Democracia e caráter de seus supostos praticantes
Por Cunha e Silva Filho Em: 24/09/2021, às 12H52
Democracia e caráter dos seus supostos praticantes
Cunha e Silva Filho
Em entrevista concedida por e-mail ao Globo pelo filósofo húngaro István Mészaros, atualmente professor emérito da Universidade de Sussex, na Inglaterra, ao repórter do Prosa&Verso, (sábado, 21/02/2015), centraliza sua discussão em torno do tema abordado no seu recente livro lançado no Brasil, A montanha que devemos conquistar (Editora Boitempo).
Não vou esmiuçar todas as considerações tecidas pelo filósofo que, na obra, conforme informa o entrevistador, Leonardo Cazes, trata de questões altamente relevantes, como a situação do capitalismo de hoje, os “impasses” da democracia e surgimento de “novos partidos na Europa.” Por novos partidos entende Mészaros os de esquerda, citando os exemplos da Siriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha. Mészaros é marxista e, ainda, segundo Leonardo Cazes, foi aluno, ainda na Hungria, de György Lukács, sendo considerado o principal herdeiro intelectual de Lukács.
Dos temas ventilados na citada obra, Mészaros analisa três tipos de democracia a democracia direta, a democracia representativa e a que ele próprio propõe, a “democracia substantiva,” para ele a que melhor atenda à realidade mundial contemporânea uma vez que se estriba no conceito de “igualdade substantiva”, ou seja, seu funcionamento depende de uma “alteração radical” no processo de efetivação do funcionamento da sociedade e, para conseguir isso, substitui a natureza da alienação e tira do Estado todo o poder “alienante” que vem a ser a subordinação autoritária que os sistema democrático exerce sobre a sociedade, ainda que esta só de fachada se autodenomine representativa da vontade popular. Neste ponto é que passo agora a tentar fazer alguns comentários e mesmo reflexões sobre o que no país vive o chamado estado democrático. Em tese, o país vive uma democracia, com os poderes funcionado livremente e independentes. Porém, na realidade, se o governo Dilma, no seu segundo mandato e no dois governos de Lula, o partido pelo qual foram eleitos se denomina em tese da esquerda, será um contrassenso fazer coexistir uma “democracia da esquerda,’ do mesmo modo que seria contraditória uma democracia da direita ou do centro.
Ora, se a esquerda se fundamenta em princípios de governança da sociedade de natureza marxista, onde o Estado pode tudo e é voz soberana dos destinos da nação, e se, no Brasil, afirma termos uma democracia plena, há algo muito errado no que concerne aos conceitos e às práticas políticas em vigor não só no Brasil mas em outros países. Inclusive porque se chamarmos ao governo Dilma de socialista só porque destina vultosas milhões de reais em benefícios sociais não bem distribuídos, os quais não passam de “migalhas” se comparados à minoria endinheirada dos brasileiros, então não me parece correto afirmar que somos um país dirigido por um partido de esquerda.
Sabemos que, na realidade, os fatos são diferentes e ricos aqui continuam tendo as mesmas regalias e os altos padrões de vida. O Estado brasileiro, os seus membros dirigentes, a elite palaciana, nos três poderes leva vida de altos burgueses, enquanto a chamada classe média tem vida limitada financeiramente e vive endividada. Há ainda os menos favorecidos que lutam duramente pela sobrevivência e com sérios problemas relacionados a benefícios públicos em vários setores essenciais: saúde pública, ensino, transporte.
O filósofo húngaro acredita ainda no socialismo e o vê como a única saída para a sobrevivência da Humanidade. Ao dar prioridade ao socialismo, o filósofo desacredita o capitalismo, o neo-liberalismo, a sociedade consumista. Acredita ele que, se mudarmos a “ordem de desigualdade substantiva” pela “ordem de igualdade substantiva” será possível pensar-se numa efetiva mudança das sociedades que vivem em grandes dificuldades, sobretudo na sua organização política. Mészaros fala ainda da exaltada ‘destruição produtiva’, produto do capitalismo que, para ele, está declinante. Repudia ainda o que chama de “produção destrutiva” aliada à “produção de mercadorias” e, finalmente, refere à “ameaça de destruição militar em defesa da ordem estabelecida.”
O Estado Brasileiro, a meu ver, se definiria como um Estado híbrido, contraditório, socialmente desigual, autoritário e profundamente afundado no mal da corrupção exercida entre políticos e empresários e num sistema de Justiça pouco confiável em razão de que, por exemplo, temos um Supremo Tribunal Federal no qual seus membros, na maioria, foram indicados pelo autoritarismo populista do petismo ou lulismo que vai ao povo mas não lhe permite ter voz política.
O mais alarmante é que não é só no petismo que identificamos gravíssimos e, em alguns aspectos, semelhantes problemas de natureza política. A política brasileira atual tem um viés de simbiose no qual os extremos se tocam nos seus males e nos seus defeitos crônicos. Em resumo, muito dos regimes políticos se ressentem de alguns membros que não dão nenhum exemplo de uma personalidade de caráter firme e de integridade moral a toda a prova. Este atributo, em qualquer forma de democracia, leva um projeto político à ruína e à desmoralização.
Ou seja, tudo se resume a uma pré-condição: a falta de ética na práxis política. Só para rematarmos as reflexões provocados pelo pensamento de Mészaros, vejo que o filósofo, passando ao campo da ordem política internacional, não vê com otimismo a condição das sociedades convulsionadas de todo os lados por perigos iminentes, e um deles seria pelo fato de que somente poucas nações poderosas têm o poder de “destruir a espécie humana, e por isso usam termos-chave como ‘segurança,’ ‘autodefesa’, ao passo que a maior parte dos povos nada pode fazer diante dessas injunções do poder armamentista, que é minoritário mas perigoso.
Fora do que conceituou como democracia substantiva, será difícil a melhoria da sociedade e essa espécie de sonho do filósofo é algo que não se faz em vinte anos. Demora tempo, mas pode, segundo ele, ser realizável. 6 7 8 s ‰ ³ · ¼ ½