Dois excertos de Celine‏
Em: 16/05/2009, às 04H21
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Tudo isto ficou para trás no passado... Uma tarde dei com o meu pai... Caminhava ao longo das grades. Andava na distribuição... Então para não correr mais riscos deixei-me ficar pelo Carroussel... Escondia-me no meio das estátuas... Entrei uma vez no Museu. Era grátis nessa altura... Dos quadros não percebia nada, mas subindo ao terceiro andar dei com o Museu da Marinha. Então nunca mais de lá saí. Ia lá regularmente. Passei ali semanas inteiras... Conhecia os modelos todos... Ficava sozinho diante das vitrinas... Esquecia todas as desgraças, os empregos, os patrões, os morfes... Só pensava em barcos... Os veleiros, a mim, mesmo em miniatura, fazem-me realmente perder as estribeiras... Muito eu gostava de ter sido marinheiro... O papá também, outrora... Mas deu para o torto, tanto para mim como para ele!... Começava mais ou menos a entender...
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"... Ah! Camarada! Este mundo, asseguro-lhe, não é mais que um imenso negócio que se está marimbando para todos nós! Você é jovem. Que estes minutos lúcidos valham para si como se fossem anos. Escute-me com atenção, camarada, e não deixe passar nada sem lhe avaliar bem a importância, esse factor capital sob o qual resplandecem todas as mortíferas hipocrisias da nossa Sociedade:«O compadecimento pela sorte, pela condição dos pobres diabos...» Digo-vos, homens de bem, vencidos da vida, escorraçados, explorados, eternamente transpirados, previno-vos: quando os grandes deste mundo se resolvem a amar-vos é porque decidiram transformar-vos em carne para canhão ... É o sinal ... infalível. É por amizade que a coisa começa ..." [Céline, in Viagem ao fim da noite, Ulisseia, 1966]
FOTO LOUIS FERDINAND
Louis-Ferdinand Céline
(1894-1961)
(in «Morte a Crédito»,
tradução de Luísa Neto Jorge)