De bandeja, o texto e a carne seca
Em: 18/06/2010, às 16H18
Luiz Filho de Oliveira
Eu sei por que cargas de comida (água, só depois da bucha!), outro dia, fui cair dentro do prato em que está servida a discussão acerca do ser ou não ser vegetariano. Foi porque conversava com um colega professor; tendo ele à sua frente um pratinho de maria-isabel, não o original, mas um de frango. Apois, ele cogitava em não comer a carne. Brinquei falando sério a respeito da sina do ser humano (como animais que somos) de comer carne, esse bárbaro ato, no dizer dos verdes. Entonce, servi o meu ponto de gosto: quem quiser comer somente folhas & frutos & outros sabores, que seja feliz, à sua mesa, o banquete das cores; que prefiro o vermelho-sangue (assado ou cozido), pois eu sou carnívivo. Isso, sim, é atavismo! Vixe!
Coisa de índio; boi de vaqueiros. Explico: não vou usar a Ciência pra isto: explicar o meu gosto pela carne-viva mortinha da silva na brasa, num espeto; numa panela, no fogo. Não. Não irei argumentar que o fato de o ser humano comer carne (com todas as suas vísceras, huuuuuum!) proporcionou um melhor desenvolvimento do cérebro humano: comer outros cérebros foi, sim, uma ideia cabeça! Foi um prato cheio para a nossa suposta vantagem sobre as outras espécies. Como essa comida nos-deixa fortes; tanto, que pensamos e escrevemos (a nossa única diferença, de fato, em relação aos “irracionais”) que somos o bicho, os melhores deste pedaço de Universo, minúsculo. Coitados, Mestre, até parece que não reconhecem ser “esse bicho na Terra tão pequeno”.
Coisa de índio; boi de vaqueiros. Explico: não vou usar a Ciência pra isto: explicar o meu gosto pela carne-viva mortinha da silva na brasa, num espeto; numa panela, no fogo. Não. Não irei argumentar que o fato de o ser humano comer carne (com todas as suas vísceras, huuuuuum!) proporcionou um melhor desenvolvimento do cérebro humano: comer outros cérebros foi, sim, uma ideia cabeça! Foi um prato cheio para a nossa suposta vantagem sobre as outras espécies. Como essa comida nos-deixa fortes; tanto, que pensamos e escrevemos (a nossa única diferença, de fato, em relação aos “irracionais”) que somos o bicho, os melhores deste pedaço de Universo, minúsculo. Coitados, Mestre, até parece que não reconhecem ser “esse bicho na Terra tão pequeno”.
Sou isso, bicho. Carnívoro, até a overdose, no final do último ato. Não tenho vergonha desse clichê ou desse barbarismo. E mais um tiquinho:não somente comerei da alface a verde pétala; principalmente, depois das saladas, comerei os gados, o vacum e o cabrum. De preferência, na brasa; entanto, também posso arrochar um cozidão, uma mão-de-vaca, uma buchada de bode, um sarapatel, outra paneleda. Quem sabe se minha fome não é fome dez, presidente? Ainda mais que eu sou da Terra do Gado, cercada que foi pelas caiçaras de homens negros, brancos & mestiços, os seus currais de pedra. “Ai campos de verdes planos”. Fazenda dos nossos antepassados, em que o gado, vacum e cavalar, foi a glória da província do Piauí, principalmente, na segunda metade do século XVIII.
Depois duma pratada dessa, dá gosto lembrar a figura de um grande empreendedor como João Paulo Diniz, que, como escreve o historiador piauiense Odilon Nunes, em suas Pesquisas para a História do Piauí, foi o primeiro na “exploração do comércio de carnes em grande escala no Piauí”. Se não foi o criador da carne seca, do charque; ao menos, foi um pioneiro dessa sacada capital: se levar a boiada até os compradores era um risco altíssimo; por que, então, não levá-la salgada e desidratada, seca? Apois, Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, todos esses lugares foram visitados pelas sumacas desse empresário português, cujo patrício, Domingos Dias da Silva, que fora trazido por ele, Diniz, da província do Pará, tornou-se um dos grandes da indústria saladeril do litoral piauiense. Dias da Silva foi talvez o único empresário daquela época, século XVIII, a seguir João Paulo Diniz nesse ramo de comércio. Se o secar a carne ao sol é, a princípio, nativo, uma técnica indígena; então, o branco português transformou em indústria, cuja base era, sem dúvida, as “oficinas de carne seca”.
Pioneirismo empresarial que concede ao Piauí a precedência na industrialização da carne bovina, da criação do charque no Brasil. Bem, mesmo que não seja ao Piauí concedida essa primazia, ao menos, ao Nordeste brasileiro deve sê-lo, conforme escreve Odilon Nunes, oqual relata que Fernando Luís Osório, em sua obra A História de Pelotas, afirma que o cearense José Pinto Martins, em 1870, “criou a indústria saladeril no Rio Grande do Sul”, dez anos depois de João Paulo Diniz em São João da Parnaíba. Sentiu o gosto desse boi? Talvez ele seja o mesmo que sentiram os portugueses ao serem o tope da navegação no século XVI e, em séculos seguintes, não ter uma pelota para atravessar um riachozinho. É mole? No Piauí, somente ficou o artesanal, a comida típica; pois as “oficinas de carne seca", as charqueadas, não tiveram continuidade em nosso estado. Como bem poderia dizer, hoje, sem intenção irônica, qualquer cearense médio, de cabeça grande: “Elas foram mesmo bem recebidas pelos gaúchos, macho”. Concordo, macho, pois no município de Pelotas, no Rio Grande do Sul, existe até a ONG Viva o Charque (www.vivaocharque.com.br), para comprovar o gosto do gaúcho pela carne bovina (e dizem as más bocas, que até cavalar!).
Porisso, não tenho como evitar: como carne! É atávico mesmo; veio no sangue dos nativos brasileiros, dos europeus e dos africanos, que compuseram essa nossa panelinha a favor desse hábito secular, religiosamente falando no sacrifício de outros animais em nosso favor: mais brasa pra nossa carninha. Imaginem vocês esta história geral: eu, um filho de Tabajara comedor de gado invasor de suas terras com europeu comedor de frango e com africanos comedores de tudo (não foi de sobras que ferveu a feijoada?) e árabes e tantos povos de carne-e-osso. Como pode? Como, eu posso! Por isso não discuto, converso... des... Ou mesmo, já imaginou um vegetariano no Festival de Gastronomia de Campo Maior? Vixe, não ia dar certo. Não pode. É bode! Ah, na brasa, costelinhas sangradas, saga sagrada do vaqueiro. Ah, como me-lembra a “churrasqueira” dos Tupinambás comendo gente na frente de um alemão pasmo de ver tanta voracidade. Antropofagia, não canibalismo. Ritual sagrado como o-é comer carne. Mas é história. E a história é esta: sou carnivivíssimo!
Agora, licença, que lá vem o poema de bandeja.
Rumina o poeta uma carne-de-sol com toda a experiência de mastigador da natura
que comam as folhas meus amigos vegetarianos
que eu mastigo o naco do gado que me-foi vendido
a preço de capitalismo polido do criador ao frigorífico
aqui em restaurantes em que o requinte fica por conta
sento numa mesa e faço o mercado continuar seu trabalho
(sente que não estou com fome de livre-pensar em questioná-lo)
até que se-pode negar a animalidade humana
contando essa história pra boi engolir de criação divina
conta porém o quanto já passou o tempo desse coagir por enigma
sou animal completo por tantos de carne preciso
comer de semelhantes bois criados nas escolas-fazenda
como alunos bem comportados que o gosto do senhor vão fazendo
ah! Carlos! desse prato o boi não está-me-vendo mas
presente no meu dna está tal essência vital do sentimento
meu caro Francisco porisso essa conversa de bois com João da gente
se é preciso ruminar a poema esse boi vindo quentíssimo
do pasto da prosa ao meu prato fundo com paçoca e torresmo
então maria-isabel escrevo pra completar a mesa do que festejo
nesse poder criar sentido dentro de cérebros nutridos
pela comida de passado vaqueiro que cozinhou o boi com arroz
ah! trabalhador agreste! eles incrementaram a receita e cobram de nós
mas essa comida já fez aquecer a barriga de tanta criança
dando-les a paz de uma ceia humana criada pela mão de sangue
do animal que come e se sente fome vai do cardápio ao que tiver adiante
aqui entanto não: tenho às mãos garfo teclado faca tela prato
mastigo rumino mastigo teclo mastigo rumino teclo mastigo teclo
há animais que não são carnívivos mas não aqui à mesa desta comida-texto
aqui eu aprecio mesmo e à receita do médico mastigando obedeço
rumino muito como um velho cocaleiro andino pensando trabalhando pensando
quando vier andando pelo cimo dos Andes ainda les-mostrarei umas mastigações-poema