Discurso de posse na Academia de Picos

Francisco Miguel de Moura                                     
                                           
“Amar é nutrir a vida de essências” – Ymah Théres 

Seria redundante dizer que, com inusitada satisfação e imensa alegria, assumo a cadeira nº 29 deste Sodalício, eleito que fui em 24 de julho do corrente ano. Mais do que isto, estou em verdadeiro estado de regozijo por ser a cadeira que tem como patrono meu pai, Miguel Borges de Moura (Miguel Guarani).

.Por isto e por muito mais, cabe aqui a formulação de um conceito que há muito tempo formou-se em minha cabeça: Nós, membros de Academias, somos reconhecidos por nosso valor intelectual, mas os patronos são reconhecidos e venerados sempre.
 

Muito grato a todos pelo reconhecimento de colocarem o nome de meu pai no pódio da ALERP. Entretanto, devo agradecimentos especiais a meu primo, Dr. João Erismá de Moura, membro desta Casa, quem primeiro apontou Miguel Guarani para patrono.  Enfim, também sou grato ao Presidente Francisco das Chagas Sousa e às Profas. Francelina Macedo e Mundica Fontes por terem encaminhado a figura de Guarani ao pleito, votação e aprovação, lembrando também uma referência a Profa. Rosa Luz, o grão inicial que fez gerar esta Academia.   

      
Miguel Borges de Moura nasceu no lugar Diogo, lado direito do rio Riachão, fazenda Jenipapeiro, pertencente ao município de Picos, aos 18 de maio de 1910, filho de Feliciano Borges de Moura (Sinhô do Diogo) e Rosa Maria da Conceição (Rodrigues), descendente dos fundadores de Francisco Santos, teve uma vida inteira de mestre-escola para muitas gerações, do seio das quais saíram pessoas que hoje são influentes em várias atividades, do comércio à política, Além disto, foi também improvisador, cantador de viola, repentista e autor de romances populares que correm por aí, graças à memória do povo, desde Jenipapeiro aos confins do outrora grande município de Picos.


Com toda essa dedicação ao trabalho intelectual, ao bem de muitos, mestre Miguel Guarani, nome pelo qual ficou conhecido, não teve uma única homenagem em vida, salvo as amizades que ganhou e cultivou por onde ia. Mestre-escola respeitado e amado desde São Julião, Alagoinha e Mons. Hipólito a Itainópolis, passando por Aroeiras do Itaim, Angico Branco, Carnaíbas, Sussuapara, Umari, Ema, Barra do Guaribas, Bocaina, indo até São Luis do Guaribas e Lagoa do Sítio, além de tantas outras localidades e fazendas – seria de esperar que o houvessem homenageado com um título, uma sala, um quadro, uma placa, em algum desses lugares. Nada!


Em Picos, a primeira pessoa que sentiu a necessidade de homenagear meu pai, pelos serviços prestados à educação e à cultura foi o poeta e advogado Ozildo Batista de Barros, quando foi vereador desta cidade.


Já na meia-idade, mestre Miguel Guarani, chegando ao povoado Sto. Antônio de Lisboa com a família, convidado pelos proprietários e pais-de-família locais para lecionar a seus filhos e filhas, parecia ter vindo para ficar. Qual nada! Ele não era homem de aquietar-se. Permaneceu um bom tempo, é verdade, mas ainda teve algumas idas a Jenipapeiro e voltas a  Sto. Antônio, e chegou a morar também na cidade de Picos.  Neste sentido, foi ele um verdadeiro cigano, um andarilho.


Depois de anos de bons serviços prestados aos habitantes do então Rodeador, agora Santo Antônio de Lisboa, Miguel Guarani veio a falecer, em 7 de agosto de 1971, no lugar “Acampamento”, com 61 anos de idade, após sofrer o terceiro derrame cerebral.  Ao seu funeral compareceu uma multidão de cerca de 1.000 pessoas, se contadas as que foram de Santo Antônio de Lisboa e as que esperavam seu corpo em Francisco Santos.


Contrariamente ao que se esperava, foi em Santo Antônio (Rodeador) que ele recebeu a primeira homenagem póstuma: – As autoridades deram seu nome a um colégio da cidade.


Não tenho conhecimento de que tenha sido lembrado, depois da morte, em outros lugares.  Nesta cidade de Picos há uma rua de nome Guarani. Resta saber se, pelos assentos da Câmara Municipal, tal logradouro foi assim batizado em sua homenagem.


. E eu, às vezes, me perguntei: Por que a terra-berço de meu pai não deu seu nome a um colégio, a uma praça, a uma rua ou a um beco sequer? Seria muito sugerir a ereção de uma estátua a quem tanto elevou intelectual, moral e espiritualmente a terra-berço e seus filhos? Pois eu sugeri num poema que deixei aos pósteros, no livro-biografia “Miguel Guarani, Mestre e Violeiro”, cujos versos poderiam ser gravados numa pedra ao lado de uma herma de Miguel Guarani com a viola de um lado e o lápis e o papel do outro:
             
               MIGUEL, UM GRANDE MESTRE

Energia, humildade e mansidão,
num corpo frágil, de vontade imensa,
na inteligência os fluidos de quem pensa
e aceita o mundo, e atende ao coração.

Conviveu com a pobreza e a solidão,
sem medo as recebeu, sem recompensa
das lutas que enfrentou, com a bela crença
de que nada é castigo e nada é vão.

Sofrendo, o velho amou e até à morte.
Se um céu existe, lá chegou: – É um forte
pelo bem que ensinou com tanto zelo.

Versos cantou, repentes de emoção...
Pra resumir, se fez nesta oração:
 – Um grande mestre, sem pensar em sê-lo!

Não me canso de dizer, por onde ele passava ia deixando o rastro de luz da leitura e da escrita, da tabuada e da aritmética ensinada e bem ensinada à população jovem (e também aos mais velhos) – as primeiras e mais difíceis lições que o ser humano recebe do mundo intelectual. Lições que eram ministradas em casas de fazenda, nos povoados em acomodações condizentes, ou mesmo debaixo de latadas ou de árvores à margem do rio, os alunos sentados em bancos toscos de madeira.
 

Presenciei também, ainda menino – ele já quase na meia-idade – mestre Miguel aprender a tocar viola, fazer repentes e alegrar as noites dos amigos, vizinhos e conhecidos, enfrentando cantadores de toda parte.  Sua primeira cantoria teve Coco Verde como parceiro, um moreno forte, luzidio e cantador inteligente, experiente e amigo, tinha sido seu mestre até então. Para mim foi um momento marcante, de grande surpresa. Passei, então, a admirar muito mais sua inteligência, depois desse acontecimento.                 

                            
          Em Santo Antônio de Lisboa, onde tive o início da adolescência, do que guardo tantas boas lembranças e amizades, lá pelos anos 50 do século que findou, nossa família foi homenageada.  Isto aconteceu numa cantoria do violeiro-repentista Antônio Pereira, personagem real do livro “Histórias do Rodeador”, de Nilvon Batista Brito, só recentemente editado.  Esta, sim, foi uma verdadeira homenagem á família de Miguel Guarani, não propriamente só a ele. Os versos que a seguir são lembrança viva, ressurreição daquele tempo, em meu coração. Em vista da extensão da música e letra de Antônio Pereira da Costa, transcrevo algumas partes:

“Oh! Meus amigos,
Quero ser licenciado
Pra fazer um bom tratado
Da santa povoação.
Falo em crianças,
Em senhor e em senhora
Do povo que aqui mora,
Vou fazer a descrição.

             Refrão:

Oh! Santo Antônio, oh! Santo Antônio
Oh! Santo Antônio, terra da oração,
Oh! Santo Antônio, oh! Santo Antônio;
É você a terra da religião

No domingo vem muita gente pra feira
Muita gente da ribeira
Passeando no mercado onde elas fazem
Aquele ajuntamento
Só falavam em casamento
Em festa e em namorado.

Vem o padre visitar esta igreja
Dizendo louvado seja
Ao santo soberano
E para o povo desta terra
É uma riqueza
O mês de junho é com certeza
Sua festa em cada ano.

        (...)

Eu conheço muitos tipos ilustrados
Criterioso e falado
Aqui nesta freguesia,
É dona Zefa e a família de Arlindo,
Seu André que vem sorrindo
Para a igreja todo dia.

          (...)

Na outra rua tem o senhor Elias Moura
Numa vida sofredora
Que tanto tem trabalhado
Está pobre, triste e sem ação
Por causa de um caminhão
Que lhe deu mau resultado.

Tem mestre Miguel Borges de Moura,
Uma alma encantadora
Aonde a ciência encerra
Tem a aula como sofrimento ou cruz
Trazendo a letra e a luz para todo filho da terra.

Tem o seu filho que é Francisco Miguel,
Um vulto bom e fiel, coração puro e educado,
Este rapaz
Ganha pequeno salário,
Conhece o dicionário,
Conta bem e é letrado.

Tem sua irmã Teresa de Jesus Moura,
Essa é a professora
Da santa povoação,
Ela é distinta, educada e muito bela,
Em falar no nome dela
Faz doer o coração.

Tem Helena, tem Teresa e tem Maria,
Dona Josefa aprecia
A santa religião
Ela estima o santo e a capela
E dentro da casa dela
Com seu rosário na mão”.

  Como já disse antes, Santo Antônio de Lisboa foi uma pausa nas andanças de Miguel Guarani. Minha mãe, Josefa Maria de Sousa (Zefa de Chico Ana ou Zefa de Miguel), apelidava as mudanças do marido de “arribadas”. Mas por onde foi, Mestre Miguel sempre levou a família a tiracolo. Saímos de Jenipapeiro (Curral Novo) quando eu tinha apenas 6 anos. Recentemente, depois de uma viagem ao vivo pelos lugares de minha primeira infância, hoje uma capoeira imensa em completa solidão, pensei um poema que começaria assim:

                    “O’ casa onde nasci, já não existes!
                     Vi o sítio, pisei-me em tuas pedras...
                     Como rastro de dor, por que resistes?
                     Por que tantos espinhos ainda medras?                     

         De “Curral Novo” em diante, ganhamos mundo. Minha vivência de Jenipapeiro, em anos seguidos, é bem menor do que o tempo que morei nesta querida cidade de Picos, dos Borges, dos Moura, dos Leal, seus primeiros habitantes, depois dos Luz, dos Santos e de quantas outras famílias que chegam de fora e ficam. Para cá convergia e converge a população das ribeiras do Guaribas, do Itaim e do Riachão. 


           Em Picos, fiz exame de admissão, ginásio e escola de comércio, casei e tive filhos. Trabalhei na loja de tecidos “A Pernambucana”, na Delegacia de Polícia como escrivão. Depois fiz concurso para o Banco do Brasil e, depois de algum tempo, na ânsia (ou ingenuidade) de uma carreira bancária, arrumei as malas e fui trabalhar no sul da Bahia, Itambé (onde, na chegada, morreu um dos filhos e a seguir nasceram dois). Fui Chefe de Serviço da Carteira Rural do Banco do Brasil e exerci também a Subgerência da referida agência bancária. Vendo que não era bem o que almejava, isto é, ficar viajando de um lugar para outro, à busca de galgar gerência, inspetoria ou outro posto, voltei para o Piauí. Chegava à Capital, na época da Revolução de 1964, justo nesse mesmo ano. Teresina, cidade que elegi para viver e trabalhar, é minha segunda terra firme. Em Teresina fiz meu curso superior em Letras, na Faculdade Católica de Filosofia, estreei como escritor, com “Areias” (poemas), 1966. Daí não parei de escrever, mesmo durante 3 anos de residência em Salvador e fiz minha pós-gradução.


 Mas tudo isto os senhores já ouviram falar ou já leram sobre mim. Volto, então, ao tempo em que vivi em Picos. Aqui passei os últimos anos de uma tardia adolescência.  Como seria de esperar, naquele tempo prestava mais atenção aos jovens de minha idade, mais precisamente às jovens (as meninas). Lembro ainda algumas: as filhas de seu Abrahão Conrado, de Bertinho da Inhuma, de seu Adauto, de Dr. José Gregário, de seu Vicente Sá e tantas outras, sem esquecer minhas colegas de ginásio, Socorro Dantas e Maria José Dantas, entre outras como a Cecília, que tenho encontrado de vez em quando, em Teresina.  Diante de tanto estudo e trabalho, pois chegado aqui comecei a trabalhar no Cartório de José Rocha, filho de seu Ulisses Rocha; diante de tantas pessoas boas e bonitas, minhas amigas ou apenas conhecidas, fui escolhido ou escolhi, uma das meninas mais lindas da cidade: Mécia, filha de seu Mirô. Tinha que ser assim. Foi o destino ou Deus que nos juntou. Eu já era feliz, mas não completamente. Maria Mécia assenhoreou-se de meu coração, completou minha felicidade. Hoje, como ontem, não posso viver sem sua companhia, sua graça, suas virtudes, seu amor. Para ela já fiz muitos poemas, mas pretendo recitar dois sonetos, que teem a marca da novidade e são inéditos e recentes. Eles dizem muito de nós:

            AMOR, SEMPRE AMOR (1)


Eras tu a mais linda da cidade.
E eu cheguei, um matuto impertinente,
apelidado até de inteligente
por colegas, amigos na verdade.

Teus sorrisos me enchiam de vaidade
e àqueles que te tinham de inocente,
e a mim me enfeitiçaram de repente,
como ninguém calcula. Ninguém há de

saber o que lutei para ganhar-te,
para querer-me ali, e em qualquer parte,
e, enfim, nos enlaçarmos com ardor.

Fogo em que conservamos, te asseguro,
a minha felicidade e o teu futuro
para viver tão puro e santo amor.


           AMOR, SEMPRE AMOR (2)

 
Mudam-se tempos, vidas e pesares,
mas, como outrora, a amar continuaremos.
Amo-te mais, não queiras nem saber,
amas-me mais, agora e como sempre.

Se outrora caminhamos de mãos dadas,
era o medo do mundo e suas garras.
Já hoje nos soltamos pra andar juntos,
pra mais amar, que o nosso amor se aclara.

Teu corpo de menina e de mulher
Que tanto outrora já me deu ciúmes,
Hoje é prazer e graça como nunca.

Sendo eu feio, invulgar, e tu, tão bela,
formamos lindo par por toda a vida
e abraçaremos outras se inda houver.

 Apesar de ser “pequeno, pobre, feio e morar longe”, repetindo o popular, minha vida foi um sucesso. Vindo do interior (Jenipapeiro) para Picos, posso dizer que ganhei muito, aproveitei conversas e conselhos dos mais velhos e a amizade e confiança dos mais novos. Não separo as dívidas materiais das espirituais: – Devo muito a Seu Abraão Conrado, Conrado da Costa Neto, Justino Luz, Almeida Guimarães, Paschoal e Nobre Guimarães, Lourenço Campos, João de Deus Filho, João de Sousa Libório, José Carlos Filho, Laudemiro Morais Feitosa, seu Samuel – o Agente de Estatística – o qual me emprestava livros clássicos para minha melhor leitura, e os contemporâneos o quase da mesma idade Antônio de Barros Araújo, Odonel Castro Gonçalves, Ozildo Albano, e antes Toinho Santos, Drs.João de Moura Santos e Valdemar Santos (e os demais Santos e Reinaldo, meus parentes e amigos como seu Abrahão).  E que dizer dos Eulálio, dos Baldoíno, dos Luz, e dos colegas Milton Portela Costa, Luiz Pereira, Edilson Santos, Carlos Sá, José Bezerra, Chico de Júlio, Antenor Fonseca Sobrinho?  Guardo boa memória da generosidade deles! Credito parte do meu sucesso a isto: escutar os velhos. Eles teem uma sabedoria que os novos ainda não podem ter: – a sabedoria da vida.  É com sabedoria que alcançamos a felicidade. Mas, segundo o poeta Vicente de Carvalho “Felicidade existe, sim, mas nós não na encontramos porque está sempre aonde pomos e nunca a pomos aonde nós estamos.”


A felicidade completa ninguém encontra, concordo, mas, relativamente, eu já a encontrei, e este momento é um exemplo de outros tantos momentos em que me senti feliz. A soma destes é maior do que a dos momentos infelizes.

                                  ***

Abro um parêntese para publicar dois fatos inusitados, em ocasiões como esta. Mas é do meu estilo não calar, principalmente quando se trata de alguma coisa ligada a mim. Sendo ligado a meus pais é ligado a mim. Vejamos: Com 38 anos de construído, o novo Cemitério de Francisco Santos já não tem lugar para um único morto. Por isto ninguém hoje sabe onde o corpo de meu pai foi sepultado nem se, entre tantas covas recentes, muitas delas estão por cima de onde seria a cova de meu pai.  Por outro lado, minha mãe, falecida um ano antes de Miguel Guarani, foi sepultada ainda no Curral Novo, no Cemitério Velho, o qual por meus cálculos, é o prédio mais antigo de Francisco Santos, onde estão os restos mortais de todos os fundadores de Jenipapeiro. Da última vez em que lá estive, encontramos, solto, um pedaço de lápide que dizia ser do Major Antônio Francisco Rodrigues, nascido em 13.7.1863, casado com Maria Izabel Rodrigues Rocha, e falecido em 20.5.1918 (ano da construção da igreja do povoado). Isto prova que aquela necrópole é o prédio público mais antigo de Francisco Santos, e foi deixado ao abandono total, paredes caídas, ervas e arbustos espinhentos tomando conta, não sendo possível a sua visitação. Isto é uma omissão imperdoável que ainda pode ser sanada.  

                                    ***

Bem, Sr. Presidente, senhores e senhoras, fechemos o parêntese.  Esta noite é de reconhecimentos, de agradecer e abraçar, esta noite é de muitas recordações e saudades. Pelas andanças de Mestre Miguel Guarani, como foi dito antes, todos podem avaliar em quantas casas eu morei, as quais estão dentro de mim como estive dentro delas. Nunca vi tanta mobilidade e tanta capacidade de adaptação/inadaptação quanto à de meu pai. Só no Angico Branco moramos em dois locais diferentes, sendo que a escola onde lecionava ficaria em outra localidade. 


Miguel era um homem simples, sisudo, mas bem humorado, pobre de bens, rico de inteligência e coragem. Ele fazia de tudo, e o melhor possível, quando se dispunha a fazer, por necessidade ou por simples prazer. Conheci-o criança torrando massa de mandioca para fazer farinha, no tempo das desmanchas, fazendo vazantes no rio, de alho, cebola e batata, e ainda nas primeiras chuvas botava o roçado.


E quanto a mim, que mais deveria a dizer? 
 

Mas confesso que, através do que disse sobre meu pai, falei de mim. Nossas vidas se confluem durante minha meninice e juventude. Meus livros já disseram e minha própria figura sempre popular onde vivo. E os senhores não avaliam quanto gosto de ser admirado entre os meus parentes, amigos e conhecidos, adoro mais do que se ganhasse o “Prêmio Nobel”. O prêmio que quero ganhar é o “Prêmio Miguel” – e aqui o estou recebendo, nesta noite, tanto em nome de meu pai como no meu próprio, em honra dele e minha. Não vejo glória maior do que esta: Estar rodeado das pessoas que nos amam. A simplicidade e a compreensão são minhas características, mesmo quando me mostro brigão, polêmico, crítico. Gostaria de estender-me sobre minha vida nesta cidade mais do que fiz, a partir de quando vim para a casa de seu Abrahão Conrado, primo de meu pai, quando morei no “Picos Hotel”, com cuja proprietária eu brigava, mas lhe queria muito bem, como a suas filhas. Pois minha vida foi só querer bem.  E também parte do namoro e noivado com Mécia Morais Araújo, se não fosse indiscrição.  Mas tudo isto pode resumir-se no meu soneto pouco divulgado, mas muito sentido, retratando minha afeição por esta terra e com o qual quero encerrar:

        RECORDAÇÕES DE PICOS

Não sei se diga: No teu seio... Ou diga:
Nesses teus lábios lúbricos bebi,
como bebe na flor o colibri,
da minha vida a fase mais amiga.

Dos colegas, que é feito? A sorte liga
os corações, deixando-os por aí...
Mas bem que sinto batucar aqui,
dentro do peito, uma saudade antiga.

Poeira e sol, calor, mais outras falhas
da natureza – tudo são migalhas!
Guarda o velho Guaribas meus amores.

Cidade-mestra, e mestra enternecida,
tanto me deste para a minha vida,
que hoje só quero te cobrir de flores.

                                         Disse o que tinha de dizer.     
                                   
                                            Picos, 4 de setembro de 2009.
                                          Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel).