CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE ESCRITORES E TEMAS CORRELATOS

CUNHA E SILVA FILHO

Nesta quarta-feria de spleen, embora compensada pela luz solar, pelo calor e pelo desejo de dar um passeio pelas belas praias cariocas, penso nas circunstâncias com que se deparam os escritores diante da página branca. Aliás o sintagma “página branca” já me levou a escrever um texto publicado em blogs e sites, o qual verti ao francês para publicação numa revista estrangeira para a qual colaboro há algum tempo, a Orizont Literar Contemporan (OLC) ,publicação romena sediada em Bucareste .

Há tempos, o ficcionista Ignácio de Loyola Brandão, que ficou famoso pelo romance Zero (1975)), ficção de, início, proibida pela Censura na ditadura militar e que, por isso, levou o autor a lançar sua primeira edição na Itália.

A palavra escrita tem um peso grande por ser capaz de suscitar reflexões valiosas social e culturalmente e, além disso, de mostrar a realidade de um povo ou uma visão do mundo, forjando mediante o concurso indispensável da linguagem literária, uma espécie de “realidade” mais densa e mais potente do que a realidade empírica, referencial ou comunicativa que nos cerca numa determinada contemporaneidade e se torna, assim, uma preocupação muito grande, por parte dos escritores, pelas consequências deletérias advindas de países nos quais vigoram regimes de força, totalitários, fascistas, comunistas (China, Coreia do Norte), “democracia de fachada”( Venezuela), autocratas (Rússia, Síria, Cuba, Hungria.

Ou seja. as ditaduras da direita ou da esquerda, para ficarmos nos dois extremos antípodas. Algo – diria mais - como um produto artístico refletindo universalmente o Zeitgeist. Isso ocorre desde épocas recuadas da História da Humanidade. Ninguém, já o disseram, escapa ao seu tempo em se tratando da produção artística nas suas diversas manifestações de formas e gêneros, a menos que seja alguém, no caso de escritores, por exemplo, dotado de um espírito totalmente avesso à sua contemporaneidade e se transporte artisticamente a um passado cultural e remoto. Isso ocorre, na esfera da obra literária, com escritores experimentalistas ou espíritos inclinados a cultivar um fase do passado como ocorreu, na história literária brasileira , com José Albano (1882-1923), ou, no caso de experimenalistas, por mero voluntário e habilidoso domínio de ludismo artísico ou mimético como os poemas trecentistas de Manuel Bandeira (1886-1968), com os vilancetes de Da Costa e Silva (1885-1950), entre poucos outros.

Retomando o que afirmei no início deste artigo, Loyola afirmou que o medo dele, no que tange à criação literária, é deixar de escrever, ou melhor ainda, é ser esquecido. Penso que foi mais ou menos isso que deixou escapar.

Esta preocupação ainda é maior quando um autor teoricamente não tem mais o que dizer. Constitui um problema grave a um autor que se defronta com duas situações complexas relacionadas a produzir textos: a primeira é o vazio que lhe traz ao espírito diante da possibilidade de dar continuidade ao ato de escrever.

A segunda é o pressuposto de que será esquecido na história da literatura, em nosso caso, a brasileira. Autores há que anunciam a seus leitores que já deram tudo de si no campo da criação estética, como o americano Philip Roth (1933-2018) Outros abandonam a literatura e se encaminham para atividades diversas, como é o caso de Raduan Nassar, , laureado autor de Lavoura arcaica (1975). Outros mais, sem interromper a atividade literária, passam a escrever menos e com menos vitalidade e nível de produção. Outros ainda há que escrevem até atingirem idades provectas. E, finalmente, outros, quer no país, quer no exterior, como Ernest Hemingway (1898-1961), que tinha verdadeiro pavor de perder a capacidade de criar novos livros.

Para os pesquisadores realizar uma ampla pesquisa nesta direção, i.e., saber das causas e das consequências de suas decisões oferece um campo vasto de estudos tanto estatísticos quanto de temas que exigem instrumentos de pesquisas em várias áreas epistemológicas, como a psicologia, a psiquiatria, a antropologia e a sociologia e a filosofia além da indispensabilidade de esferas literárias: teoria literária, historiografia, vida literária, linguística, nem mesmo dispensando investigações de natureza biográfica.

Do conjunto desses campos diversos ou correlatos e transdisciplinares podem ser apontados alguns caminhos direcionados a elucidar a produção de um autor ou autores num pais e em vários países, dependendo do recorte limitado ou irrestrito do corpus da pesquisa.

Como se vê, os objetivos a serem atingidos, pela sua amplitude, podem demandar não só um pesquisador, mas um conjunto de pesquisadores para uma direção comum reveladora de tantas indagações a serem assinaladas durante o período das pesquisas. Acredito que nessa arqueologia de campos de interesse comum para descobertas de novos conhecimentos na área da criação literária iluminarão seguramente motivos, causas e efeitos e responderão a tantas indagações e questionamentos sobre o fenômeno literário, a par de trazerem novas luzes sobre o que já se chamou de “mistério “ da criação literária.

Circunstâncias múltiplas literárias ou extraliterárias estarão imbricadas no macro-tema da produção, continuidade ou descontinuidade da produção literária, as quais responderão a perguntas como, entre outras, as seguintes:

1) A influência do meio familiar na vida de um escritor;

2) Sua formação educacional e acadêmica;

3) Sua saúde física e mental;

4) Suas leituras escolhidas ou sugeridas por outros;

5) Sua vida social e familiar, suas amizades no campo literário ou fora dele;

6) Suas idiossincrasias;

7) Sua preferência ideológica, religiosa (ou não religiosa) e filosófica

Sua vida amorosa e situação conjugal;

9) Sua condição de vida;

10)As mudanças que, com o tempo, se verificaram na sua condição de autor e que interferiram, sem dúvida, na sua escrita;

11) Sua receptividade junto ao leitor;

12) Sua visibilidade na condição de autor.

As considerações acima me foram inspiradas diante da multiplicidade de autores, uma verdadeira enxurrada (não contando com os estrangeiros) que apareceram nos últimos anos e, junto deste fato, se associam as enormes dificuldades de se estudar literatura em tempos de inteligência artificial. Haja robotização para as gerações mais velhas ou melhor, acompanhando o pensamento de uma escritora francesa, de “tempos bíblicos” como os nossos.