Egídio da Costa Alvarenga passou a administrar as fazendas e, por via de consequência, comercializar as boiadas nas principais feiras da Bahia e do Maranhão, além da indústria de charque da Parnaíba. Estava, assim, consolidado como um dos abastados fazendeiros do Piauí. Por esse tempo também exerceu, esporadicamente, a profissão de advogado no fórum da cidade de Oeiras. E assentou praça no regimento de milícias da capitania, alcançando o posto de tenente. Casou-se com d. Carlota da Costa Alvarenga.

Egídio Alvarenga era um espírito irrequieto, em franca oposição ao crescente prestígio de Manuel de Sousa Martins, cuja influência no governo de Elias José Ribeiro de Carvalho, era notória. Este assumiria o governo do Piauí em 14 de maio de 1819 e seria o último governador nomeado pelo regime português para o Piauí. Inábil, sem se adaptar ao nosso sertão deixou o governo correr por conta de Sousa Martins, que em tudo o auxiliava e orientava, ocupando o posto de coronel do regimento de cavalaria de milícias e tesoureiro da junta de fazenda. Por via de consequência, Alvarenga faz oposição ao governo tornando-se arauto da propaganda liberal que irradiava a partir da Revolução do Porto, trabalhando primeiro em surdina e depois à luz do dia, quando o movimento tornou-se vitorioso em Portugal. Nessa propaganda aliou-se ao escrivão da junta da fazenda, Antônio Maria Caú, outro opositor de Sousa Martins, inclusive no serviço interno da junta, ambos acusando o governador de ser anticonsticional. Distribuíam informes do movimento do Porto para insuflar a população oeirense e trabalhavam em surdina para rebelar a tropa de linha, acusando o governador de protelar o juramento da Constituição. É que este sendo cauteloso, esperava ordens expressas para fazê-lo. Porém, os liberais haviam vencido os últimos obstáculos em Portugal, sendo o regime constitucional adotado pelo Decreto Real de 24 de fevereiro de 1821. A rebelião de Oeiras foi denunciada por um conjurado ao comandante da tropa, capitão Manoel Pimenta de Sampaio, que entendeu-se com Sousa Martins, indo ambos a palácio confabular com o governador Elias de Carvalho. Os conjurados tramavam a deposição do governador, jurar a constituição e eleger o governo provisório, que seria presidido pelo cirurgião português Francisco José Furtado, cunhado de Alvarenga; e membros Antônio Maria Caú, líder do movimento e seu cúmplice Egídio da Costa Alvarenga. Não tomariam parte nesse governo provisório, mas também eram cabeças do movimento o almoxarife José de Sousa Coelho e o ex-primeiro escriturário da Contadoria da junta, Manoel Joaquim Henrique de Paiva. Diante do fracasso desse movimento pela divulgação de seus planos, o governador os deixou em liberdade, mas designou data para jurar a Constituição, como de fato o fez em 7 de maio de 1821. Foi também eleita uma Junta de Governo, presidida pelo padre Matias Pereira da Costa. No entanto, porque ficaram em liberdade rapidamente tramaram os sediciosos um movimento que poderia resultar em levante armado, de que foram novamente denunciados. O principal implicado foi Caú, que em 12 de maio, foi afastado de suas funções e preso, em cuja situação faleceu dez meses depois. Os demais sediciosos foram poupados, inclusive Alvarenga, que foi enviado para disciplinar a companhia militar da vila de Jerumenha[7].

No ano seguinte, o tenente de milícias Egídio da Costa Alvarenga, comandou uma companhia de cavalaria do exército do major João José da Cunha Fidié, em sua marcha para o norte da província, a fim de abafar os sediciosos que promoviam desordens contra o reino lusitano nas vilas de Campo Maior e São João da Parnaíba. Foi chamado de Jerumenha com uma companhia de cavalaria de seu regimento para juntar-se em Campo Maior, à tropa do tenente-coronel João Antônio da Cunha Rabelo, composta por 100 praças, 100 granadeiras e 2 peças de campanha. Assim, reforçaram o poderio português naquela vila do centro-norte piauiense, ao qual também se somou a tropa do capitão Vicente Rocha Araújo, que chegou posteriormente. No entanto, com o levante de Oeiras e a aproximação de Leonardo Castelo Branco para Campo Maior, a soldadesca que era francamente partidária da Independência ameaçou desertar, dizendo que não combateria os rebeldes, obrigando Cunha Rabelo a abandonar a vila em 26 de janeiro de 1823, juntamente com Egídio Alvarenga.

Nessas circunstâncias, com o movimento consumado o tenente Egídio da Costa Alvarenga, adere à causa da Independência. Essa demora levou seus inimigos a dizerem que ele somente o fez quando 17 províncias já haviam aderido[8]. Mas era indisfarçável seu antagonismo com o brigadeiro Manuel de Sousa Martins, depois Barão e Visconde da Parnaíba, que passou a governar a província, por largos anos, depois da Independência. Em pouco tempo, seguiu o coronel Joaquim de Sousa Martins e passou a fazer-lhe firme oposição, sendo por isso mesmo duramente perseguido, inclusive com a perda de bens a título de execução para pagamento de débitos fiscais com a fazenda pública. Segundo José Pereira da Silva Mascarenhas, Alvarenga era enfatuado e se arvorava de advogado sem estudos prévios.

Sobre essa luta política, em 28 de fevereiro de 1826 foi publicado n’O Censor Maranhense:

“Sabe-se que existe hoje no Piauhy uma bárbara perseguição contra todos os Cidadãos Brasileiros ou Europeus que seguem a mesma marcha e conduta política do Ilustre Joaquim de Sousa Martins, Irmão do Excelentíssimo Barão, cujos crimes é serem amigos do Imperador, e da Concórdia: neste número de vítimas existe o benemérito e honrado Brasileiro Egídio da Costa Alvarenga, exemplo de heroísmo na constância com que tem sofrido os bárbaros efeitos do mais cruel despotismo, e arbitrariedade, e a firmeza de caráter com que se tem distinguido na adesão e fidelidade ao Imperador contra os tenebrosos impulsos dos democratas, debaixo do maior risco da vida, impassível aos raivosos ímpetos dos cruéis monstros que o perseguem, os quais cuidando encobrir a refinada maldade que nos peitam encerram, têm perseguido a muitos outros cidadãos cheios de merecimento e de virtudes cívicas, debaixo do frio pretexto de terem sido n’outro tempo amigos ou defensores da Constituição de Portugal, e do Senhor D. João Sexto; mas coitados! aonde irão os monstros parar seguindo esta rota? nós bem o sabemos!”[9]

Sobre o mesmo assunto, em março de 1894, vai relembrar o escritor Clodoaldo Freitas:

“A administração do Visconde da Parnaíba ocupa um grande ciclo para poder resumi-la aqui neste lugar inoportuno e basta-me dizer, concluindo o que fica dito, que durante todo esse espaço a razão e o direito, a justiça e a liberdade se limitavam à norma traçada pela vontade do presidente, que absorvia tudo. O imposto, o voto, a lei desciam enxovalhados do santuário da divindade ao antro dos interesses inconfessáveis e dos caprichos levianos do déspota, a seu turno vítima da sua rabadilha funesta e quando algum, algum desses raros espíritos reveses se insubordinava altaneiro, como Egídio da Costa Alvarenga, tinha como castigo provações tão cruéis, tratos tão duros que abismava-se na tétrica noite infinita da loucura, único refúgio capaz, exceto o da campa, a furtar-se ao império das garras malditas do tirano inclemente”[10].

Passada essa década de infeliz luta política, onde foi duramente perseguido Egídio da Costa Alvarenga, apura os haveres que lhe restaram e ruma para Lisboa, onde fixa residência com ânimo definitivo. Chegou em meados de 1833 e em outubro deste mesmo ano chama a juízo Dionísio José Monteiro de Mendonça, por ter herdado com suas parentas os bens da falecida Roza Luiza da Cunha Alvarenga; e esta em vida ter administrado os bens que ele herdou de seu falecido tio José da Costa Alvarenga[11]. Estava, assim, reavendo bens e organizando seu patrimônio em Lisboa.

Naquela capital, pôde esse militar piauiense cuidar da educação do filho Pedro Francisco da Costa Alvarenga, que, mais tarde, revelou-se grande médico e cientista de renome. Faleceu o tenente Egídio da Costa Alvarenga, na cidade de Lisboa, antes de 1849[12]. Ficam essas notas para a reconstituição de sua história de vida.

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* REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

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[1] Em princípio de 1794, ele firma petição lembrando que servia a Sua Majestade por 14 anos, sendo sete no cargo de Inspetor e sete no de cirurgião. No entanto, no mesmo documento diz que em 1789 ainda era Inspetor. Em outro documento datado de 1787, aparece residindo na Inspeção do Brejo de Santo Ignácio, ainda solteiro, de onde concluímos que houve equívoco, tendo ele deixado aquela Inspeção em 1789, ano em que também foi mandado em diligência para atender a D. Francisco de Eça e Castro, que faleceu em 15.9.1789.

[2] PT/TT/IFF/009/0454/00010. Feitos Findos, Inventários post mortem, Letra J, mç. 454, n.º 10.
PT/TT/MCO/A-C/002-009/0067/00071. Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra I e J, mç. 67, n.º 71.
PT/TT/MCO/A-C/003-009/0006/00126. Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Santiago, Letra J, mç. 6, n.º 126.

 

[3] AHU. ACL. CU. 016. Cx. 22. D. 1128.

[4] AHU. ACL. CU. 016. Cx. 22. D. 1130; Cx. 23. D. 1210.

[5] AHU.ACL. CU. 016. Cx. 22. D. 1134; Cx. 23. D. 1211.

[6] Catharina da Costa Alvarenga, foi casada com Victor da Costa Veloso; Rosa da Costa Alvarenga, nascida em 14 de março de 1792, batizada na matriz, em 20 de junho de 1792, foi casada com o cirurgião Francisco José Furtado; e Porcina da Costa Alvarenga, batizada em 24 de agosto de 1793, foi casada com Manoel Pacheco de Castro.

 

[7] NEVES, Abdias. O Piauí na Confederação do Equador. 3ª Ed.. Coleção Centenário 111. Teresina: APL, 2019. COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia histórica do Estado do Piauí. 3ª Ed.. Coleção Grandes Textos – Vol. 9. Teresina: APL-FUNDAC, 2010. CHAVES, Mons. Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. In: Obras Completas. Teresina: FCMC, 1998.

[8] O Censor Maranhense, 25.2.1826.

[9] O Censor Maranhense, 28.2.1826.

[10] FREITAS, Clodoaldo. A Balaiada. Coleção centenário 142. Teresina: APL, 2019.

[11] Chronica Constitucional de Lisboa, n.º 62, sábado, 5.10.1833.

[12] Em 13.3.1849, no termo de Caxias, Maranhão, casou-se sua filha Carlota da Costa Alvarenga, com o primo José Manoel Pacheco, este filho de Manoel Pacheco de Castro e Porcina da Costa Veloso, moradores na freguesia de São Sebastião da vila de Passagem Franca. Conta que nesta data já eram falecidos os pais da nubente.