Das notícias e dos indiferentes
Por Cunha e Silva Filho Em: 21/09/2009, às 22H39
Cunha e Silva Filho
Tenho observado com frequência que as notícias ruins não são tão atraentes a alguns leitores. Os ingleses costumam afirmar: No news, good news, o que, de certa forma, poderia explicar a preferência dos leitores brasileiros. E o que seriam essas notícias ruins? As que falam de violência, de crimes, de seqüestros, de estupros, de pedófilos, as que anunciam que o mundo em 2012 vai ser palco de catástrofes inimagináveis, com o nosso planeta sendo alvo de queda de meteoros, provocando estragos colossais pelo planeta afora, sem se falar do derretimento contínuo das geleiras das regiões polares, aumentando o nível dos mares, dos rios, dos oceanos, inundando tudo e todos.
Fala-se que até pode haver a explosão do nosso amigo Sol, do desaparecimento da linda e romântica Veneza, dos terremotos em escalas máximas em várias regiões do mundo, inclusive naquela área da cidade norte-americana de São Francisco.Esta lista de desastres ainda poderia se alongar muito mais, mas não desejo atemorizar as pessoas como, certa vez, o fez o cineasta Orson Welles(915-1985) transmitindo de uma estação de rádio dos EUA que o planeta Terra estava sendo invadido por marcianos.
Outros, porém, negando todas essas previsões ominosas, nos afirmam que nada disso vai acontecer no nosso tempo de vida. Toda essa miséria causada pela natureza e pelo homem só efetivamente ocorrerá daqui a cem anos ou mais, outros, mais otimistas, saem das centenas de anos para a casa dos milhões de anos. Portanto, para quando nem ossos não mais seremos no caso de acontecer o pior.
Não quererem as pessoas saber de notícias desse tipo é compreensível, mas o que é pior é ficar indiferente a algum tipo de notícia, ou seja, incluírem-se no grupo de pessoas alheias à realidade que as cerca e da qual não podem deixar de tomar uma posição que seja. A omissão é sinal de covardia ou de cumplicidade.
Não podemos deixar de manifestar interesse pelos males que a vida cotidiana no país e no mundo está causando a nós todos. Fugirmos à oportunidade de comentar, discutir e reprovar os males de nossa civilização é cooptação de cunho egoísta e demonstração de mentalidade pequena. A indiferença, a alienação, a falta de atenção aos problemas que afligem a humanidade são fatores estimulantes de manutenção do estabelecido. Servem aos princípios do poder, do dominadores, dos que não pretendem perder privilégios.
O povo brasileiro longe está de ser solidário com as grandes causas nacionais. O que vemos é uma clima geral de “pouco me importa” , ou como costumam as pessoas de todos os naipes expressarem por ignorância ou falta de sensibilidade: “- Fazer o quê? Não há nada que me irrita mais do que esta última maneira de reagir a uma situação que nos está prejudicando individual ou coletivamente. Essa afirmação é a prova cabal da mentalidade de um povo que não amadureceu ou não teve a oportunidade de reagir à intolerância, aos desmandos das instituições públicos. Afinal , o poder público não é uma concessão do poder divino outorgado aos reis. Vivemos no século 21. Não podemos nos curvar diante do “soldado amarelo “ como o fez Fabiano em Vidas Secas,1938) num gesto de fatalidade e impotência diante da força da lei simbolizada pelo personagem fardado, representante da opressão do Estado.
O medo demonstrado por Fabiano diante do representante da força pública é tão forte que, naquela passagem do grande romance de Graciliano Ramos(1892-1953), o personagem acossado pela seca sofre, ao nível da linguagem, aquilo que o ensaísta gaúcho Donald Schüller (Teoria do romanace, Ática, 1989) conceitua como o “seqüestro da linguagem”. Não agir por ato físico nem pelo uso da linguagem é impedir que a função comunicativa deixe de exercer seu papel primordial, que é a expressão livre e desreprimida de defender-se livremente pelo discurso da oralidade. O discurso de Fabiano, que não se materializa, equivale ao aprisionamento da individualidade e à desconstrução do indivíduo a quem se negou o único meio que o diferencia dos irracionais: a linguagem.
Por conseguinte, quando o povo brasileiro se cala diante dos descalabros do governo, ele próprio se recusa a pôr-se em defesa, a dar “voz” à sua indignação contra a iniquidade, a injustiça e a indiferença da máquina do Estado. O enunciado, já citado, “fazer o quê” equivale, no plano da realidade empírica, ao seqüestro da cidadania, ou seja, o indivíduo capitula ante o poder do Estado contraditoriamente delegado pelo voto do homem seqüestrado na linguagem e nos seus direitos inalienáveis de brasilidade.