Cônego Antônio Borges Leal
Por Reginaldo Miranda Em: 19/09/2020, às 09H06
Reginaldo Miranda*
Entre os sacerdotes piauienses de maior projeção no período colonial figura o cônego Antônio Borges Leal[1] e não Antônio Borges Leal Castelo Branco, como quer o seu parente e biógrafo Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco. Nascido em 1742, na fazenda São Pedro, antiga Lagoa, que então pertencia à freguesia de Santo Antônio do Surubim, hoje termo de Campo Maior, depois passando à freguesia de Nossa Senhora do Livramento, que deu origem à cidade de José de Freitas. Era filho de dona Clara da Cunha e Silva Castelo Branco[2], a segunda do nome, e de seu marido João Borges Leal, natural da cidade de Sergipe del Rey, no arcebispado da Bahia; neto materno do comissário de cavalaria Manuel Carvalho de Almeida, natural de Videmonte, freguesia de São João Batista, termo da vila de Linhares, bispado da Guarda, em Portugal e de dona Clara da Cunha e Silva Castelo Branco, primeira do nome, esta natural da cidade da Paraíba do Norte[3], hoje João Pessoa, filha de dona Maria Eugênia de Mesquita e de seu consorte Dom Francisco de Castelo Branco, nobre português, irmão do 2º conde de Pombeiro; neto paterno do capitão Mathias Leal, natural da vila de Sintra, do patriarcado de Lisboa, e de sua esposa Antônia Borges Marim[4], natural da sobredita freguesia da cidade de Sergipe del Rey, onde se casaram e foram moradores.
Como naquela época o Piauí não tinha escola regular foi alfabetizado na casa paterna, pelos genitores como acontecia com todas as crianças de famílias abastadas. Às vezes essa alfabetização era complementada pelo padre da freguesia e raramente por outros mestres convidados. As crianças de menor poder aquisitivo permaneciam no mais completo analfabetismo.
Destinado à vida eclesiástica foi mandado para o Seminário de São Luís do Maranhão, ali matriculando-se em 1756, aos 14 anos de idade. No entanto, depois de três anos de proveitosos estudos foi surpreendido com a infausta notícia da morte de seu genitor, ocorrida em 20 de setembro de 1759, mesmo dia em que na vila da Mocha, depois cidade de Oeiras, o governador João Pereira Caldas tomava posse do cargo e instalava solenemente a capitania do Piauí. Então, a chamado da inconsolável genitora deixou os estudos e partiu para a fazenda natal, onde chegou a 23 de dezembro daquele ano, permanecendo ali por três meses confortando a matriarca que se desmanchava em lágrimas. Retornou aos estudos no seminário somente em 25 de março do ano seguinte, porque o período coincidiu com as férias escolares, assim retomando seus estudos de Filosofia, Teologia e outras disciplinas da grade curricular. Contudo, antes de sua conclusão outra dor atroz voltou a abater seu coração, esta no ano de 1765, quando emissário da fazenda traz a notícia de que a cruel parca também abatera a sua amada genitora. E, assim, mesmo com o coração dilacerado pela dor prossegue nos estudos concluindo-os em janeiro de 1767, quando recebe as ordens sacras.
Depois de ordenado sacerdote, ainda ávido por conhecimento ruma para o reino onde se demora por quase onze anos, a fim de aprimorar os estudos. Então, matricula-se no curso da Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, em 1º de outubro daquele ano, cometendo assim um feito inédito, pois fora o primeiro filho do Piauí a estudar naquele grande centro de ensino do mundo lusitano. Concluiu esse novo curso em 1771[5], depois de quatro anos de estudos, sendo assim o primeiro piauiense[6] que alcançou o bacharelato em Cânones na Universidade de Coimbra.
Concluídos esses estudos em Coimbra ainda se demorou em Portugal por mais seis anos, informando o seu indicado parente e biógrafo que ele somente retornou ao Brasil no ano de 1777. Certamente, durante esses anos exerceu a sua missão sacerdotal e pregou o Evangelho pelas capelas e igrejas que medeiam entre Coimbra e Lisboa. Nomeado cônego da importante Sé da Bahia, responsável pelas funções litúrgicas mais solenes, para ali se dirigiu e tomou posse do cargo naquele referido ano de 1777, demorando-se mais de quarenta anos nesse exercício sacerdotal.
Senhor de vasta cultura humanística, grande pregador e líder nato, com o tempo assumiu o lugar de Deão[7] da Santa Igreja Metropolitana da Bahia, assim, presidindo o cabido[8], ou seja, o conjunto de clérigos da catedral. Porém, com a morte do arcebispo D. fr. Francisco de São Dâmaso Abreu Lima, em 18 de novembro de 1816, foi o cônego Antônio Borges Leal eleito pelo referido cabido para vigário capitular[9] responsável pela administração da Arquidiocese da Bahia, no que se houve com zelo e competência. Sobre o óbito do arcebispo e eleição do biografado, assim anotou o padre Maurílio César de Lima, em tese de doutorado:
“À sua morte quase repentina[10], o cabido elegeu um vigário-capitular, dentro do tempo hábil, aclamando o nome do provecto decano Antônio Borges Leal, que logo escreveu ao núncio – uma carta cheia de respeito, pedindo-lhe a comunicação clara e especificada de faculdades semelhantes às do Brasiliae Antistibus, referindo-se também à Cum ad calcem formulae, tudo submisso ao beneplácito de Calepp[11].
‘O núncio felicitou-se por sentir daquela vez premiado na Bahia o certame pelo Tridentino, empreendido anos atrás, com o mais precário sucesso, ali mesmo e em Pernambuco. Concedia ao deão o pleno uso das faculdades da circular, prometendo pronto despacho para as outras, que deveriam ser suplicadas em cada caso, e pedia informações sobre o edital da Congregação dos Regulares, transmitido ao defunto arcebispo. Portanto, iniciavam-se satisfatoriamente as relações entre a sede vacante bahiana e a legacia”[12].
No entanto, embora tenham aumentado suas obrigações com a nova eleição, não recebeu aumento de vencimentos, razão pela qual formula pleitos à Sua Majestade. O despacho datado de 15 de julho de 1818, lhe foi favorável, assim se iniciando:
“Foi ouvida a Mesa da Consciência e Ordens sobre o requerimento de Antônio Borges Leal, Deão da Sé da Bahia, expondo que, sendo eleito canonicamente Vigário Capitular, e carregando com o governo do Arcebispado desde Novembro de 1816 com bastante trabalho e incômodo próprio, nada absolutamente percebe em recompensa disso, pois até de suas assinaturas é privado, com o pretexto de serem reservadas para o futuro Prelado ...[13]”.
Foi, assim, enfeixando todos esses poderes na hierarquia da Igreja, vivendo o ápice de sua carreira sacerdotal, que deu alma ao Criador no ano de 1820, com 78 anos de idade, já velho para os padrões da época. Foi sepultado na cidade de Salvador, onde residia há 43 anos.
No entanto, um fato que foi enfatizado por seu primeiro biógrafo foi o acendrado amor às origens, sempre visitando a fazenda natal quando as circunstâncias permitiam. Essas viagens serviam para orientar os familiares, e sempre que possível encaminhando nos estudos alguns sobrinhos. Foi o caso de Joaquim de Sousa Borges Leal Castelo Branco e Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, que os levou consigo para a Bahia, depois os encaminhando para estudarem em Portugal, sendo que o segundo alcançou o bacharelato em Direito pela Universidade de Coimbra. Outro aspecto que merece relevo foi a dedicação que teve à capela de Nossa Senhora do Livramento, situada na vizinha fazenda Boa Esperança, construída e mantida por seus ancestrais e parentes colaterais. Também ele, mantendo a tradição de sua ilustrada família, fez-se desta capela grande benfeitor. Para concluir sua construção, enviou da Bahia um experimentado pedreiro, para quem adiantou algum recurso, sendo o pagamento complementado pelos herdeiros de seu tio Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, que também muito se interessava pelo mesmo templo. Por todos esses relevos de personalidade, o nome do cônego Antônio Borges Leal merece figurar em nossa galeria de piauienses notáveis.
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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]
[1] Embora seja descendente direto da família Castelo Branco, assinava apenas com o nome do genitor.
[2] Em alguns registros aparece Clara de Castelo Branco Cunha e Silva.
[3] Ao contrário de suas duas irmãs mais velhas, que nasceram em Lisboa. O local de seu nascimento, assim como dos demais familiares indicados nessas notas, consta em seus respectivos assentos, possuindo, assim, base documental, motivo pelo qual desprezamos as informações secundárias em contrário.
[4] Provavelmente, filha do coronel Antônio Borges Marim.
[5] A matrícula no quarto e último ano letivo deu-se em 1.10.1770 (PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/000487).
[6] Mais tarde mandaria um sobrinho estudar naquela universidade, Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, o primeiro piauiense a formar-se em Direito naquele grande centro de ensino.
[7] Deão de um Cabido é o eclesiástico que o lidera, ou como o mais antigo na posse, ou como o mais eminente em dignidade.
[8] Denomina-se Cabido da Sé, o corpo de dignitários eclesiásticos e cônegos, a quem cabe no essencial assegurar o culto e a administração da Sé Catedral e rendas da Mesa Capitular. Deve também coadjuvar os Bispos no governo da diocese e assumir o governo da diocese em caso da Sé Vaga.
[9] Padre eleito pelo cabido para responder pela (Arqui)diocese durante vacância por óbito ou remoção do titular.
[10] Do referido Bispo da Arquidiocese da Bahia.
[11] Lourenço Caleppi, Primeiro Núncio no Brasil (1808 – 1816).
[12] LIMA, Murílio César de. Metropolitanismo e Regalismo do Brasil, durante a Nunciatura de Lourenço Caleppi. Tese doutoral na Faculdade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Gregoriana.
[13] Coleção Leis. Índice das decisões de 1818.