Cônego João de Sousa Martins
Por Reginaldo Miranda Em: 29/04/2022, às 07H30
Reginaldo Miranda[1]
Foi um influente vigário, de real prestígio que atuou na província do Piauí durante a fase imperial.
Nasceu João de Sousa Martins, na cidade de Oeiras, em 1814, filho ilegítimo, como então se dizia, do brigadeiro Manuel de Sousa Martins, Barão, depois Visconde da Parnaíba, presidente da província do Piauí por largos anos, e de sua companheira Mariana Joaquina Barbosa, ambos naturais da mesma freguesia de Nossa Senhora da Vitória da cidade de Oeiras. Foram seus avós paternos o açoriano radicado naquele termo, Manoel de Sousa Martins, o velho, e sua esposa Ana Rodrigues de Santana, filha esta do português Valério Coelho Rodrigues e de D. Domiciana Vieira de Carvalho, todos pioneiros na colonização do Piauí. Os avós maternos eram também naturais de Oeiras, Francisco Vieira de Sá e Josefa Maria do Espírito Santo, como os demais ancestrais “todos brancos, de boa geração e católicos romanos”[2], diria o reverendo cura da catedral do Maranhão, Francisco José Pereira.
Foi batizado em 6 de abril de 1815, com um ano de idade, pelo vigário Frei Francisco da Conceição Ferreira, recebendo por padrinhos o meio-irmão Raimundo de Sousa Martins e a padroeira Nossa Senhora da Vitória, de cujo termo de batizados foi extraída a seguinte certidão:
“Certifico em como revendo os livros, que servem para neles se lançarem os assentos dos batizados desta Matriz, em um deles à folha duzentos e trinta, achei o de que faz menção o requerimento supra, e é da maneira seguinte: – Aos seis dias do mês de abril do ano de mil oitocentos e quinze, nesta Matriz de Nossa Senhora da Vitória da Cidade de Oeiras do Piauhy, pelo Reverendo vigário que então era Frei Francisco da Conceição Ferreira, foi batizado solenemente com imposição dos santos óleos João de Sousa Martins, filho natural de Dona Mariana Joaquina Barbosa, solteira e moradora nesta Cidade, sendo seus Padrinhos o Capitão Raimundo de Sousa Martins, casado e morador na Fazenda da Tranqueira, desta freguesia, e por devoção Nossa Senhora da Vitória; o que tudo me constou por um assento feito por letra do mesmo vigário, que apareceu envolto em um livro em papel separado, além de procederem às formalidades da lei; e para constar mandei lançar o presente assento. Eu, Carlos José Martins Pindaíba, escrivão da visita o escrevi. O visitador José Monteiro de Sá Palácio. E nada mais continha em o referido termo, que fielmente copiei, e ao qual me reporto. Oeiras do Piauhy, sete de outubro de mil oitocentos trinta e sete. Frei Simeão da Rainha dos Anjos – Pro Parocho”[3].
Desde muito moço mostrou pendores para os estudos. Alcançando a idade escolar foi mandado para a escola de Boa Esperança, cursando o ensino primário com o afamado mestre Marcos de Araújo Costa, que era padre e primo de seu genitor. A facilidade com que aprendia as lições e avançava no conhecimento surpreendeu ao mestre e aos familiares.
No entanto, à medida em que avançava nos estudos também demonstrava vocação para a vida sacerdotal, fato logo percebido pelo preceptor. Concluídos os estudos em Boa Esperança, foi mandado para o seminário em São Luís do Maranhão, onde prosperou nas lições de Latim, Retórica, Filosofia, Teologia e outras disciplinas ministradas aos futuros sacerdotes. Alcançou as Ordens Menores e Sacras até o Presbitério em 21 de agosto de 1838, quando submeteu-se às necessárias habilitações de genere. No requerimento para abrir esse processo, assim se expressou:
“Diz João de Sousa Martins, natural e batizado na freguesia de N. S. da Vitória da cidade de Oeiras, filho ilegítimo de Manoel de Sousa Martins, Barão da Parnahiba, e D. Mariana Joaquina Barbosa, naturais e moradores na sobredita freguesia de Oeiras; neto pela parte paterna de Manoel de Sousa Martins e D. Ana Rodrigues de Santa Ana; e pela materna de Francisco Vieira de Sá e D. Josefa Maria do Espírito Santo, que ele suplicante tem vocação de servir a Deus no estado sacerdotal; o que não pode conseguir sem habilitar-se de genere neste Bispado”[4].
Depois de ordenado retorna à cidade de Oeiras, onde assume a paróquia de Nossa Senhora da Vitória. Passou a ser o anteparo do velho genitor, que vivia o declínio político. Estabelece sua morada em um sobrado defronte à igreja matriz, na Praça da Vitória, por aquele construído para morada do filho dileto. Em 1840, foi nomeado vigário-geral forense do Piauí, em cujo exercício permanece até o fim de sua existência.
Por influência paterna filia-se ao Partido Liberal, por cuja legenda foi eleito deputado provincial para as legislaturas iniciadas nos anos de 1840, 1842 e 1844. Em 19 de dezembro de 1847, foi eleito eleitor da paróquia de N. Sra. da Vitória, para o colégio eleitoral[5]. Pelo decreto n.º 4.856, de 30 de dezembro de 1871, foi nomeado presidente da comissão censitária de sua paróquia, cujos demais membros eram: tenente-coronel Manoel Ignácio de Araújo Costa, major Jeremias José da Silva e Mello, tenente-coronel João Baptista Pereira Ferraz e o capitão João Damasceno Ferreira[6]. De fato, teve expressiva participação na política oeirense e do Piauí, ajudando a eleger diversos parentes e correligionários, somente afastando-se depois do óbito do genitor. Por esse tempo, sofre terrível acusação de ter participado intelectualmente do assassinato do padre Manoel Quintino de Brito, de que fora executor o réu José Victorino de Souza, em 14 de abril de 1845. O fato foi assim anunciado em um jornal do Ceará:
“No Piauhi foi executado um dos assassinos do padre Manoel Quintino de Brito. No dia antecedente ao da execução mandou o penitente chamar ao pai do dito padre e confessou ser com efeito ele um dos matadores; que o finado capitão Theodoro Pereira de Castro escolhera no quartel a ele, e a dois companheiros, levou-os à casa do conde do Rio Pardo, então presidente, e disse-lhe que estão prontos os homens para a diligência; e perguntando o conde se eram capazes; respondera, que sim dizendo então o conde, que os mandasse, e saindo o referido capitão declarou-lhes; que a diligência era matar o Padre Manoel Quintino, Tibério César Burlamaque, e José Maurício da Costa Pestana, e que quem mandava era o presidente da província, o visconde da Parnahiba, e o vigário João de Sousa Martins. Não sabemos, que peso terão merecido para as justiças da cidade de Oeiras tão importantes declarações; e se se tornaram dignas de crédito pela coincidência de circunstâncias, que ignoramos; mas em todo o caso não são para desprezar sendo tais declarações feitas na ocasião em que estas o foram”[7].
De fato, o assunto não teve grande repercussão na esfera forense, mas em face dos ataques na imprensa mereceu a seguinte nota veiculada no jornal Echo liberal:
“O Exmo. Sr. Visconde da Parnahiba, e seu filho o Cônego João de Sousa Martins, a quem quiseram envolver na morte do Padre Manoel Quintino, como Pilatos no credo, nunca procederam assim para com o executado, são homens probos, cidadãos pacíficos, e de uma conduta irrepreensível, por conseguinte não haviam de começar na carreira do crime pelo assassinato de um indivíduo, a quem o primeiro havia suprido na Província do Maranhão por ordem de seu pai, dado cartas de favor para sua ordenação, se achava ligado em parentesco espiritual por ser seu padrinho, e tinha feito Deputado Provincial; e o segundo tinha sido seu companheiro de morada naquela Província, colega nos estudos e dedicando-lhe amizade, e além disso não se achava aqui quando houve o delito, e sim de viagem para a indicada Província, onde o esperavam desde 1844, assim como se pode mostrar com documentos que não se negam a apresentar-se, de um indivíduo com que não tinham alguma intriga; pelo que escudados em sua inocência vivem com sua consciência tranquila, e de nada se receiam; mas se em despeito de tudo isto tiverem de sofrer alguma violência contam em seu favor com uma família numerosa e amigos dedicados”[8].
Ficou por aí a acusação e a resposta, em nada abalando o prestígio do cônego entre os seu rebanho católico.
Em 1850, o cônego João de Sousa Martins era qualificado como vigário colado de Oeiras, cavalheiro do hábito de Cristo e cônego honorário da Capela Imperial[9]. Era também vigário-geral forâneo da província do Piauí, com as atribuições de promover e coordenar a atividade pastoral, fiscalizar a atividade dos clérigos e zelar pelas atividades pastorais de sua circunscrição, dentre outras atribuições. Em 1875, foi também agraciado com a comenda da Ordem da Rosa, no grau cavaleiro, em atenção aos relevantes serviços prestados por ocasião do recenseamento da população do Império, na província do Piauí[10].
O presidente do Instituto Histórico de Oeiras, Júnior Viana, tem se interessado pela vida deste respeitado sacerdote piauiense, pesquisando na imprensa e publicando algumas interessantes crônicas sobre o cotidiano de sua atividade apostolar na velha Oeiras, ressaltando as disputas políticas e a concorrência das bandas musicais nas celebrações litúrgicas, dentre outros assuntos.
Para complementar o quadro, é interessante ressaltar uma nota veiculada no jornal A Imprensa, em 1870, por ocasião do fim da Guerra do Paraguai:
“Em Oeiras, o respeitado e honrado cônego – vigário João de Souza Martins no dia 12 de maio, às 5 horas da tarde, celebrou o TE-DEUM solene pela conclusão da guerra, fazendo o digno sacerdote todas as despesas à sua custa. Houve grande concorrência de pessoas de todas as classes, convidadas anteriormente pelo referido vigário.
‘Compareceu a câmara em corporação, todos os funcionários públicos, e uma guarda de honra.
‘O reverendo Sr. cônego João de Souza Martins não poupou esforços para tornar brilhante e pomposo o festejo religioso, que ele promoveu e realizou pela conclusão da guerra em que o país se achava empenhado.
‘E, como, o respeitável sacerdote é geralmente estimado em a freguesia de sua jurisdição viu coroados de excelentes resultados os seus esforços”[11].
Em 8 de janeiro de 1873, através de lei provincial foi ele autorizado a restabelecer e reedificar, às suas expensas, o cemitério que fica atrás da igreja matriz de N. Sra. da Vitória, na cidade de Oeiras, para servir de jazigo aos fiéis.
Faleceu o cônego João de Sousa Martins, em sua residência na cidade de Oeiras, em 1º de fevereiro de 1876, por volta de dezessete horas, vítima de febre tifoide, depois de três dias de padecimento, com a idade de 62 anos. A notícia de seu óbito, foi assim anunciada:
Falecimento – No dia 1º do corrente faleceu em Oeiras o digno e respeitável parocho cônego João de Souza Martins, vítima de uma febre tífica, dentro de três dias, sem obedecer a nenhum remédio.
‘O venerando pastor, distinto por suas virtudes cívicas como pelo zelo com que exercia o seu sagrado ministério, era ali um obreiro incansável da religião cristã.
‘Alheio às lutas partidárias – bem que filiado ao partido liberal desde os primeiros anos – era geralmente acatado por seus parochianos.
‘A seus dignos irmãos nesta capital, e a todos os seus parentes, dirigimos sentidos e sinceros pêsames”[12].
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual, foi membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, da Comissão de História, Memória, Verdade e Justiça, assim como cofundador e presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Representa a OAB-PI na composição da Comissão de Estudos Territoriais do Estado do Piauí – CETE (17.2.2021 – 31.1.2023). É membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
[2] Autos de habilitações de genere do habilitando João de Sousa Martins. Processo n.º 1823 – Câmara Episcopal de São Luís do Maranhão – Ano 1838.
[3] Autos de habilitações de genere do habilitando João de Sousa Martins. Processo n.º 1823 – Câmara Episcopal de São Luís do Maranhão – Ano 1838.
[4] Autos de habilitações de genere do habilitando João de Sousa Martins. Processo n.º 1823 – Câmara Episcopal de São Luís do Maranhão – Ano 1838.
[5] O Governista, 31.12.1847.
[6] O Piauhy, 8.6.1872.
[7] O cearense, 30.5.1850.
[8] O echo liberal, 21.3.1850.
[9] A voz da verdade, 18.6.1849.
[10] Publicador Maranhense, 9.3.1875.
[11] A Imprensa, 25.5.1870.
[12] A opinião conservadora, 12.2.1876.