NOTA AOS MEUS  ESTIMADOS  LEITORES:

A CRÔNICA A SEGUIR FARÁ PARTE DO MEU LIVRO 

 

 

NÃO ESTÁ  CHOVENDO LÁ FORA.

 

Dona Dedé

 

Cunha e Silva Filho


                     Há poucos meses, precisamente  no  dia 27 de junho deste ano, na velha cidade de São Sebastião, se despediu desse conturbado planeta chamado Terra uma senhora, natural do Maranhão, dona Bernarda de Sousa Garcia, ou para seus íntimos ou mais próximos na vida social, dona Dedé. Dona Dedé está indiretamente ligada ao meu universo de afetividades, graças a uma amizade que considero verdadeiramente fraternal, que é essa que mantenho há muito tempo com um dos seus filhos, o Dr. José Ribamar Garcia, vitorioso piauiense em terras cariocas. Vitorioso tanto como advogado quanto como contista de talento, respeitado em terras cariocas como no seu estado natal, o Piauí
                 Conheci, primeiro, dona Dedé através dos livros de Garcia, naquelas páginas de dedicatórias, que já viraram marca registrada do autor, a membros de sua família, nas quais aparecem, em cada livro do escritor, as referências carinhosas e definidoras do alto sentido em que o filho grato presta reverência e respeitoso tributo aos seus familiares. Em cada obra lançada por Garcia, aparece a expressão ungida de amor : “Para Bernarda de Sousa  Garcia- Minha heroína.” No sintagma formado desse possessivo e substantivo se resume toda a carga de emoção e de profundo sentimento amoroso-filial do autor para com a mãe. O mesmo gesto carinhoso e de entranhada força do amor de filho dedicado e de pai extremoso se repete livro após livro.Quem não se sensibiliza com uma família assim?
              Dona Dedé vim a conhecer pessoalmente não faz tanto tempo. Um dia, com minha mulher, fui visitar a sua filha, a Conceição Garcia, e lá pude ver de perto a dona Dedé, uma senhora de feições bonitas, muito baixinha. Não era expansiva para quase estranhos ou para quem mal a via pela primeira vez. Conservava aquela boa dose de equilíbrio dos mais velhos em relação a um desconhecido. Mas, eu podia ver-lhe nos olhos vivos, perspicazes, sinais de muita compreensão das coisas da vida. Não a vi tantas vezes, porém dela ouvi muitas coisas boas que a engrandecem na sua passagem por nós.        

           Era viúva há muito tempo. Sua vida,  posso deduzir com facilidade, se fazia indispensável pela formação que deu a seus filhos. Tendo vindo para o Rio de Janeiro, a pedido de Ribamar Garcia, aqui ficou durante bons anos, adaptou-se à nova cidade, fez amizades.
          Conversando com Ribamar Garcia, relatou-me ele passagens alegres e até divertidas que demonstravam o oposto do que eu pensava da personalidade de dona Dedé, ou seja, que ela fosse uma pessoa calada, discreta, fechada.  Era tudo o contrario do que pensava. Garcia se divertia com o bom humor de sua querida mãe,  a quem  visitava  assiduamente,se deliciava com as suas qualidade de contar histórias, donde concluo que o talento de Garcia de narrador ficcional bem pode  ter  vindo do seu lado materno ou pode mesmo ter sido inspirado ou despertado pelo   dom materno de boa narradora oral.
         Sua instrução era limitada. Aprendera tudo com a vida, com a experiência de esposa dedicada, de mãe, de avó, de bisavó.
        Dona Dedé amava a vida acima de tudo. Lúcida em todas as horas, até o último instante. Estava com a respeitada idade de 86 anos. E não parecia ter essa idade. Era vaidosa com sua aparência, cuidava-se, fazia-se bonita.
       Sua figura para mim se confunde um pouco com a sua recriação ficcional, na narrativa de Entardecer (Editora Litteris, Rio de Janeiro, 2007). Lá esta ela às voltas com a doença do marido, Francisco de Assis Garcia, com os seus cuidados, com as suas preocupações. Lá está ela com a dor da perda prematura do esposo, que era a grande mola da família. Essa falta acompanhou certamente dona Dedé pelo resto da vida. Sozinha, viúva, moça ainda, tomou a liderança do lar, tocou a vida para  a frente.Viu crescer os quatro filhos. Viu-os formados. Viu seus descendentes formados e exercendo relevantes funções na vida profissional, em atividades privadas ou pública. Viu-os encaminhados na vida, não só encaminhados, vitoriosos na vida: filhos, netos. Seu exemplo de mãe se multiplicou pelos seus descendentes. No Rio de Janeiro, sua obra de mãe se completou.

     Tenho plena certeza que dona Dedé se foi com a alma cheia de carinhos, de cuidados, de atenções que sua linda família lhe prodigalizou. Nada lhe faltou na última hora, nem material, nem afetiva ou espiritualmente.Morreu como uma brasileira digna, como mãe, avó e bisavó cercada desse amor extremado que só sua bela família lhe poderia proporcionar. Dona Dedé superou a matéria e com certeza alcançou o Céu..