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 CONTINUAÇÃO

 

 

Ao invés de se originar do plano histórico (contínuo, linear), a autêntica criação ficcional brasileira do século XX (incluindo as narrativas sertanejas de Guimarães Rosa a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, obras literárias reconhecidamente verticais) tem sua origem no mundo do Vazio Criador (o já nomeado Mundo do Silêncio). Originária deste mundo informe, ela só fará parte do plano dos fenômenos já conceituados depois do repouso ativado do escritor, quando o sentimento inicial, telúrico, tornar-se parte integrante da duração pela razão, transformando-se, como já foi dito, em um sentimento renovado.

 

Para demonstrar esta transformação literária nos textos ficcionais de Guimarães Rosa, busquei a contribuição da filosofia de Bachelard. A partir deste auxílio, poderei reafirmar a minha proposta teórico-crítica, seguindo evidentemente um roteiro previamente elaborado, no qual destacarei alguns temas importantes, consciente de que os mesmos contribuirão para reforçar o desenvolvimento de minhas argumentações, unindo as idéias que formarão o alicerce de meu objetivo. Assim, verificarei, em primeiro lugar, a relação do escritor com a obra, considerando que as narrativas têm com o sertão da infância, da adolescência e das recordações uma relação interna indissolúvel, já que foi dito que este sertão em especial é o inventor da obra literária roseana, e o contrário também vale: o texto ficcional  criou o sertão roseano.

 

Na primeira parte de minhas assertivas, falarei do sertão mineiro propriamente dito, o sertão sócio-cultural, atavicamente preso à infância do escritor Guimarães Rosa, evidentemente, revelador do aspecto paradoxal de sua personalidade, por um lado, comprometida com os valores da modernidade (ao vivenciar cotidianamente essa modernidade), entretanto, por outro lado e ao mesmo tempo, muito mais comprometida com os valores sertanejos. É lícito observar que o escritor de origem sertaneja, em sua ficção poética (conceituação do próprio Guimarães Rosa, na Entrevista ao crítico alemão Günter Lorenz), procura ressaltar um determinado sertão, aquele de sua infância, que se encontra distanciado, temporal e socialmente, da realidade sócio-geográfica do sertão do Estado de Minas Gerais, realidade esta refletora da deterioração de uma sociedade brasileira mal-edificada.

 

Partindo do princípio de que a questão é importante, já que se liga aos temas tempo e espaço, e conseqüentemente ao tema dos cogitos superpostos, observarei, em um pequeno capítulo, pela ótica poético-filosófica de Gaston Bachelard, a obra ficcional de Guimarães Rosa, vigilante à possibilidade de ver (ou perceber) no referido sertão a casa inesquecível e seus recantos secretos, da qual fala o filósofo-camponês (nascido em França, na região vinícula da Champanha) em sua POÉTICA DO ESPAÇO.

 

Referindo-me ao escritor Guimarães Rosa e ao seu lugar de origem, tratarei do tema das máscaras sociais, no intuito de demonstrar a sua ascensão socio-intelectual de brasileiro, do sertão do Estado de Minas Gerais, lugar que ainda resguarda anteriores vivências primitivas, no mundo moderno das cidades, e o seu retorno às origens sob o predomínio da Arte Literária.

 

O tema das máscaras sociais privilegiará uma reflexão sobre esse homem incomum, herdeiro das experientes normas de seus ancestrais, em face da moderna e intelectualizada cultura das metrópolis e magalópolis. Esse homem, socialmente e intelectualmente reverenciado, entrará na primeira parte desta propedêutica, quando verificarei a relação do Ficcionista, superior, culto, integrado à sociedade elitista, com o sertão da infância, espaço este lingüisticamente criticado e socialmente rejeitado pelas camadas urbanas mais elevadas.

 

A seguir, destacarei a intermediação entre este processo inicial e o princípio da verificação do conteúdo narrativo-ficcional repleto de matéria de procedência poética. Neste capítulo, estarei dialogando com os pensamentos filosóficos de Gaston Bachelard sobre o tempo suspenso entre o antes e o depois, tempo este que não se adéqua às exigências vitais, lineares, do tempo histórico. Esclarecendo melhor, retomarei reflexivamente o entendimento bachelardiano sobre a questão do repouso fervilhante (diferente da idéia de repouso como descanso das preocupações cotidianas), propiciador de um juízo de descoberta, ondulatório, o qual leva à realização de uma possibilidade; no caso específico, à realização da possibilidade de existência literária de um sertão insólito, oriundo das recordações do passado (recordação: matéria lírica invadindo o espaço ficcional). Esta intermediação mostrará a temática dos cogitos, propiciando o direcionamento de minhas idéias transmutativas, para a elaboração e fechamento de meu objetivo preferencial.