Corrompidíssima República
Por Washington Ramos Em: 15/07/2020, às 07H03
Washington Ramos
CORROMPIDÍSSIMA REPÚBLICA
O título acima é uma das conclusões a que cheguei após ler o conto A Sereníssima República, de Machado de Assis, e debatê-lo com a turma da SELMA – Sala de Estudos Literários Machado de Assis, grupo criado no Whatsapp pelas vorazes leitoras Conceição, Nina, Ingrid, Nayara... E também os amigos Dilson, Alex, Adriano... Trata-se de um pessoal bacana, que é fã incondicional do autor de Dom Casmurro e fã de primeira hora e não de agora quando ele está se tornando moda.
O conto é uma alegoria machadiana sobre o surgimento da República em nosso Brasil. Para destrinchar a série de metáforas que constitui a alegoria, surgiram várias interpretações baseadas no contexto histórico da época ( anos 80 do século XIX ) e no rico e escorregadio estilo de Machado, todas muito válidas e pertinentes, nenhuma absurda. Ninguém delirou na compreensão da narrativa.
Por que corrompidíssima república? Por várias razões. Primeiro porque é um título altamente irônico que ainda hoje continua fazendo sentido e, pelo andar da carruagem política brasileira atual, ainda vai continuar a fazer sentido durante muito tempo, infelizmente. Nossos governantes, nossas elites e nosso povo não dão sinais auspiciosos de grandes mudanças politico-sociais que nos propiciem uma vida de fato republicana. Governantes e elites não abrem mão de seus privilégios antirrepublicanos, e pessoas do povo que chegam ao poder aderem àquilo que antes criticavam. Não vou citar nomes para não ferir suscetibilidades.
A segunda razão é que, no conto, a República brasileira começa não se inspirando nos sistemas democráticos que, na época, em alguns países europeus e nos EUA, já estavam razoavelmente consolidados, mas inspira-se na sereníssima república de Veneza, na Itália do século XVII, um sistema ultrapassado e regido por sorteio realizado somente entre os filhos da aristocracia. Era um sistema de duzentos anos atrás. Mesmo assim, tenta-se implementar essa estrutura de sorteios, mas ela não se efetiva, não por seu defeito de origem, mas pelo excesso de corrupção que ocorre em todas as vezes em que vai haver “eleições”, nada muito diferente de hoje.
Há várias outras conclusões e sacadas interessantes, mas, para explicá-las, seria necessário antecipar muito do conteúdo da narrativa, e não gosto de fazer isso. Recomendo que todos leiam o texto e enriqueçam ainda mais sua compreensão.
Com esse conto, Machado deu sua contribuição e alerta sobre o início de nossa República, o qual perdura até hoje. Ele fez sua parte. Agora cabe a nós, como leitores e cidadãos, fazer algo de concreto a favor de uma vida política com mais decência, sem corrução, sem tanto apadrinhamento, sem tantos cargos para dar emprego a quem não trabalha, e verdadeiramente republicana para o bem de todos. Em 131 anos de República, tivemos golpes de Estado e ditaduras cruéis. Se, pelo menos, não repetirmos esses erros abomináveis, já será algum avanço.