Coronel Francisco Alves Feitosa
Por Reginaldo Miranda Em: 21/02/2023, às 09H18
Reginaldo Miranda[1]
Foi um dos principais patriarcas dos sertões de Inhamuns, no Siará Grande, e seu mais rico sesmeiro, sobretudo depois da morte do irmão comissário Lourenço Alves Feitosa, de quem herdou muitas sesmarias.
Nasceu Francisco Alves Feitosa no Rio de Baixo, termo da vila de Penedo, em Alagoas, então província de Pernambuco, à volta de 1682, filho do português capitão João Alves Feitosa e de sua esposa Ana Gomes Vieira, esta filha do rico fazendeiro Manuel Martins Chaves e de sua esposa Maria da Cruz Portocarreiro, da vila de Penedo, em Alagoas, e então pertencente à capitania de Pernambuco. João Alves foi o genearca dessa ilustre geração, adotando o apelido Feitosa ao chegar ao Brasil em 1662. Naquele tempo era comum os colonizadores acrescentarem ao apelido familiar o nome de sua terra de origem[2].
Não se tem notícia de seus estudos, certamente feitos com o genitor e com professores da região. Aprendeu o suficiente para o exercício da vida pública que se resumia em saber ler, escrever e praticar as operações aritméticas, como os demais meninos contemporâneos de sua condição social.
Desde muito moço assentou praça de alferes em um regimento de cavalaria do rio São Francisco, em Pernambuco, participando de muitas entradas contra o gentio da terra. Ao mesmo tempo, iniciou-se com o referido irmão primogênito e o genitor no amanho do gado e em seu comércio nas feiras de Pernambuco, onde construíram fortuna. Alguns lances de sua vida foram reconstituídos pelo genealogista Leonardo Feitosa, que desenvolveu extraordinário trabalho de pesquisa. No entanto, com o avanço dessas pesquisas e a descoberta de novos documentos pode-se acrescentar alguns dados e corrigir eventuais equívocos. Leonardo Feitosa não conseguiu indicar o nome da mãe do biografado, embora soubesse quem era seu genitor. Indicou o nome de três viúvas com quem se casou Francisco Alves Feitosa, cuja ordem hoje pode ser discutida; apontou Isabel do Monte como sendo a primeira esposa e lançou a ideia de que Feitosa teria vindo em companhia do cunhado Geraldo Monte para o Ceará; por fim, indicou seis filhos daquele pioneiro, sendo dois das primeiras núpcias[3] e quatro das segundas[4].
Segundo anotou o genealogista Borges da Fonseca em sua festejada obra, Nobiliarquia Pernambucana, o coronel Francisco Alves Feitosa foi casado em primeiras núpcias com Catarina Cardosa da Rocha Resende Macrina, de cujo consórcio nasceu Maria Alves Vieira, casada com João Cavalcante de Albuquerque. Talvez, desconhecendo essa obra Leonardo Feitosa inverteu a ordem dos matrimônios e, por via de consequência, a maternidade desta filha. Além dessa afirmativa, o termo de casamento de um filho do último casal aponta que Maria Alves Vieira nasceu no Rio de Baixo, assim, antes da mudança dos genitores para o Ceará. Com base nessas informações podemos asseverar que Francisco Alves Feitosa convolou primeiras núpcias com Catarina Cardosa da Rocha Resende Macrina, com quem permaneceu morando em sua fazenda no Rio de Baixo, em Alagoas, depois mudando-se para o sítio ou engenho “Currais de Serinhaém”, na zona litorânea de Pernambuco. Catarina era viúva com filhos das primeiras núpcias, tendo falecido ao que parece ainda no Rio de Baixo, onde Francisco Alves Feitosa, ao que parece, contrai segundas núpcias com outra viúva, Isabel do Montes Silva, de cujo consórcio também gerou descendência. Esses Monte, segundo Leonardo Feitosa, citando Helvécio Monte “eram 5 irmãos, dois homens e três mulheres, de origem espanhola[5], os quais vieram da Europa, fugindo do rigor das perseguições da Inquisição”. Vejamos agora a citação literal de Helvécio Monte, transcrita por Leonardo Feitosa:
“No século XVII, perseguidos pela inquisição e tendo perdido os pais, chegaram no Recife 5 irmãos Montes, espanhóis de nascimento, sendo dois homens e 3 mulheres.
‘Um deles e duas irmãs fixaram residência em Pernambuco, formando famílias, de uma das quais descende o conde de Irajá, d. Manoel do Monte Rodrigues de Araújo, bispo do Rio de Janeiro.
‘O outro irmão, Geraldo Monte, com a irmã que o acompanhou, internando-se pelos sertões de Pernambuco, foi ter no Ceará”[6].
Buscando alargar seus domínios e aumentar o rebanho[7], em 1707 ou no ano anterior, em companhia do irmão primogênito, Lourenço Alves Feitosa, o alferes Francisco abandona seus engenhos e currais de Serinhaém, em Pernambuco e muda com mulher e filhos, seu domicilio definitivamente para o vale do rio Jucá, no Siará Grande. Ali os dois irmãos pioneiros estabelecem suas respectivas famílias e assentam a caiçara de muitos currais. Em 26 de janeiro de 1707, os dois irmãos requerem sua primeira sesmaria no vale do riacho Vocoró, depois rebatizado São João, junto à serra do Boqueirão, onde habitavam os índios jucás. Consta que Francisco fundou a primeira fazenda e construiu seu domicilio e uma capela de taipa ao lado, no lugar Barra do Jucá, à margem direita do rio Jaguaribe. Fica pouco abaixo da atual cidade de Arneiroz, onde mais tarde seria construída outra capela por um seu neto de igual nome. Ao passo que Lourenço fundou a primeira fazenda denominada Cachoeirinha, nas margens do riacho Cariuzinho, a seis léguas do Icó.
Na mesma época e com o mesmo propósito segue-lhe o cunhado Geraldo Monte, também fundando seus currais no mesmo vale do rio Jucá. Em pouco tempo, por cobiça das mesmas terras os parentes formariam poderosas parcialidades sustentando lutas tremendas que perduraram por uma década, entre 1714 e 1725. A luta dos Feitosa contra os Monte encheu uma página sangrenta da história do Ceará e já foi objeto de estudos de muitos historiadores, sociólogos, cientistas políticos e até ficcionistas do Brasil e do exterior.
Em 15 de junho de 1719, o alferes Francisco Alves Feitosa foi promovido à patente de coronel de cavalaria da ribeira do Quixelô e Inhamuns, em face de ser “um dos homens nobres e afazendado destas ribeiras, e ter ocupado o posto de alferes, tendo feito muitas entradas a fazer guerra ao gentio bárbaro desta capitania, e indo por cabo das tropas com risco de sua vida, e dispêndio de sua fazenda havendo-se sempre com muito grande valor, e zelo do real serviço”. Essa patente foi confirmada por el rei, em 17 de julho de 1722[8].
O notável genealogista Leonardo Feitosa assim resumiu a contenda entre os Monte e Feitosa:
“Geraldo do Monte e Isabel, sua irmã, já casada com o coronel Francisco Alves Feitosa, na expressão do Dr. Helvécio Monte, internaram-se nos sertões de Pernambuco e vieram ter ao Ceará, e aqui iam vivendo em harmonia no rio do Jucá, porque, conforme afirma Theberge, o morubixaba Antônio Pinto e o tenente Simão Roiz Ferreira requereram sesmarias no rio do Jucá, porque, conforme afirma Theberge, o morubixaba da aldeia dos índios jucás, informava a todos que lhe perguntavam, que os terrenos daquele rio eram superiores para a fundação de fazendas de gados, mas não terminando o processo, caiu em comisso; sabendo disso o capitão-mor Geraldo do Monte requereu aquelas mesmas sesmarias, mas também se descuidou e incorreu na mesma pena de comisso. Sabendo de tudo, o comissário Lourenço Alves Feitosa, requereu uma sesmaria de três léguas de comprido e meia de largo para cada banda, no rio Jucá; outra com iguais dimensões para D. Antônia de Oliveira Leite, sua mulher, e uma terceira também com as mesmas dimensões para seu filho Lourenço Alves Penedo e Rocha, ao todo 9 léguas, compreendendo a extensão das que haviam caído em comisso, e lhes foram concedidas as ditas sesmarias em 8 de junho de 1720. Restava a Gerado do Monte reconhecer que lhe não assistia direito para litígios e nem razão para vir cortar cordas no serviço de tombamento, separando a sesmaria de cada suplicante. Eis o motivo que deu lugar às lutas armadas entre os Feitosas e os Montes, e nada da desonra de uma irmã de Geraldo do Monte pelo cunhado Francisco, o que nunca aconteceu”[9].
Prosseguindo em sua narrativa, continua Leonardo Feitosa:
“Quem conhece a história dessas rixas pelos cronistas em geral, não encontra nelas documentos favoráveis aos Feitosas e nem censura contra os Montes; quando estes é que vinham atacar os Feitosas em seus próprios domínios, na fazenda Cangalhas, 3 léguas abaixo da vila de Arneiroz, onde se chocaram num tiroteio terrível, no qual se defenderam os Feitosas, que ali se achavam arranchados com um comboio e fizeram trincheiras dos surrões, malas e cangalhas, ficando, por isso, a fazenda com este nome, e depois já no rio do Jucá, interrompendo os tombamentos, cortando as cordas, mas é bem sabido o rompimento do juiz ordinário em Aquiraz com o Ouvidor José Mendes Machado, o rompimento do Senado da Câmara e de pessoas influentes com o mesmo ouvidor, e que este se aliou aos Feitosas contra os Montes e oferecendo-lhes combates, nos quais sempre saíam vitoriosos; e os Montes, por sua vez, se aliaram aos inimigos do Ouvidor em Aquiraz, ficando sempre derrotados”[10].
Sobre o fim dessas lutas, anotou Leonardo Feitosa:
“Desde 9-11-1721, vinha o capitão-mor Manoel Francês governando o Ceará, porém, desgostoso com o senado da Câmara, no Aquiraz, e, vendo que uma das famílias estava aliada com o Senado e a outra com o Ouvidor Machado, conservou-se neutro até a retirada deste, e por isso, só em 1725, quando, na expressão de Teberge: ‘Assaz debilitados pela ação contínua do bacamarte, quando os veio dissolver a grande seca de 1725...’, mas não só por isso, foi necessária a intervenção do Capitão-mor Manoel Francês, que resolvera acabar com as lutas fratricidas, que agitavam a vida nos sertões, e, aconselhando, fez a separação dos contendores, indo o coronel Francisco Alves Feitosa demorar, até que arrefecessem, os ânimos dos dois fortes lutadores, na fazenda Mocha no Piauí, onde depois fundaram a cidade de Oeiras, antiga capital daquele Estado, em casa do capitão-mor da então vila da Parnaíba, Pedro de Sousa Rego. Da amizade daqueles dois homens tinha de surgir, posteriormente, a afinidade no seio de suas famílias, como veremos mais tarde, por diversos casamentos”[11].
De fato, com o fim do conflito veio o coronel Francisco Alves Feitosa com sua família para o Piauí. Contudo, não se demorou na fazenda Mocha, que nunca existiu e sim no termo da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras. Permaneceu por um ou dois anos na fazenda Tucano, daquele termo, em casa de seus parentes capitão-mor Pedro de Sousa Rego e Maria Alves Vieira[12]. O nome da anfitriã indica parentesco que vai se estreitar com o casamento dos descendentes. Em 27 de março de 1727, o coronel Francisco Alves Feitosa e sua filha Ana Gonçalves Vieira vão ser padrinhos, em cerimônia de batizado realizada na referida fazenda Tucano, de uma menor por nome Jacinta; em 10 de agosto de 1728, na mesma fazenda, a mesma Ana Gonçalves Vieira vai ser madrinha de um filho dos anfitriões, por nome Alberto de Moraes Rego, desta feita com seu irmão[13] Victor de Barros.
Com o apaziguamento da situação voltou o coronel Francisco Alves Feitosa com sua família para sua fazenda denominada Cococi, no alto rio do Jucá, hoje cidade de mesmo nome. Ali, em 1740, pediu e recebeu licença para construir uma capela sob o orago de Nossa Senhora da Conceição, que foi concluída “em 1748, quando foi visitada por frei Manoel de Jesus Maria, que a achou boa para a celebração do culto”[14].
Enviuvando pela segunda vez, o coronel Francisco Alves Feitosa contraiu terceiras núpcias com Isabel Maria de Melo, viúva que ficara por morte de seu primeiro consorte, Cosme Ferreira da Silva (irmão do sargento-mor Francisco Ferreira Pedrosa). Desse consórcio não deixou descendência.
O coronel Francisco Alves Feitosa construiu um avultado patrimônio formado por cinco sesmarias e muitas boiadas de gado, que foi multiplicado com a morte de seu irmão comissário-geral Lourenço Alves Feitosa, de quem herdou todos os bens. Era esse o maior possuidor de sesmarias do Ceará, alcançando 22 datas de sesmarias. Fora casado com dona Antônia de Oliveira Leite, filha do sargento-mor Domingos Vaz Gondim, morador na cidade do Recife. Porém, o único filho do casal, coronel Lourenço Alves Penedo e Rocha, faleceu durante os conflitos em 1724, sem deixar descendência.
Faleceu o coronel Francisco Alves Feitosa em avançada idade, no ano de 1770, na povoação do Cococi, em cuja capela foi sepultado, deixando grande descendência e avultados cabedais. Seus bens foram partilhados amigavelmente pelos herdeiros e homologados por sentença exarada em 17 de junho de 1770. De seu primeiro casamento com Catarina Cardosa da Rocha Rezende Macrina, nasceram ao que se sabe seis[15] filhos: 1. Francisco Alves Feitosa, morto durante os conflitos de 1724; 2. Capitão-mor Pedro Alves Feitosa (2º), casado com Ana Cavalcante de Nazaré Bezerra; 3. Coronel Manuel Ferreira Ferro, casado com Bernardina Cavalcante Bezerra, irmã da precedente; 4. Josefa Maria Feitosa, casada com o sargento-mor Francisco Ferreira Pedrosa; 5. Ana Gonçalves Vieira, casada com o sargento-mor João Bezerra do Vale; 6. Maria Alves Vieira, casada com João Cavalcante de Albuquerque[16], morador nos Cariris Novos. De seu segundo casamento com Isabel de Montes Silva, sabemos apenas o nome de uma filha chamada Luzia.
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado com 35 anos de efetiva atividade profissional, cofundador e ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP), ex-membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, em duas gestões, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Autor de diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual (UFPI-ESAPI). Contato: [email protected]
[2] Sabe-se que alguns genealogistas têm procurado indivíduos com o nome Feitosa naquela vila portuguesa, não o encontrando por cuja razão tentam desacreditar essa origem. Obviamente, não vão encontrar ali indivíduos com esse apelido familiar e o encontrando, necessariamente não são parentes de João Alves, porque este somente adotou o apelido ao chegar ao Brasil. Ali, seus parentes são os Alves.
[3] Maria e Luzia.
[4] Pedro, Manoel, Josefa e Ana.
[5] Analisando novas fontes de pesquisa, o genealogista Venício Feitosa Neves desmente essa origem espanhola, indicando que esses irmãos eram filhos de João de Montes Bocarro, natural da vila de Penedo, em Alagoas; netos paternos de Jorge de Montes Bocarro e de sua esposa Paula Martins, sesmeiros da região de Banabuiú (NEVES, Venício Feitosa. O patriarca – Crispim Pereira de Araújo “Ioiô Maroto”. Cajazeiras (PB): Editora e Gráfica Real, 2016, p. 85 e 93).
[6] MONTE, Helvécio. Unitário, n. 2168, de 4.6.1916. In: FEITOSA, Leonardo. Tratado genealógico da família Feitosa. P. 15.
[7] Existe também a versão de que eles fugiram para o Ceará porque se envolveram na Guerra dos Mascates, que sacudiu as cidades de Olinda e Recife entre os anos de 1710 a 1711, durante a crise do açúcar brasileiro. Para se confirmar essa versão teria de se rever a outra de que eles chegaram ao vale do rio do Jucá em 1707 ou 1708.
[8] MARCELINO, Marcelo Henrique Feitosa. In: História & Genealogia. Postado em 26.3.2019. Pesquisa feita em 21.2.2023.
[9] FEITOSA, Leonardo. Tratado p. 14-15.
[10] FEITOSA, Leonardo. Tratado. P. 16-17.
[11] FEITOSA, Leonardo. P. 17-18.
[12] Francisco Alves Feitosa tinha uma filha de igual nome, que fora casada com João Cavalcante de Albuquerque.
[13] O parentesco dos padrinhos é indicado no termo de batizados. Provavelmente, Victor de Barros seria meio-irmão de Ana, isto é, enteado do coronel Francisco Alves Feitosa.
[14] FEITOSA, Leonardo. P. 18.
[15] MACÊDO, Heitor Feitosa. Inéditos sobre a parentela do coronel Francisco Alves Feitosa. In: Estórias & Histórias. Postado em 22.1.2013. Pesquisa feita em 21.2.2023.
[16] Filho de Antônio Cavalcante de Albuquerque e Semiana de Albuquerque, primos ente si, ambos da ilustrada geração dos Albuquerque, de Pernambuco.