É tempo de desapego: a morte anunciada
Por Cunha e Silva Filho Em: 25/07/2010, às 14H00
Cunha e Silva Filho
Conheci o Jornal do Brasil, ou como era afetivamente chamado pelos seus leitores cativos, o JB, quando ainda no Piauí, naturalmente através do meu pai. É certo que não o lia com assiduidade, visto que a própria distância dificultava qualquer estreitamento de amizade entre jornal e leitor. Mas, já àquela época, nos primeiros anos dá década de sessenta, dava para avaliar o quanto era um bom jornal, não só na forma gráfica, como no conteúdo apresentado, nos editoriais, na excelência de alguns articulistas que nele passaram anos e anos escrevendo e iluminando de cultura e de informação válida os leitores espalhados pelo país fora.
Acredito mesmo que, por aquele tempo e, depois, já no Rio, tomei contato com a coluna de Tristão de Athayde, assim como de outros articulistas de renome, como Wilson Figueiredo (hoje com 86 anos) Carlos Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade( na condição de cronista soçbretudo)e um outro de que gostava muito, Moacyr Werneck de Castro, tremendo jornalista e intelectual, que, felizmente, ainda está vivo, conforme recente entrevista que concedeu à imprensa.
Entretanto, me parece que Moacyr Werneck não mais escreve pelo menos na imprensa escrita. Que pena privar-nos de todos eles e de outros articulistas do melhor quilate do jornalismo e da cultura brasileira. Sinto mesmo falta dele, do Moacyr Werneck, pela sua independência e pelos seus corjaosos artigos sobre as mazelas socias e políticasdo país, de Tristão de Atahyde, pela sua cultura universalista e profundo saber literário e filosófico, e pela trincheira que abriu nos momentos mais sombrios dos governos militares a partir de 1964, de Barbosa Lima Sobrinho, pela sua firmeza de convicções democraticas em defesa de um Brasil autônomo e mais justo, como, cem tempo mais recuado, sinto falta dos poucos textos que tive a oportunidade de ler de Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Astrogildo Pereira e Austragésilo de Atayde na revista O Cruzeiro. A coluna de Rachel chamava-se, se não me engano, Última Página, a de Austragésilo de Vana Verba. Não me recordo, contudo, do nome das colunas de Astrogildo Pereira e de Gilberto. Pena é que também, naqueles idos, não conseguia assimilar, como deveria, com mais profundidade de leitor, as matérias lidas. Apesar de tudo, valeu a pena. Alguma coisa ficou deles todos.
Mais tarde, já no Rio, foi a época em que o Jornal do Brasil iniciou o Caderno Ideias, que se tornou famoso e acatado, e era leitura aguardada com ansiedade e prazer, sobretudo numa fase áurea de tantos bons articulistas, ensaístas, críticos, jornalistas, escritores em geral, que marcaram aquelas páginas com a tinta de papel da sabedoria e do brilho das ideias. (sem trocadilho, é claro!) . Interessante, não acompanhei, no Piauí, a fase em que o Jornal do Brasil conheceu uma período de fastígio intelectual inesquecível, verdadeira ponta de lança da vida cultural do país. É óbvio que estou falando do famoso SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que se estreou em 1956, com o surgimento do movimento de vanguarda chamado Concretismo. Infelizmente, àquela altura, ainda estava usando calça curtas, e nem de longe pensava em assuntos mais sérios de poesia sofisticada, quando a minha cabeça apenas se emocionava com os sonetos bilaquianos ou outros poetas tradicionais do Romantismo. Nem sabia que Mário Faustino já era um intelectual de grande reputação apesar da juventude, quanto mais ouvir falar de Concretismo, Neoconcretismo, ruptura entre neoconcretistas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Mais tarde, tendo o Jornal do Brasil alcançado seu apogeu de diagramação e de jornal estilo moderno e inovador, que já vinha do tempo do SDJB pela via indireta de um seu Suplemento feminino - de onde eclodiu, conforme informa o criador do SDJB, Reynaldo Jardim, o próprio SDJB, apresentado, como matérias, contos e poemas, além de textos crítico-teóricos sob a liderança de Mário Faustino, surgia o Caderno Ideias, cuja leitura acompanhei durante anos, sobretudo na fase em que brilhava uma coluna de Jose Guilherme Merquior, provavelmente um dos primeiros grandes ensaístas da cultura que o país já conheceu em todos os tempos, denominada O mundo das idéias. Além disso, o Caderno Ideias acolheu grandes figuras da inteligência brasileira nele colaborando, ou a ele concedendo entrevistas. Algum tempo atrás, tinha eu uma coleção de numerosos números desse Caderno cultural, mas a perdi em algumas mudanças de residência por que passei e, por motivos de espaço físico, tive também que me descartar, com o coração despedaçado, de coleções de jornais, revistas e de um bom número de livros, sobretudo didaticos.
Aos poucos, fui observando que o velho JB de tantos leituras, sobretudo depois da morte de sua proprietária, a Condessa Pereira Carneiro, começava a dar sinais de decadência, primeiro sob a alegação de se tornar mais ágil e enxuto, com a drástica redução do número de páginas, em seguida, pela sintomática redução do número de páginas do Idéias, que me deixou desconfiado quanto às possibilidades da sobrevida do outrora grande jornal brasileiro. Agora, sou informado de que deixará de circular na forma impressa em setembro próximo, passando a sobreviver na forma eletrônica. Não será nunca mais o mesmo sob todos os ângulos, inclusive o de não se poder mais manuseá-lo e sentir a sua forma física que tanto encanto nos causa e dá indizível prazer a quem ainda pertence a uma geração que nasceu e cresceu sob o signo do papel impresso. Isso dói e traz saudade.
Já que não sou tão cético, ainda nutro esperanças de que haja uma reviravolta positiva e essa morte anunciada do JB impresso não se torne uma definitiva realidade da comunicação jornalística no país. Mesmo sem conhecê-los pessoalmente, associo-me às vozes de lamentação que já estão irrompendo, como as de Ferreira Gullar, de Wilson Figueiredo, do vice-presidente da República, José Alencar e de outros leitores e de leitores ex-colunistas de longa data do histórico e respeitado Jornal do Brasil.