Elmar Carvalho 

 

PREÂMBULO

 

            Nesta noite festiva e engalanada de nossa augusta Academia Parnaibana de Letras – APAL, coube-me a honrosa e prazerosa missão de proferir o discurso de saudação a quatro novos acadêmicos, que hão de fortalecer os seus pilares.

            Conquanto honrosa e agradável seja essa tarefa, contudo ela se reveste de certas dificuldades e armadilhas, pois sendo os neófitos confrades do mesmo tope, ou seja, ombreados pela sapiência e méritos intelectuais, não posso ser pródigo no elogio a uns e avaro em relação a outros. Portanto, devo ser cauteloso, comedido, e manter a simetria entre todos, na medida do possível.

            Também gostaria de ser conciso ao falar dos quatro novos mosqueteiros ou cavaleiros andantes de nossa Academia, para não os cansar, e para não enfastiar com palavras este seleto auditório. A concisão sempre foi considerada uma grande virtude do beletrismo ou arte de bem escrever.

Esto brevis et placebis – sê breve e agradarás, já recomendavam os antigos latinos, de modo que este antiquíssimo brocardo sempre foi seguido pelos grandes mestres da retórica e da eloquência. E principalmente deve ser observado nos apressados e internéticos dias de hoje, embora também seja do senso comum que a pressa é inimiga da perfeição.

Na época da Relatividade, a pressa deve também ser relativizada, pois a arte busca a perfeição, e a perfeição só pode ser alcançada sem açodamento. Se não for para fazer bem feito, para que fazer, já dizia o perfeccionista artesão ao ansioso cliente, a desbastar com pachorra a madeira que esculpia. Por conseguinte, serei breve, porém não tanto, de modo a não calar as virtudes que deverão ser exaltadas.

Não desejo fazer um discurso acadêmico em molde clássico, seguindo as linhas mestras da retórica tradicional. Pretendo fazer com que esta saudação seja uma espécie de crônica sobre meus novos confrades, recheada, tanto quanto possível, de lirismo, emoção e saudade – saudade dos imortais velhos tempos que vivi em Parnaíba, e que gostaria de reviver nesta noite memoranda.

 

1

 

Breno Ponte de Brito terá a imensa responsabilidade de ocupar a cadeira de nº 5, patroneada pelo grande Alarico José da Cunha, e que teve como precedente Aldenora Mendes Moreira. Breno, além de advogado, é um mestre da publicidade, tendo escrito nessa seara os livros “Broadside – A propaganda vista por dois lados” e “Da Brancura à sujeira”, nos quais revela seu conhecimento teórico e prático. É filho de José Ademir de Brito e Dilma Ponte de Brito, que conheci ainda nos idos dos anos 1970, ele como laborioso funcionário do INSS, e ela como competente servidora do Banco do Brasil. Em dias mais recentes, sua mãe ingressou no magistério da Universidade Federal do Piauí, não preciso assinalar que por concurso público, e se tornou nossa confreira nesta Academia, mercê de seu valor literário, sobretudo como cronista.

Sua antecedente, a professora, escritora e historiadora Aldenora Mendes Moreira, escreveu o importante livro “Personalidades Atuantes da História de Parnaíba ontem e hoje”, em que traça a síntese biográfica de ilustres parnaibanos, que se destacaram em diferentes campos da atividade humana, seja na literatura, na cultura, nas artes, no comércio, na indústria, na política, etc. Seu marido, o senhor Moreira, mestre da boa e agradável conversação, que parecia ainda mais sábio, com os seus pesados óculos de lentes “fundo de garrafa”, foi meu amigo e amigo de meu pai.  

Como costumo dizer, sou um parnaibano de Campo Maior, e aqui nasci, pela segunda vez, em meado da década de 1970. Nesses idos, ouvia falar em Alarico da Cunha, misto de homem prático, poeta e espírita. Dizia-se que ele era vidente e cumprimentava os espíritos que encontrava pelas ruas da cidade. Li poemas avulsos dele.

Depois, tomei conhecimento de sua bela poesia através do livro Eixo do Tempo, editado por seus filhos, em Goiânia – GO, em edição sem data, cujo exemplar me foi ofertado por Reginaldo Costa, fundador do jornal Inovação, em autógrafo datado de 5 de março de 1985. Nessa obra encontra-se o soneto “A Missa da Natureza”, verdadeiro cântico de exaltação a Deus e ao alvorecer em bela paisagem marinha. Vi, algumas vezes, o jornalista e poeta Fonseca Mendes a ele se referir com admiração, e o recitar, de cor, com muita ênfase e entusiasmo.

Nos meus PoeMitos da Parnaíba, que publiquei de forma seriada no jornal Inovação e depois os enfeixei em livro, e também os recolhi nas três edições de Rosa dos Ventos Gerais, prestei homenagem a Alarico da Cunha, com os seguintes versos:

Poeta. Espírita. Espírito

da carne e do osso, a roer

o osso duro do ofício de poetar.

Quixótico, exótico: misto de poeta

e de espírita. Via espíritos no

ar. Nunca estava sozinho:

quando a poesia lhe faltava

os espíritos surgiam e

se insurgiam contra a solidão.

Cavalheiro de fino trato:

tirava o chapéu para os

espíritos que só ele via.

 

2

 

O detentor da cadeira de nº 15 passa a ser o advogado, professor universitário e escritor Roberto Cajubá de Britto, quase sempre um vitorioso nos pugilatos forenses, tal a garra e empenho com que defende seus constituintes. Para isso concorre o seu elevado poder de argumentação, seu raciocínio estribado na lógica e na razão, seus altos conhecimentos doutrinários e o seu cuidado em pesquisar atualizadas e consolidadas jurisprudências, mas também trazendo à baila novas teses, quando é o caso.

É um verdadeiro jurista, e não somente um bom advogado, o que já seria o bastante para suas lides forenses. Pertence ainda a uma seleta dinastia de grandes causídicos, entre os quais avultam Francisco de Assis Cajubá de Britto, seu pai, e seu irmão Antônio Cajubá de Britto Netto.

O primeiro foi meu mestre no curso de Administração de Empresas, no Campus Ministro Reis Velloso da Universidade Federal do Piauí. Cultura polimorfa, é farmacêutico, economista e advogado da melhor casta, além de vibrante, competente e erudito na retórica jurídica. Com ele aprendi as virtudes e os vícios da Economia, em quaisquer que sejam os regimes políticos.

O segundo se tornou meu amigo, desde os velhos tempos do jornal Inovação, do qual era ele admirador. Certa feita, fomos eu e ele convidados pelo poeta e escritor Alcenor Candeira Filho a proferirmos breve palestra no Rotary Club, em sessão ocorrida no imponente hotel parnaibano, em cujo prédio, localizado na Praça da Graça, ao lado da vetusta e bela catedral, funcionava o Cine Gazeta, que me traz pungentes e alegres recordações.

Sendo eu na época presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março, aproveitei a deixa para criticar a falta de liberdade na ditadura militar, ainda em pleno vigor, e as minguadas verbas orçamentárias destinadas à Educação. Cajubá Neto, que iria fazer um discurso mais lírico, apolítico, segundo ele próprio me confessou, seguindo as minhas pegadas, também resolveu sentar a pua na dita “redentora”. Estavam presentes, além do Alcenor, várias pessoas da elite política, econômica e cultural de então, como José Alexandre, Sebastião Rodrigues, Maurício Machado, José Oscar, Cândido de Almeida Athayde e Roberto Broder, os dois últimos meus professores na faculdade.

O currículo vitae do Dr. Roberto Cajubá de Britto é muito opulento, e se eu o fosse debulhar aqui não teria tempo de ser breve, como já disse ser o meu objetivo. Portanto, contento-me em dizer que ele é Bacharel em Direito pela UFC (1989), Bacharel em Ciências Econômicas pela UFPI (1996), Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela UFC (2005) e Especialista em Direito Processual pela UFPI. Professor Assistente do curso de Direito da UESPI. Foi Conciliador e Juiz Leigo do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Parnaíba, bem como assessor jurídico da Associação Comercial de Parnaíba.

Coautor dos Livros "Petições" (Editora Premius, Fortaleza, 2003) e "Tópicos Polêmicos e atuais do Direito" (Editora SEGRAJUS, Teresina, 2003). Autor dos Livros "A Processualização do ato administrativo como contribuição para a Democracia" (Premius Editora, Fortaleza, 2010) e "Amplo Direito" (Premius Editora, Fortaleza, 2014). Mantém, desde 2009, a Coluna Amplo Direito, no jornal Norte do Piauí e no Portal Costa Norte. Com isso, creio haver demonstrado quão ricas são as suas realizações e conquistas na seara do Direito.

Francisco Iweltman Vasconcelos Mendes, seu antecessor, nasceu em Sobral – CE, em 16 de janeiro de 1965, mas se tornou tão parnaibano como os que mais o sejam, pelo seu esforço, dedicação e amor a esta terra. Muito jovem ainda se dedicou às letras e à cultura, tanto em Ubajara como em sua terra natal, nas quais publicou livros e foi fundador ou colaborador de jornais e revistas. Bacharel em História e licenciado em Estudos Sociais. Pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior.

Em 1992, através de concurso público, ingressou na Universidade Federal, quando passou a residir em Parnaíba. No importante opúsculo Livros sobre Parnaíba, de Alcenor Candeira Filho, são relacionados os seguintes livros de nosso saudoso confrade: Associação Comercial de Parnaíba: Lutas e Conquistas (1994), A Parnaíba Colonial e Imperial (1996) e Parnaíba: Educação e Sociedade (2001), em cuja orelha o saudoso acadêmico Valdir Edson Soares, médico e escritor, relaciona ainda outros livros e fatos de sua fecunda vida. Todas são importantes obras sobre a história, a economia, a educação e a cultura de nossa Parnaíba.

Além de professor, com atuação no Campus Ministro Reis Velloso (UFPI), foi secretário da Educação do município de Parnaíba e maçom dedicado. Amante da música, especialmente do samba, e da saudável libação era hábil percussionista de seu próprio grupo musical. Diz-se que a velha ceifadora gosta dos bons; por isso foi colhido por ela precocemente, quando ainda tinha muito a oferecer, pois era incansável e diligente em seu profícuo labor historiográfico e cultural. Era um ser humano benfazejo e benquisto, e a prova disso é que, por ocasião de sua morte, seus inúmeros amigos e alunos lhe prestaram comoventes homenagens, através de manifestações escritas e de comparecimento às suas exéquias.

Seu patrono é Simplício Dias da Silva, figura emblemática, lendária e legendária da História do Piauí. O povo mitificou e mistificou sua biografia. Nessa mitificação poderíamos dizer, com o poeta Fernando Pessoa, que o mito é o nada que é tudo, porque, mesmo que certos fatos não tenham existido, a lenda lhes deu perene existência. Filho do português Domingos Dias da Silva e de Claudina Josefa, piauiense, nasceu em Parnaíba, em 1773. Em certos fatos que lhe são atribuídos, não se sabe ao certo onde termina a lenda, nem onde a realidade começa.

Opulento, dizem que a Casa Grande onde residiu era ladrilhada com ouro; este próprio solar é objeto de controvérsia, pois alguns defendem a tese de que ele não ficava na esquina, mas sim no local do prédio em que funcionou o hotel da Cosma; que teria dado um cacho de bananas de ouro, em tamanho natural, ao imperador D. Pedro I. Consta que teria 1.800 escravos, com o que teria organizado um regimento, que provocaria inquietações ao governo.

No livro Simplício Dias da Silva – seu nascimento até sua morte (2008), de José Nelson de Carvalho Pires, é relatado que ele, em navio de sua família, teria raptado a açafata Maria Isabel Tomasia de Seixas, prometida pelos pais para desposar um tenente da marinha inglesa, com quem veio Simplício a contrair núpcias. Esse episódio, de caráter romanesco e de contorno quase épico, me faz lembrar o mito da bela Helena de Troia e de Páris, o galante e ousado sedutor. Romanesco também e trágico foi o episódio da morte de sua filha Carolina Tomásia Dias de Seixas e Miranda, que teria sido assassinada por um escravo, ensandecido por fulminante paixão ou movido por vingança contra maus-tratos.

Mas o certo mesmo é que foi um homem refinado, amante da liberdade e da música, que teria mantido uma orquestra de escravos, com a qual gastou muitos cabedais, e liderou o movimento de 19 de outubro de 1822, que proclamou a Independência do Brasil em plagas piauienses, em cujo movimento quase arruinou a sua fortuna. O certo mesmo é que não teve apego à glória fugaz de cargo público, pois declinou do convite imperial para governar a Província do Piauí. Nele, muitas vezes, a história se confunde com o mito, o que mais concorre para a sua glória e relevo na História do Piauí.

 

3

 

A cadeira de nº 24 passa a ser ocupada por Antônio de Pádua Marques da Silva. Nasceu em Parnaíba, e se formou em jornalismo.  Membro da Academia de Letras da Região de Sete Cidades – ALRESC. Ao longo de sua trajetória profissional colaborou com os principais jornais e sites do litoral piauiense. Publicou os romances Gato Ladrão de Sebo, ambientado na região pernambucana de Garanhuns, e Rua das Flores. Sobre este disse Alcenor Candeira Filho em sua aludida obra: “prosa de ficção inspirada na rua, próxima da Lagoa do Bebedouro, com sua gente pobre e esquecida. O jornalista e escritor Pádua Marques já escreveu oito livros, entre fábulas e romances, a maioria ainda não publicados.”

É ele um jornalista polivalente, e aborda com desenvoltura e conhecimento de causa os mais variados assuntos. Não se escusa de discorrer sobre temas polêmicos e controvertidos, e tem a coragem necessária para isso. Muitos de seus artigos, pelo tratamento literário que recebem, podem ser tidos como verdadeiras crônicas.

Ernest Hemingway em seus romances adotou técnicas do jornalismo, sobretudo ao usar frases curtas, telegráficas, objetivas e de clareza solar. Sem dúvida o novel acadêmico, por ter a teoria acadêmica e a prática cotidiana, não deixa de observar essas lições. E observa também o inverso, seguindo as pegadas do jornalismo contemporâneo, ao injetar em seus textos jornalísticos lições extraídas da boa literatura.

Sua antecessora é Edmée Rego Pires de Castro, nascida em Parnaíba, em 13 de fevereiro de 1915. Professora, jornalista e poetisa, é autora, entre outras, das seguintes obras: Poetizando, A trova e o espaço piauiense e Primavera. Sobre ela disse o fundador e primeiro presidente de nosso silogeu, Fontes Ibiapina: “Ora romântica, ora lírica, sempre transborda uma inspiração com muita propriedade arquitetônica em seu pensamento numa formação ético-espiritual. Poesias sadias e puras, sem sensacionalismo, tampouco artificialismo ou palavras rebuscadas.”

Sua cadeira está sob o patronato de Luíza Amélia de Queiroz, nascida em Piracuruca, no ano de 1838, filha de Manuel Eduardo de Queiroz e Vitalina Luíza de Queiroz. Teve dois casamentos, o primeiro com o empresário Pedro José Nunes, tio do grande historiador Odilon Nunes, e o segundo com o também comerciante Benedito Rodrigues Madeira Brandão. Radicou-se em Parnaíba, tendo residido por muitos anos no solar ou sobrado dos azulejos, na Rua Grande, nas proximidades do Porto das Barcas.

A sua morada em vida e a póstuma, tornaram-se dois emblemáticos monumentos arquitetônicos e pontos turísticos. Reza a tradição que ela expressou o desejo de ser sepultada à sombra de uma gameleira. A natureza ou força sobrenatural realizaram sua vontade. Misteriosamente, de dentro de seu belo túmulo rebentou frondosa e sempre verdejante gameleira, que lhe dá perene sombra e encantamento.

Mereceu o honroso título de Princesa da Poesia Romântica do Piauí. Autora de belos e comoventes versos, sobre ela, em meu opúsculo Aspectos da Literatura Parnaibana, tive a oportunidade de proclamar: “poeta de versos sensíveis e delicados como sua alma de mulher voltada para a beleza, todavia já se denotando em alguns deles o questionamento libertário de uma mulher que pensa e deseja. ” Uma mulher que não se dedicou apenas ao lar, como as suas conterrâneas e contemporâneas.

Seus belos poemas foram enfeixados no volume Flores Incultas, recentemente reeditado pela Academia Piauiense de Letras, de cuja cadeira nº 28 ela é patrona; faz parte da excelente Coleção Centenário, a que o presidente Nelson Nery vem emprestando o melhor de seu esforço. Na orelha desse livro disse o historiador e escritor Reginaldo Miranda: “Foi Luíza Amélia de Queiroz, a primeira mulher a publicar livros na província, depois Estado do Piauí. ”

 

4

 

Não desejo falar sobre a biografia do professor, jornalista versado e versátil, radialista, poeta e cronista Antônio Gallas Pimentel, neófito ocupante da cadeira 35. Tampouco irei repisar que ele é servidor aposentado do Banco do Brasil, que nasceu na vetusta e mítica Tutoia em 21 de julho de 1951, que ele aborda com a mesma competência os mais diversos temas, tais como arte, cinema, música, que é autor de "Meu Sobrinho Prodamor e Outros Causos", "Fragmentos" e outras publicações. Irei apenas respigar trechos esparsos do que sobre ele disse em minha crônica memorialística A Gallática Tutoia, que, apesar de datada de 1º de abril de 2010, não contém uma só mentira:

“Por ocasião da solenidade de lançamento de meu livro PoeMitos da Parnaíba, entre vários amigos, como o prefeito Zé Hamilton, os poetas Alcenor Candeira Filho e Wilton Porto, o jornalista Bernardo Silva, vários confrades da Academia, encontrei Antônio Gallas Pimentel, que conheço desde o início de minha chegada a Parnaíba, em meado da década de setenta. Ele era professor de inglês, jornalista e diariamente uma crônica sua era transmitida pela Rádio Educadora, a mais antiga do Piauí e, então, a única emissora da cidade, através da bela voz do locutor Gilvan Barbosa.

 

O professor Joaquim Furtado de Carvalho, primo de meu pai, que falava o inglês fluentemente e era um grande causeur, recomendou-me fizesse amizade com o Gallas. Um dia, vencendo a minha timidez de ainda adolescente, fui à sede do jornal Folha do Litoral perguntar se o hebdomadário aceitava colaborações literárias.

 

Estavam na redação o Gallas, B. Silva e o Xixinó, um grande compositor; bem entendido, compositor tipográfico. Tinha extraordinária habilidade de recolher cada tipo de sua respectiva caixa e colocá-lo no componer, na composição dos vocábulos e períodos. Gallas era professor de minhas irmãs Maria José, Josélia e Joserita.

 

Às vezes, na boca da noite, eu e o B. Silva íamos até a casa dele, para ouvirmos uns tangos, pelo rádio, enquanto degustávamos umas três doses de boa pinga. Eram uns belos e vibrantes tangaços, como dizíamos. Um dia o Gallas me convidou a ir até sua residência ouvir uns tangos e tomar umas duas ou três talagadas de calibrina. Para me convencer, como se estivesse falando de uma raridade quase impossível disse: - Elmar, eu tenho até dinheiro!... Verdade que naqueles tempos inflacionários e de vacas magérrimas, dinheiro era um tanto difícil e arredio.

 

 

Já estive com o Gallas na sua bela e histórica Tutoia, outrora importante cidade portuária da região do Delta do Parnaíba. Contemplei as suas lindas praias, como a de Andreza, e a sua exuberante lagoa, ornamentada de coqueiros e outras árvores.”

 

Sobre seu antecessor, o jornalista e radialista Rubem da Páscoa Freitas, seu amigo e conterrâneo, transcreverei o que a respeito dele disse na minha elegíaca crônica Inventário da saudade, em que pranteei a morte de minha mãe e de vários amigos, no infausto ano de 2013:

 

“Em seu périplo macabro, a ‘indesejada das gentes’ ceifou a vida de Rubem da Páscoa Freitas, mais precisamente no dia 14 de novembro. Aos 81 anos de idade, era ele o ‘papa’ do jornalismo social em Parnaíba. Era o decano dos jornalistas e radialistas do litoral piauiense, em atividade ininterrupta há várias décadas. Conheci-o em 1975, na redação do jornal Folha do Litoral, do qual fui colaborador.

 

Uma vez por outra, eu ia até a redação desse periódico, para entreter rápida conversa com os amigos Bernardo Silva e professor Antônio Gallas Pimentel (seu conterrâneo tutoiense), e também com o “compositor” tipográfico Xixinó, sempre alegre e irreverente, a destilar sutis ironias, e lá encontrava Rubem Freitas a redigir ou a revisar a sua coluna Carnet Social, que manteve por vários anos. Mesmo nas notas mais despojadas e sintéticas, a sua linguagem era límpida e castiça, e disso ele parecia ter saudável orgulho. Organizou o livro Pedro Alelaf – Lição de Vida (2001), no qual foi inserto o meu trabalho Craques do Futebol Parnaibano, que depois, devidamente revisado, inseri em meu livro O Pé e a Bola. Era meu confrade na Academia Parnaibana de Letras – APAL.”

 

Dom Paulo Hipólito de Souza Libório é o patrono da cadeira de nº 35. Nasceu em Picos, em 10 de outubro de 1913, e faleceu em Teresina, em 31 de março de 1981. Foi o primeiro bispo nascido no Piauí e o primeiro da Diocese de Caruaru. Foi o substituto do primeiro bispo da Diocese de Parnaíba, Dom Felipe Conduru Pacheco. Diretor do Colégio Diocesano, reitor do Seminário e Vigário Geral da Diocese de Teresina.

Quando viemos morar em Parnaíba, em junho de 1975, Dom Paulo era o bispo desta Diocese. De forma cortês, nos visitou no apartamento da ECT (Correios), na Praça da Graça, onde morávamos, em virtude de meu pai haver sido aluno do Diocesano em sua gestão. Na época em que fui presidente do Diretório Acadêmico “3 de Março”, do Campus Ministro Reis Velloso – UFPI, realizei um torneio esportivo, que levava o nome do padre Raimundo Vieira. Por essa razão, pedi a Dom Paulo que nos desse a taça, para entrega ao time campeão, e ele a concedeu sem nenhuma dificuldade.

 

Morou, durante algum tempo, em antigo casarão localizado na rua Olavo Bilac, 1481 – Centro - Teresina. Esse solar se manteve impecavelmente conservado graças aos cuidados e recursos financeiros de seu sobrinho, o professor universitário e teatrólogo Paulo de Tarso Batista Libório, que o transformou em importante museu de arte sacra. Esse patrimônio artístico e histórico passou, poucos anos atrás, a ser administrado pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. O museu leva-lhe o episcopal nome.

 

CONCLUSÃO

Todos nós temos os nossos objetivos e o nosso ideal de vida. E procuramos alcançá-los. Quando o conseguimos, às vezes nos decepcionamos, porque nem sempre o que angariamos corresponde àquilo que de fato almejávamos.

Na literatura não é diferente. As nossas conquistas e louros triunfais muitas vezes são meras ilusões, que não nos satisfazem. Até porque o ideal é uma ilha da Utopia, que, por mais que a persigamos, jamais a alcançaremos em sua plenitude.

Não raras vezes nos lançamos ao mar encapelado à procura de nossas metas e de nossos ideais, e, quando chegamos ao nosso destino, verificamos que o nosso sonho era apenas um sonho, um simples ouro de tolo e nada mais. A viagem pode ser longa, demorada, cansativa, cheia de perigos e ciladas, mas nela poderemos moldar o nosso caráter, descortinar deslumbrantes paisagens, e nela, decerto, colheremos experiência e sabedoria.

Como no poema Ítaca, de Konstantinos Kaváfis, vocês buscaram a nossa Academia, e ela lhes pareceu uma Ítaca atraente e encantada:  

Se partires um dia rumo a Ítaca

faz votos de que o caminho seja longo,

repleto de aventuras, repleto de saber.

Nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,

nem o colérico Posídon te intimidem;

eles no teu caminho jamais encontrarás

se altivo for teu pensamento, se sutil

emoção teu corpo e teu espírito tocar.

(...)

Faz votos de que o caminho seja longo.

(...)

Uma bela viagem deu-te Ítaca.

Sem ela não te ponhas a caminho.

Mais do que isso, não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.

Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,

e agora sabes o que significam Ítacas.

Rogo para que vocês não se decepcionem, acaso achem a nossa Academia pobre. Os amigos se tornaram mais sábios e mais experientes. Viram muitas coisas, tiveram muitas aventuras. E fizeram uma bela e enriquecedora viagem.

Portanto, lancem as âncoras e adentrem o acolhedor regaço de seu porto seguro.

  

(*) Discurso de recepção a quatro novos membros da Academia Parnaibana de Letras, proferido por Elmar Carvalho, em solenidade ocorrida no dia 12 de maio de 2017.