Resenha de Miguel Carqueija
Editora Vecchi, Rio de Janeiro (Rua do Resende, 144), 1962
É escassa a literatura policial brasileira e Hélio do Soveral foi sem dúvida um dos seus principais artífices, e até mesmo o seu iniciador, se estiver rigorosamente correta a assertiva editorial da página 7 sobre “o autor”: ele teria dado início ao gênero no Brasil em 1933, publicando contos no “suplemento policial” do jornal “A Manhã”, passando às novelas de rádio em 1935 e lançando o primeiro romance policial brasileiro – ou pelo menos, novela – em 1939: “Mistério em alto-mar”, pela Cooperativa Cultural Guanabara. Quanto ao presente volume, é apresentado como adaptação do programa de rádio “Teatro de Mistério”, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que apresentava roteiros de Hélio do Soveral.
Departamento de Polícia Judiciária é o volume inicial da Série Inspetor Marques – o que se deduz da numeração 801, pois a Vecchi, como a Tecnoprint, utilizava o estranho sistema de uma numeração única para todas as séries, cada uma ocupando um espaço numérico, esta por exemplo partindo do início da nona centena. Já a série de ficção científica (Astronautas) iniciava no 601. E isso já dava a entender carreira curta para as coleções (certamente muitos números ficavam sem preencher).
O livro que vamos avaliar é uma coletânea em torno de um detetive brasileiro de ficção, o Inspetor Mário Marques, diretor do fictício departamento que dá título ao volume.
Soveral esquematiza as suas histórias, em demasia a meu ver. Começa com uma ficha(“dossier”) onde constam o nome do caso, local, data, nome do detetive (o Inspetor Marques) e as observações. Isto já quebra um pouco a graça do texto. E este é dividido em “princípio”, “meio” (subdividido em vários capítulos numerados) e “fim”.
Nesse primeiro conto não senti o clima das verdadeiras histórias de mistério. Soveral revela previamente ao leitor alguns pontos importantes da trama, referente ao assassinato do Professor Atílio Masaccio, fulminado por dois tiros ao abrir a porta de madrugada, na sua residência de luxo no Leblon. As suspeitas recaem sobre Paulo Macedo, um jovem que namorava com Neuza, a esposa coquete da vítima – com apenas 25 anos, muito mais nova que o marido e apresentada como mulher sedutora. Aqui noto duas coisas: Paulo, ou Paulinho, arranja um falso álibi com um amigo, o Prof. Flávio Cordeiro. E o Inspetor Marques, duvidando desse álibi, o pressiona até que ele revele a verdade.
O ponto fraco é que não se vê uma razão sólida para a atitude do investigador. É estranho basear-se em que os vizinhos não viram uma visita através da janela, como se o interior de uma casa devesse ser devassado.
Com diálogos fracos, a história é apenas mediana e não revela uma figura realmente interessante de detetive de ficção.
Um homem, Bruno Richard, proprietário de uma fazenda no local mencionado, casou-se quatro vezes em apenas dez anos, e todas as esposas desapareceram sem deixar vestígios. Embora impronunciado pela Justiça, e enfrentando depois a acusação de bigamia, pretende inocência. Adquire fãs e prepara-se para casar pela quinta vez, depois de apresentar os atestados de óbitos das esposas desaparecidas, que teriam morrido as quatro na Amazônia (?), cada uma delas após abandoná-lo em poucos dias (?) e beneficiá-lo com a herança dos seus bens (?). Como se vê é escandalosamente óbvio, portanto o faro do Inspetor Marques, nesse caso específico, nada tem de mais.
Apesar das inverossimilhanças a trama apreenta alguns aspectos interessantes, como um ligeiro toque de humor no personagem do Delegado Osório – mas só porque ele tem a mania de dizer “com licença da má palavra”. O Inspetor Marques não chega a ser muito brilhante. Nessa história comparece a sua assistente Arlete, que tem uma participação importante. A personagem Nilce, a quinta noiva, é interessante e podia ter sido mais bem desenvolvida. O vilão Bruno é mais ridículo que sinistro, e seu diálogo é muito ruim. Foi bem bolada a explicação sobre o desaparecimento dos corpos das vítimas.
Soveral está aqui um pouco melhor que nos contos anteriores, e mais próximo do nível do policial norte-americano. Mas não consegue um senso de humor razoável e nem uma trama muito complexa. Parece que alguns personagens – como a bailarina Ondine, que permanece uma presença obscura, embora dê a impressão de ser importante – foram postos para distrair um pouco atenções e suspeitas. O Inspetor Marques representa uma polícia brasileira assaz idealizada, e que hoje, no século XXI, soaria inverossímil. Ele não dá tiradas brilhantes, e seu jeito tranqüilo e neutro só apresenta praticamente duas idiossincrasias: a piteira e o seu hábito de dirigir-se ao anjo da guarda, como nesta frase:
“Complicado, Gabriel! No Real Ballet de Stalingrado todos se amam e todos se casam, cada um ama a pessoa com quem não se casou!”