Drummond em 1930
Em: 10/05/2015, às 11H15
Ana Clara Brant
‘‘Apareceu ontem o livro de Carlos de Drummond de Andrade.” Com esse título, a capa do Estado de Minas noticiou, 85 anos atrás, o lançamento do livro de estreia de um autor de 27 anos que viria a se tornar o maior nome da poesia brasileira.
A crítica do jornal saudou a chegada de 'Alguma poesia' e exaltou suas qualidades (leia ao lado). E fez isso antes até do diário em que o próprio Drummond trabalhava à época, como observa o escritor José Maria Cançado, no trecho sobre a recepção do volume, contido na biografia 'Os sapatos de Orfeu': “Houve até fenômeno também típico da imprensa cultural, a compulsão do furo, com o Estado de Minas dando a notícia do livro no dia seguinte à sua publicação, furando o próprio jornal em que Drummond trabalhava, o 'Minas Gerais'”.
No momento da estreia, a crítica esteve longe de ser unânime. Mas, “ao longo dos anos, 'Alguma poesia' foi sendo reavaliado e ganhando importância até se tornar um clássico”, pontua o poeta Eucanaã Ferraz. Ele é o autor de 'Uma pedra no meio do caminho – Biografia de um poema', editado pelo Instituto Moreira Salles, no qual esquadrinha a recepção crítica ao mais famoso poema da obra com que Drummond estreou.
Sobre 'No meio do caminho', Drummond afirmou no texto 'Autobiografia para uma revista': “Sou o autor confesso de certo poema, insignificante em si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando o meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais”.
Alguns dos 49 poemas do livro começaram a ser escritos em 1923 e chegaram a ser publicados anteriormente, em jornais e semanários como a 'Revista de Antropofagia'. Além de 'No meio do caminho', 'Alguma poesia' tem outros poemas que já nasceram clássicos, como 'Poema de sete faces' (Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida!), 'Quadrilha' (João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém) e 'Sentimental' (Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarrão. No prato, a sopa esfria, cheia de escamas e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho).
O poeta mineiro, que vivia em Belo Horizonte quando escreveu e lançou seu primeiro livro, titubeou antes de colocar no mercado a obra e pensou em batizá-la de 'Minha terra tem palmeiras'.
“Ele levou muito tempo para fazer 'Alguma poesia' e chegou a entrar em crise. Num dado momento, cogitou botar fogo no volume. O Mário de Andrade, seu amigo, a quem o livro é dedicado, foi quem o impediu, dizendo que Drummond não tinha o direito de destruir aquele projeto, porque os poemas já não lhe pertenciam, pois ele já os havia mostrado a várias pessoas”, conta Eucanaã Ferraz.
Drummond é severo com seu livro de estreia na já citada 'Autobiografia para uma revista'. “'Alguma poesia' traduz uma grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo”, afirma ele.
Escrita no calor da hora, a crítica do Estado de Minas enxergou outros aspectos na obra, editada com 500 exemplares sob o selo imaginário Edições Pindorama, de Belo Horizonte, criado por Eduardo Frieiro.
“'Alguma poesia' é uma surpresa agradável que talvez reanime os nossos intelectuais. No livro, diga-se de passagem, a emoção, por mais profunda, não se descontrola em derramamentos líricos. Podendo viver, portanto, sem excessos – clara e forte, como nasceu. Na verdade, é essa, inatamente, a mais humana das feições poéticas.”
A rosa do povo
Outra efeméride drummondiana celebrada em 2015 são os 70 anos do livro A rosa do povo, escrito durante a 2ª Guerra Mundial, publicado em 1945. É a mais extensa obra do autor, sendo composta por 55 poemas, dentre os quais A flor e a náusea, Áporo, Caso do vestido e Procura da poesia. É também considerada a obra em que o lirismo de Drummond se manifesta de forma mais intensa.
Homenagem
Carlos Drummond de Andrade será o homenageado da primeira edição do Festival Literário Internacional de Belo Horizonte – FLI-BH, previsto para o próximo mês de junho (25 a 28). Realizado pela Fundação Municipal de Cultura, o festival deve reunir autores brasileiros e estrangeiros na capital mineira, com destaque para latino-americanos. O tema que norteará palestras e debates é “Imagina o mundo, imagina a cidade”.
Estado de Minas - 01/05/2015