EDUCAÇÃO E BARBÁRIE (11)                                                                      

                                             

 

 

 De  mim vos digo que não trocaria por melhor situação de vida esse prazer de ver crescerem, sob os meus olhos e ao ressoar da minha voz, os homens novos, fatores da grandeza do país.                                                                                      Daltro Santos

                                                                                   

                                                                                         Para  M. Paulo Nunes 

 

CUNHA E SILVA FILHO

 

             É preocupante a situação atual  da Escola  brasileira no que  respeita a um gravíssimo problema, cuja origem podemos remontar há pelo menos duas décadas. O problema em causa é o da violência de alunos contra professores. Até parece uma contradictio in terminus. Eu mesmo, que lecionei no ensino público fundamental e médio  das  redes estadual e municipal, já vinha percebendo, assim como outros colegas, essa guinada de uma escola não violenta, que foi a escola tradicional, ainda que com todas as suas cargas de interditos, para uma  escola de selvageria, que é o estágio a que pertenceria a chamada  escola moderna,  de natureza desrepressora, que    atribui ao educando um espaço maior de liberdade, a ponto de esta  descambar, com  a sociedade afluente e competitiva   contemporânea, para  um  fase de alta  permissividade, de  crescente  violência e   mesmo anarquia e consequente perda da autoridade do  professor.

            Recordo que,  em parte, ponho a culpa disso  nos excessos de liberdade que a nova  escola brasileira  tem permitido na relação aluno-professor  assim como na negligência por parte da família brasileira, na maioria dos casos, pouco atenta ao que os filhos fazem na escola ou fora dela. Como vivemos numa sociedade  crescentemente violenta, na qual valores outrora preservados e cultivados foram  por água abaixo, seria de  se esperar que casos de violência física e moral contra educadores continuassem  aumentando.

            Foi doloroso o recente depoimento transmitido pela TV de um professor de Brasília covardemente espancado por “delinquentes uniformizados”, pois não há outra  classificação que  possa dar  a esses brutamontes cruéis. Mais pungentes ainda foram as palavras de desabafo do educador, num testemunho de desalento e de desesperança ao  afirmar que desistia da escola onde  desempenhava  uma das mais nobres  profissões, que é o magistério.

           Me lembro, agora, de que o critico literário Afrânio Coutinho (1911-2000) certa vez declarara que não gostava de ser tratado como doutor, e sim como professor, tal era o apreço  que  tinha pela  função  de mestre e educador. Penso igual a ele, como seguramente eminentes professores pensam  do mesmo modo, não só em nosso país, mas em toda parte do mundo civilizado.

          Mais dolorosas se nos tornaram as palavras do professor de Brasília quando chega  às raias dessa conclusão tão triste e  sombria, além de vergonhosa  para a educação e o ensino brasileiros: -- Não quero mais saber de ensinar, nem volto mais  para aquela  escola. Mais  desolador é constatar que um  jovem,  tendo  sido graduado por uma universidade, após sofrer tanta humilhação e padecimentos morais,  tenha  que  abandonar sua carreira  porque não encontrou  um sistema de ensino  que o apoie e lhe dê  contentamento pela missão  - excelsa  missão, que é a de ensinar as gerações mais novas. O rosto do professor, cheio de manchas escuras, de inchaços, com parte  dele enfaixada com gazes, é prova cabal do clímax de um drama vivido pelo professorado brasileiro.

          E não está longe a  possibilidade de que essa covardia se alastre pelo ensino superior. Conheço já casos de professores de universidade pública que são maltratados ou ameaçados por alunos de comportamento antissocial, para dizer o mínimo  da minha indignação contra esses atos de  perversidade  contra a pessoa do  professor. Mesmo em escolas e universidades particulares, algumas há que  estão na mesma situação de  risco para o professorado. Vejo, assim, que a violência em larga escala que tomou conta de nosso país converge com a violência no âmbito do relacionamento entre escola-aluno-professor.

          O professor de Brasília ainda  acrescentou  no seu dramático depoimento, que de nada adianta tentar ensinar a quem não quer aprender. Há tempos alunos só  vão à escola para entreter conversas frívolas e inconsequentes durante as aulas, demonstrando profundo desprezo  e desatenção pelo que está  sendo ensinado. O professor do ensino público, fundamental e médio, com as exceções dos estabelecimentos públicos de  bom nível, tem sofrido  nas últimas décadas do descaso do sistema de ensino  brasileiro que não o valoriza condignamente, a começar do aviltamento salarial e dos anos de indiferença e mesmo omissão dos governos estaduais e municipais – com poucas exceções – que não  atenderam aos reclamos principais dos docentes: a implantação de um plano de carreira estável e combinado a uma remuneração decente.

          Me recordo de que, durante longos  anos no magistério,  entrava e saía governo, e as promessas feitas durante campanhas nunca  foram cumpridas. Durante os anos setenta,  oitenta e noventa, escrevi vários artigos para jornais do Piauí sempre clamando contra diversas mazelas da escola pública brasileira. Até pensei na época em cursar pós-graduação na  fascinante área da Educação. Lutei o quanto pude na imprensa  em defesa do ensino e da educação.

           Governos que se julgavam guardiães da educação brasileira, como o de Brizola, pouco fizeram pela melhoria do salário dos professores do Rio de Janeiro. Sabemos que é secular a reivindicação do professor  brasileiro do ensino fundamental e médio na questão crucial da sua remuneração. O caso de  violência praticada contra o professor de Brasília não é um exemplo isolado. A mídia  tem constantemente divulgado  ocorrências de selvageria contra a pessoa dos docentes.

          É preciso, pois, urgentemente enfrentar essa questão não só de forma isolada, mas como um problema gravíssimo  afetando a sociedade  brasileira, a família, os pais dos alunos, a instituição escolar e o sistema de ensino. Precisamos repensar todo um arcabouço de problemas sociais, econômicos e de segurança do indivíduo. A violência de alunos contra professores imbrica uma série de fatores  que a engendram e  são diretamente  responsáveis pela patologia social reinante.

          Urge que um Plano de Ação articulando diversos segmentos  da estrutura do Estado Brasileiro possa desaguar num  Plano de Salvação da Educação Brasileira. Tal plano envolveria ações efetivas do Ministério da Educação (MEC), do Ministério da Cultura, do Conselho Federal de Cultura, dos  Conselhos Estaduais de Cultura,  das Secretarias de Educação dos estados e municípios com o apoio logístico de profissionais de alta categoria nos ramos da pedagogia,  sociologia, antropologia, psicologia,  psiquiatria, assistência social  e da família brasileira. Tal Plano de Salvação  da Educação deveria procurar elaborar  alguma solução preliminar  que seja de  execução imediata,  a fim de minimizar essa vexatória realidade por que estamos passando como Nação.

           O professor brasileiro, como é o exemplo do docente  de Brasília, não pode permanecer como mais uma vítima impune  da barbárie de “delinquentes uniformizados” que perderam a noção do que seja essa figura digna,  não  dos maus tratos, mas do carinho, da atenção e do respeito dos alunos, dos pais de alunos e da sociedade brasileira. Sem nosso mestres,  o país não  anda. Portanto,  todos os professores brasileiros  merecem  o nosso respeito e a nossa reverência. A ausência dos mestres põe em risco a continuidade do progresso do país. Sem eles,  a Nação entra em colapso em pouco tempo, o que não conviria a nenhum povo  que se pretende civilizado e que  pretenda avançar em todos as esferas do conhecimento, nas artes, nas ciências, na tecnologia e no aperfeiçoamento do homem brasileiro integral,  material e espiritualmente.