EDUCAÇÃO E BARBÁRIE
Por Cunha e Silva Filho Em: 18/09/2021, às 12H21
EDUCAÇÃO E BARBÁRIE (11)
De mim vos digo que não trocaria por melhor situação de vida esse prazer de ver crescerem, sob os meus olhos e ao ressoar da minha voz, os homens novos, fatores da grandeza do país. Daltro Santos
Para M. Paulo Nunes
CUNHA E SILVA FILHO
É preocupante a situação atual da Escola brasileira no que respeita a um gravíssimo problema, cuja origem podemos remontar há pelo menos duas décadas. O problema em causa é o da violência de alunos contra professores. Até parece uma contradictio in terminus. Eu mesmo, que lecionei no ensino público fundamental e médio das redes estadual e municipal, já vinha percebendo, assim como outros colegas, essa guinada de uma escola não violenta, que foi a escola tradicional, ainda que com todas as suas cargas de interditos, para uma escola de selvageria, que é o estágio a que pertenceria a chamada escola moderna, de natureza desrepressora, que atribui ao educando um espaço maior de liberdade, a ponto de esta descambar, com a sociedade afluente e competitiva contemporânea, para um fase de alta permissividade, de crescente violência e mesmo anarquia e consequente perda da autoridade do professor.
Recordo que, em parte, ponho a culpa disso nos excessos de liberdade que a nova escola brasileira tem permitido na relação aluno-professor assim como na negligência por parte da família brasileira, na maioria dos casos, pouco atenta ao que os filhos fazem na escola ou fora dela. Como vivemos numa sociedade crescentemente violenta, na qual valores outrora preservados e cultivados foram por água abaixo, seria de se esperar que casos de violência física e moral contra educadores continuassem aumentando.
Foi doloroso o recente depoimento transmitido pela TV de um professor de Brasília covardemente espancado por “delinquentes uniformizados”, pois não há outra classificação que possa dar a esses brutamontes cruéis. Mais pungentes ainda foram as palavras de desabafo do educador, num testemunho de desalento e de desesperança ao afirmar que desistia da escola onde desempenhava uma das mais nobres profissões, que é o magistério.
Me lembro, agora, de que o critico literário Afrânio Coutinho (1911-2000) certa vez declarara que não gostava de ser tratado como doutor, e sim como professor, tal era o apreço que tinha pela função de mestre e educador. Penso igual a ele, como seguramente eminentes professores pensam do mesmo modo, não só em nosso país, mas em toda parte do mundo civilizado.
Mais dolorosas se nos tornaram as palavras do professor de Brasília quando chega às raias dessa conclusão tão triste e sombria, além de vergonhosa para a educação e o ensino brasileiros: -- Não quero mais saber de ensinar, nem volto mais para aquela escola. Mais desolador é constatar que um jovem, tendo sido graduado por uma universidade, após sofrer tanta humilhação e padecimentos morais, tenha que abandonar sua carreira porque não encontrou um sistema de ensino que o apoie e lhe dê contentamento pela missão - excelsa missão, que é a de ensinar as gerações mais novas. O rosto do professor, cheio de manchas escuras, de inchaços, com parte dele enfaixada com gazes, é prova cabal do clímax de um drama vivido pelo professorado brasileiro.
E não está longe a possibilidade de que essa covardia se alastre pelo ensino superior. Conheço já casos de professores de universidade pública que são maltratados ou ameaçados por alunos de comportamento antissocial, para dizer o mínimo da minha indignação contra esses atos de perversidade contra a pessoa do professor. Mesmo em escolas e universidades particulares, algumas há que estão na mesma situação de risco para o professorado. Vejo, assim, que a violência em larga escala que tomou conta de nosso país converge com a violência no âmbito do relacionamento entre escola-aluno-professor.
O professor de Brasília ainda acrescentou no seu dramático depoimento, que de nada adianta tentar ensinar a quem não quer aprender. Há tempos alunos só vão à escola para entreter conversas frívolas e inconsequentes durante as aulas, demonstrando profundo desprezo e desatenção pelo que está sendo ensinado. O professor do ensino público, fundamental e médio, com as exceções dos estabelecimentos públicos de bom nível, tem sofrido nas últimas décadas do descaso do sistema de ensino brasileiro que não o valoriza condignamente, a começar do aviltamento salarial e dos anos de indiferença e mesmo omissão dos governos estaduais e municipais – com poucas exceções – que não atenderam aos reclamos principais dos docentes: a implantação de um plano de carreira estável e combinado a uma remuneração decente.
Me recordo de que, durante longos anos no magistério, entrava e saía governo, e as promessas feitas durante campanhas nunca foram cumpridas. Durante os anos setenta, oitenta e noventa, escrevi vários artigos para jornais do Piauí sempre clamando contra diversas mazelas da escola pública brasileira. Até pensei na época em cursar pós-graduação na fascinante área da Educação. Lutei o quanto pude na imprensa em defesa do ensino e da educação.
Governos que se julgavam guardiães da educação brasileira, como o de Brizola, pouco fizeram pela melhoria do salário dos professores do Rio de Janeiro. Sabemos que é secular a reivindicação do professor brasileiro do ensino fundamental e médio na questão crucial da sua remuneração. O caso de violência praticada contra o professor de Brasília não é um exemplo isolado. A mídia tem constantemente divulgado ocorrências de selvageria contra a pessoa dos docentes.
É preciso, pois, urgentemente enfrentar essa questão não só de forma isolada, mas como um problema gravíssimo afetando a sociedade brasileira, a família, os pais dos alunos, a instituição escolar e o sistema de ensino. Precisamos repensar todo um arcabouço de problemas sociais, econômicos e de segurança do indivíduo. A violência de alunos contra professores imbrica uma série de fatores que a engendram e são diretamente responsáveis pela patologia social reinante.
Urge que um Plano de Ação articulando diversos segmentos da estrutura do Estado Brasileiro possa desaguar num Plano de Salvação da Educação Brasileira. Tal plano envolveria ações efetivas do Ministério da Educação (MEC), do Ministério da Cultura, do Conselho Federal de Cultura, dos Conselhos Estaduais de Cultura, das Secretarias de Educação dos estados e municípios com o apoio logístico de profissionais de alta categoria nos ramos da pedagogia, sociologia, antropologia, psicologia, psiquiatria, assistência social e da família brasileira. Tal Plano de Salvação da Educação deveria procurar elaborar alguma solução preliminar que seja de execução imediata, a fim de minimizar essa vexatória realidade por que estamos passando como Nação.
O professor brasileiro, como é o exemplo do docente de Brasília, não pode permanecer como mais uma vítima impune da barbárie de “delinquentes uniformizados” que perderam a noção do que seja essa figura digna, não dos maus tratos, mas do carinho, da atenção e do respeito dos alunos, dos pais de alunos e da sociedade brasileira. Sem nosso mestres, o país não anda. Portanto, todos os professores brasileiros merecem o nosso respeito e a nossa reverência. A ausência dos mestres põe em risco a continuidade do progresso do país. Sem eles, a Nação entra em colapso em pouco tempo, o que não conviria a nenhum povo que se pretende civilizado e que pretenda avançar em todos as esferas do conhecimento, nas artes, nas ciências, na tecnologia e no aperfeiçoamento do homem brasileiro integral, material e espiritualmente.