[Flávio Bittencourt]
 
Deputado Federal Dante de Oliveira posicionou-se a favor dos honrados nhambiquara
 
E, no mesmo pronunciamento (19.4.1983), mostrou que defendia os massacrados servidores públicos federais.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"(...) Finalmente, Sr. Presidente, quero deixar uma palavra de apoio à luta do funcionalismo público por melhores salários e condições de trabalho."
 
DANTE DE OLIVEIRA, em abril de 1983
 
 
 
 
 
 

 

 
 
 
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OS NHAMBIQUARA:
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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                                         EM MEMÓRIA DO PROFESSOR CLAUDE LÉVI-STRAUSS
 
 
 
19.7.2013 -    F.
 
 
 
 
Oliveira, Dante de. Ensaio biográfico e seleção de discursos: Paulo Kramer
Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. Séries Perfis Parlamentares,
nº 65, pp. 147 - 152.

 
 
Terra para o povo nhambiquara

 
      Sessão de 19 de abril de 1983
 
Resumo: Apelo ao governo a fim de que não mais seja protelada a demarcação das terras dos índios nhambiquaras, em Mato Grosso. Apoio à campanha pró-aumento dos vencimentos dos servidores públicos federais.

 
 
                 O SR. DANTE DE OLIVEIRA – Sr. Presidente, Srs. Deputados, a questão indígena e a urgência da demarcação de suas terras já foram objeto de várias manifestações e debates nesta Casa. Os Srs. Deputados que exercitavam seus mandatos na última legislatura devem estar lembrados do cadente, ponderado, porém inconformado pronunciamento do deputado do PMDB por Goiás Sr. Adhemar Santillo, quando, em junho de 1982, levantou, em discurso memorável, crítica à situação do povo nhambiquara, fundamentando basicamente sua denúncia em documento ao mesmo tempo preciso e estarrecedor, produzido pela própria Funai e assinado pelo seu presidente, o Cel. Paulo Moreira Leal, denominado “Histórico das Comunidades Indígenas do Vale do Guaporé”. Naquela oportunidade o deputado Adhemar Santillo reconhecia, como velho crítico da política oficial indigenista, os méritos da antiga reivindicação, que, afinal, se consumara com a assinatura, em outubro de 1981, pelo Cel. Leal, das Portarias 1225-E, 1226-E e 1227-E, criando as reservas nhambiquara no Vale do Guaporé, Pirineus de Souza e Sararé, em Mato Grosso. Este documento, na ocasião lido para que – e para sempre – ficasse registrado nos anais do Congresso Nacional, revela os aspectos escandalosos representados pelas pressões que grupos econômicos e políticos exerceram sobre a Funai a partir da assinatura das mencionadas portarias. É preciso, Srs. Deputados, reavivar a memória da nação novamente, citando trecho de extrema gravidade e contundência.
Dizia o Cel. Leal:
“A partir da publicação desses documentos no Diário Oficial da União, temos recebido manifestações de apoio e solidariedade de um lado e de protestos veementes e até ataques pessoais de outra parte. Diante de tais reações, e até pressões imensuráveis, que nos colocam na situação curiosa de ‘lobo’ e ‘cordeiro’ a um só tempo, cumpre-nos fazer um histórico criterioso dos fatos remotos e recentes que precederam a edição das portarias mencionadas. Devemos enfatizar, preliminarmente, que, se assinamos os documentos referidos, que tanta polêmica têm provocado, não o fizemos levianamente, mas na mais absoluta submissão à Carta Magna do país (art. 198 e seus parágrafos), à Lei nº 6.001/73 – Estatuto do Índio – e a toda a legislação que disciplina a matéria. É dever legal da Funai, como órgão federal de assistência aos silvícolas, como tutora dos índios brasileiros, por delegação da União, assegurar-lhes e garantir-lhes a posse permanente das terras por eles habitadas, assim como o usufruto exclusivo das riquezas naturais e todas as utilidades nelas existentes. É mandamento constitucional, é imposição legal que, sob pena de sermos acusados de tutor infiel, somos obrigados a respeitar e cumprir.”

 
Mais adiante, diz o Cel. Leal:
“Negam alguns, levianamente, possuídos apenas por interesses pessoais e escusos, a presença indígena nas áreas definidas pelas portarias que assinamos, amparadas pelas leis e pelos estudos técnicos procedidos há longo tempo. As evidências históricas, entretanto, estão aí registradas, os fatos concretos saltam aos olhos para desmentirem, com eloquência, os espoliadores dos índios, os usurpadores de suas terras. Ocorre, porém, que o Vale do Guaporé, formado de matas exuberantes entre o Brasil e a Bolívia, e onde se situa grande parte das terras dos nhambiquaras, tem atraído a cobiça de exploradores desde o início do séc. XVIII.”

 
Estas palavras não são apenas oficiais, mas verdadeiras e definitivas. No entanto, é necessário constatar que, até agora, as leis e as decisões legalmente tomadas não foram cumpridas, o que significa dizer que os interesses privados continuam sendo privilegiados pelo poder central à custa dos incontestáveis direitos indígenas. A situação dramática do povo nhambiquara, e de dezenas de outros povos indígenas de Mato Grosso e Rondônia, foi agravada com a ativação do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil, mais conhecido pela sigla Polonoroeste. Como se sabe, este programa se desenvolve basicamente a partir da reconstrução e asfaltamento da BR-364, a rodovia que liga Cuiabá a Porto Velho, numa extensão de cerca de 1.500 km. É mais um programa ambicioso, que vai exigir investimentos da ordem de um bilhão e meio de dólares sobre área de aproximadamente 410 mil km2. Parte substancial desses recursos está sendo financiada pelo Banco Mundial, que condicionou expressamente seu desenvolvimento financeiro à demarcação dos territórios indígenas e a uma efetiva proteção aos grupos que habitam áreas afetadas pelo programa. Em verdade, além dos objetivos principais de expansão da produção agrícola, da integração socioeconômica da área-programa, por meio da implantação de projetos de colonização que preveem o assentamento de mais de 40.000 famílias de colonos, o Polonoroeste propõe-se a levar em conta a conservação do sistema ecológico, pela delimitação e demarcação de parques e reservas florestais, construção de estações ecológicas e a abertura de uma rede de estradas vicinais de mais de 10.000 km. Por último, o programa contempla as comunidades indígenas da região com uma parcela de recursos destinados a propiciar à Funai os meios para reorganizar, reequipar e implantar novas unidades administrativas e para a reestruturação de outras, para construir e equipar escolas e enfermarias, regularizar cerca de 4.000 km lineares de áreas indígenas, realizando seu levantamento, interdição, demarcação e cadastramento, estabelecendo sistemas de rigorosa fiscalização e proteção dessas áreas e, finalmente, incentivar e orientar as comunidades no sentido de cultivarem seus próprios alimentos. Tudo isso consta do programa governamental. Tudo isso está expresso em tratados, leis e contratos com as devidas assinaturas dos ministros e ministérios envolvidos no programa, mas é lícito duvidar que essas medidas sejam concretizadas. Cabe aqui refletir sobre a calamitosa situação que pesará sobre os remanescentes indígenas dessas áreas se o que foi aprovado e sacramentado não seja realmente transformado em realidade. Dados oficiais mostram que a população da região-programa, que em 1970 girava em torno de 380 mil habitantes, deverá ultrapassar 2.500.000 em 1985, data em que o Polonoroeste estará implantado. (Do ponto de vista daqueles que se preocupam com a sorte das comunidades indígenas, já cercadas, humilhadas e devastadas por toda a espécie de ações e omissões, o quadro que se desenha é aterrador.).
 
Os nhambiquaras, que vivem hoje numa área que representa, no máximo, um quinto do território tradicional, região que se estendia do Juruena ao Vale do Guaporé e desde o Rio Comemoração (afluente do Ji-Paraná) ao Rio Verde (afluente do Juruena), são um grupo conhecido em todo o mundo, especialmente em virtude dos estudos que Lévi-Strauss lhes dedicou. Sua importância histórica advém de sua existência estar ligada ainda a sítios onde se encontram cavernas sagradas que remontam, provavelmente, a mais de 10.000 anos, conforme minuciosos estudos realizados por vários especialistas e confirmados pela Funai. 
 
A primeira reserva nhambiquara foi criada em 1968, em terras pobres, numa área que abrigava apenas 10% da população. Nesse mesmo ano de 1968, uma data fatídica para os índios brasileiros, a Funai emitiu as criminosas e tristemente famosas “certidões negativas”, algumas delas despudoradamente atestando a existência de grupos e aldeamentos nhambiquaras, mas permitindo e favorecendo a cupidez de interesses particulares que resultou na entrega do fértil Vale do Guaporé a empresas agropecuárias. Estes crimes continuam impunes até hoje. Nem o tempo mostrou que os seus autores confiavam na impunidade. Vários projetos de criação de reservas nhambiquaras foram apresentados a partir de 1975, submetendo os índios a transferências inúteis, já que eles acabavam por retornar às suas áreas tradicionais, não sem antes pagarem o tributo de muitas mortes por epidemias e assassínios. A tragédia que se abateu sobre o povo nhambiquara é fato corriqueiro. Todos sabem, as provas de genocídio, de extermínio, mais ou menos cruéis que sofreram as populações indígenas brasileiras são irrefutáveis e fazem, vergonhosamente, parte da nossa história. No começo do século, segundo a Funai, os nhambiquaras constituíam uma população de 10.000 pessoas. Hoje restam menos de 700. 
 
De qualquer modo, os desacertos da política indigenista com relação à delimitação da área nhambiquara culminaram com a modificação do projeto original da BR-364, mudando seu curso através de uma variante que reduziu e retalhou a área em três pedaços ilhados: a reserva Sararé, separada do que sobrou da área do Vale do Guaporé e a área do Cerrado. De nada valeram as denúncias e protestos, nacionais e internacionais, que insistiam pela volta ao traçado original da rodovia. Extenso e circunstanciado dossiê, acompanhado de pormenorizado mapeamento e documentação comprobatórios da presença e dos direitos nhambiquaras, foi montado pelas entidades de apoio ao índio que, afortunadamente, foram criadas neste país, e entregue ao Banco Mundial e a outros órgãos aqui e no exterior. Prevaleceram, contudo, os interesses da agropecuária já instalada na região, e o desvio de curso da BR-364 foi mantido. Srs. Deputados, o grau de impotência e – por que não dizer? – de desagregação a que chegou o órgão responsável pela tutela, pelo bem-estar e, por consequência, pela defesa de seus direitos, tão claramente enunciados na Constituição da República e no Estatuto do Índio, pode ser bem aquilatado por notícia recentíssima veiculada pelo jornal O Globo, em sua edição de 4 de abril próximo passado. O título da matéria, “Funai não poderá demarcar as reservas prioritárias”, já é em si desalentador. No corpo da nota surgem, chocantes, as declarações do presidente da Funai, que informa, certamente constrangido, que a Funai não contará com as verbas suficientes para demarcar as oitenta e duas reservas definidas, em 1982, como prioritárias por estarem envolvidas, de alguma forma, com problemas de tensão social e cujas demarcações deveriam ser realizadas nesse ano. E o descalabro maior: o Cel. Leal confessa ter solicitado um bilhão e meio de cruzeiros para a demarcação dessas 82 áreas. O primeiro corte do Ministério do Interior reduziu o montante para 462 milhões, mas, em março último, a Funai foi informada que receberia apenas 35 milhões, isto é, a verba foi reduzida para exatamente 2,33%. Informou ainda o presidente da Funai que o ministro Andreazza acompanha todos os problemas da fundação “e está agindo com sentimento de benevolência”. E arremata: “Não adianta a Funai insistir em solicitar verbas adicionais. O ministro Andreazza conhece a situação e, quando puder, libera os recursos”. 
 
Srs. Deputados, não falemos em falta de credibilidade de ministro. Esqueçamos, por enquanto, a copiosa produção de promessas não cumpridas pelos altos dignitários da nação. Imaginemos apenas que o ministro do Interior efetivamente ponha à disposição da Funai esta irrisória quantia de 35 milhões para demarcar terras de índio. O que poderá fazer o presidente da Funai com a migalha em cruzeiros que a cada mês se desvaloriza a taxas de 10%? O que significa este comportamento senão o convite aberto a novas invasões em dezenas de áreas que vivem sob tensões sociais explosivas, como admite o Cel. Leal, à deflagração de conflitos abertos e sangrentos? Srs. Deputados, o que se impõe agora, antes que seja tarde demais, é demarcar os limites da terra nhambiquara tais como hoje estão definidos. Isso é o mínimo aceitável para a sobrevivência daquele povo. A demarcação dessas áreas vem sendo anunciada e postergada desde 1981. Sabe-se que o Ministério do Interior destinou 36 milhões de cruzeiros, em 1982, de recursos oriundos do Polonoroeste para a Funai realizar trabalhos de demarcação em Mato Grosso. A verba foi efetivamente recebida naquele ano, mas nada foi feito. O cumprimento dessa medida significará pelo menos a esperança de conter a ameaça suspensa sobre os 700 nhambiquaras sobreviventes. Este, Srs. Deputados, é nosso apelo em respeito à lei e à decência. Finalmente, Sr. Presidente, quero deixar uma palavra de apoio à luta do funcionalismo público por melhores salários e condições de trabalho."
 
 
 
 
 
DANTE DE OLIVEIRA (1952 - 2006):