Considerações Vãs




Rogel Samuel




Liberdade é o famoso poema de Sophia de Mello Breyner Andresen,que diz:

O poema é
a liberdade

Um poema não se programa
porém a disciplina
-sílaba por sílaba-
o acompanha

Sílaba por sílaba
o poema emerge
-como se os deuses o dessem
o fazemos

Antes de examinarmos o poema, escreveu Lênin que: «em uma república burguesa, ainda que na mais livre e democrática, a "liberdade" e a "igualdade" nunca puderam ser nem foram outra coisa senão a expressão da igualdade e da liberdade dos possuidores de mercadorias» («Aliança operário-camponesa». Rio, 1961, pág. 486).

Por «possuidores de mercadorias» entendemos os proprietários dos bens de capital. A velha burguesia.

Minha citação vem do mestre Nelson Werneck Sodré, «Fundamentos do materialismo histórico» (Rio, Civilização Brasileira, 1968).

Recebi de Nelson Werneck Sodré uma carta, a propósito do meu livrinho «Como curtir o livro» O que é Teolit? (Rio de Janeiro/ São Paulo. Editora Marco Zero, 1986. 53 p).

Ele aceitou o convite do sindicato para dar uma palestra (quase secreta) na nossa Faculdade de Letras da UFRJ. No fim lhe passei meu livrinho, com dedicatória e endereço.

Hoje, o que disse Lênin parece óbvio.

Mas será?

No texto citado, Lênin diz da liberdade e igualdade da classe dos proprietários, isto é, da burguesia.

Porém o conceito de liberdade mostra ser político. Um conceito de poder.

Só há liberdade quando houver liberdade política, igualdade de condições.

A liberdade política pressupõe democracia, partido político.

Hegel: "A necessidade não é cega senão na medida em que não é compreendida".

Interpretava Engels essa afirmação dizendo que a liberdade consiste "nessa soberania sobre nós mesmos e sobre o mundo exterior, fundada no conhecimento das leis necessárias da natureza".

O reinado da necessidade se resume num aprisionamento, limitação.

Ausência do consumo «inútil». Como a arte.

A grande e gloriosa invenção do capitalismo se manifesta em consumir o inútil. Invenção e conseqüência.

A classe que esteja condenada a consumir apenas a necessidade de sobrevivência está excluída dos bens consumo, daquela sociedade que gera capital e crescimento econômico. Não tem liberdade.

Mas não nos libertamos de uma sociedade divida em classe no Brasil.

A liberdade é a necessidade que toma consciência de si (Plekhanov).

Todo pensamento de Hegel se funda na filosofia da consciência de si.

«Cada passo dado na senda da cultura representa um passo dado na rota da liberdade» (Engels: Anti-Dühring. pág. 139).

A «liberdade» e a «igualdade» expressam a igualdade e a liberdade da classe que tem «consciência de classe», na ressonância da consciência de si.

A arte, que também se expande no espaço da liberdade, manifesta esta consciência que uma sociedade tem de si mesma.

O poema é
a liberdade

A liberdade aqui é a forma que se ajusta em si, que tem « consciência de si», e portanto é assim como é, ou seja, não se ajusta a algo que não seja. É o nascimento e manifestação espontânea da matéria.

O poema é espontaneamente livre.

Um poema não se programa
porém a disciplina
-sílaba por sílaba-
o acompanha

Ou seja: já nasce na sua disciplina interna.

«O poema deve ser, não significar», disse Macleish.

Faz a arte a mimese do distanciamento estético, intensifica a percepção, distorce propositalmente a realidade, tenciona o discurso com suas promessas de liberdade - o reflexo da sociedade.

Só o poema é livre.

A liberdade social fica além do muro da mimese, num eterno devir, conquista permanente: toda liberação aparece como algo que, uma vez conseguido, logo perdido, para iniciar-se uma nova fase de trabalho de conquista, não da liberdade passada, mas da nova dimensão da liberdade por vir, pois o ser livre não é algo estático, mas dinâmico.

Não se dá na reintegração do que se perdeu, mas na integração do que antes não havia.

Por isso na arte da cultura brasileira se vê que a «liberdade» e a «igualdade» nunca puderam ser conseguidas para todos, mas continuam sendo expressão da igualdade e da liberdade burguesa.

A liberdade não é fazer o que se bem entende, mas ser responsável por seus atos.