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 Não é morrer que me dói. O que me dá tristeza é ficar morto.

Mia Couto

Senhores passageiros, por favor, coloquem suas poltronas na posição vertical e prendam seus cintos de segurança. Em alguns momentos estaremos iniciando os procedimentos para a decolagem - pelos alto-falantes da aeronave uma voz, educada e calma, se fez ouvir.

Ninguém se atreve a questionar essa norma. Ao contrário. Até os mais rebeldes seguem as instruções à risca. Afinal, nenhum debate é necessário quando se trata da nossa sobrevivência. Em poucos minutos perderemos o contato com aquele que sempre foi o nosso referencial: o chão. Ficaremos presos e isolados dentro de um tubo de metal com formas aerodinâmicas e cruzaremos, pelo ar, rios, mares, lagos, montanhas e cidades. Estaremos totalmente à mercê de homens, encerrados dentro de uma cabine minúscula, repleta de equipamentos estranhos e complicados. Quem, então, se atreveria a contrariar aquela voz tão meiga e tranquila?

Começa aqui a grande aventura humana: voar.

No entanto, um pequeno detalhe ficou de fora: o medo. O friozinho na barriga quando o avião começa a taxiar, prenúncio, quem sabe, de uma grande crise de pânico. O que fazemos com isso?

Alguns, com certeza, acharão muita graça, acusando-nos de covardes e ignorantes. Por acaso não sabemos que voar é um dos meios de transporte mais seguros à nossa disposição? As estatísticas não têm comprovado que morrem mais pessoas nas estradas todos os dias do que em possíveis quedas de aviões? Eu sei. Nós, os covardes e os ignorantes, sabemos.

Contudo, o que aqui está envolvido não é a razão, mas o medo instintivo de estarmos fazendo algo antinatural. Algo para o qual não fomos projetados. É difícil lutar contra o sentimento de que o nosso lugar não é a vários metros de altura. É difícil lutar contra a sensação de que se aquele tubo de metal despencar dos céus nossas chances de sobrevivência serão praticamente nulas. É muito difícil!

E os acidentes de trânsito? Neles não morrem milhares de pessoas todos os dias? Sim, é claro, mas, se pensarmos bem, eles estão mais associados à imprudência e à falta de respeito às leis do que a alguma falha mecânica. Durante uma viagem de avião, tudo pode acontecer, desde um mau funcionamento dos trens de pouso, até as turbinas “resolverem” pegar fogo. É preciso concordar que todas essas situações estão totalmente fora do nosso controle. Elas nada têm a ver com a ausência de bom senso ou do não-cumprimento das leis. Em outras palavras, enquanto que dirigir de forma segura e consciente é mais um assunto educacional, voar é uma questão tecnológica. E com isso não estou querendo dizer que não existem comandantes irresponsáveis ou mal-formados, mas temos de concordar que são em menor número quando comparados aos motoristas desajuizados que trafegam por nossas rodovias.

Sei que minhas palavras só estão piorando o medo daquelas pessoas que detestam voar. Considero, no entanto, injusto os rótulos – de covardes ou ignorantes – impostos àqueles que não se sentem à vontade dentro de um avião. Do mesmo modo, não estou defendendo a abolição da navegação área, seria ridículo de minha parte. Só estou dizendo que o medo de voar tem razões perfeitamente plausíveis e justificáveis. Razões que nada tem de objetivas e lógicas.

Por esse motivo, sinto muita inveja daqueles indivíduos que, pelo menos aparentemente, não se deixam abalar durante uma inesperada arremetida. Da mesma forma, sinto inveja da calma e tranquilidade mantida por muitas pessoas durante uma turbulência – algumas, inclusive, lendo seus livros e revistas, como se nada de anormal estivesse ocorrendo. No entanto, sinto igualmente pena daqueles que, na ausência de um saco para vomitar (como ocorreu em um vôo de Buenos Aires para Porto Alegre no qual estive presente) se veem na humilhação de fazê-lo dentro da bolsa de suas namoradas ou companheiras de poltrona. São sentimentos razoáveis para quem, apesar de acreditar nas conquistas tecnológicas da humanidade, ainda se deixa dominar por instintos perfeitamente naturais.

Eu assumo: tenho medo de voar. Não é uma experiência que gosto de repetir com frequência. Todavia, entendo que o medo deve ser, na medida do possível, controlado. Perigos existem em todo o lugar, e se nos deixarmos levar pelo medo, estaremos, em breve, retornando à Idade da Pedra. Aliás, o que não é nenhum consolo. Afinal, nos tempos pré-históricos os perigos também eram inúmeros e terríveis. Não havia aviões, mas em seu lugar podíamos encontrar tigres de dentes-de-sabre furiosos e famintos.

Enfim, se formos ser absolutamente sinceros, o medo de voar nada mais é do que a manifestação de um outro medo bem maior: o medo de morrer. É como diz Woody Allen, na sua maneira irônica de ver a vida, “Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer”. Entretanto, todos sabem – mesmo que não nos agrade falar sobre isso – que morrer, assim como viver, faz parte do curso natural da vida. O problema está em compreendermos e aceitarmos esse fato como natural, independente de estarmos no chão ou no ar. Portanto, senhores passageiros, apertem os seus cintos, coloquem suas poltronas na posição vertical, relaxem, rezem, mas lembrem que tudo na vida pode durar apenas um segundo. Aproveitem, então, o passeio e tenham uma boa viagem.