Como ler um escritor

Vinicius Jatobá 

Como Ler um Escritor, do crítico literário estadunidense John Freeman, é um livro estranho: começa confessional, com um prefácio em que ele entrecruza os acontecimentos de sua própria vida – faculdade, divórcio, família – com aquilo que aprendeu sobre esses mesmos problemas e impasses lendo a obra do romancista John Updike.

Há uma tocante beleza ingênua no texto inicial, em que um leitor amoroso vai incorporando como sua própria experiência as vivências ficcionais das personagens criadas pelo escritor que admira. Longe de um relato de solidão, é uma confissão de povoamento – de como os livros de Updike tornaram-se o fomento de sua subjetividade, acompanhando-o e nutrindo-o de provocações e esperanças. Mais que um crítico, o prefácio sugere um escritor.

O livro que segue apenas confirma essa suspeita. A abordagem de Freeman é abertamente especulativa e ficcional: longe de resenhas e críticas convencionais, o olhar de Freeman busca encontrar nos gestos do escritor consagrado elementos de formação: de onde vieram e a relação que tiveram com livros, como suas vidas familiares e afetivas influenciaram os temas das obras, como lidaram com pressões políticas e, em alguns casos, extremo exílio, e até quem são como pessoas além da mitologia que conseguiram e que os consagraram.

São peças de jornalismo completamente namoradas do espanto em que Freeman não se concentra em consagrar as obras, todas já demasiadas reconhecidas, traduzidas e premiadas, mas tenta entender quem as escreveu, em quais circunstâncias e com quais finalidades.

A grande qualidade do livro é que a prosa de John Freeman não disfarça os sentimentos que o crítico sentiu diante dos escritores. Há genuína admiração diante de escritores como Ngugi wa Thiong’o, Wole Soyinka e Nadine Gordimer, que sofreram acoites medonhos em sistemas ditatoriais na África, assim como um palpável respeito diante de autoridade política de vozes como de Mo Yan, Imré Kértesz e Orhan Pamuk.

Freeman desfia ironia macia quando conversa com vultos culturais como Toni Morrison e Norman Mailer, de estatura monumental, mas torna-se extremamente pedestre e vernacular com David Foster Wallace e Jonathan Franzen. Com Michael Ondaatje e David Mitchell há curiosidade técnica, mas já com Kazuo Ishiguro e Salman Rushdie parece mais interessado em entender como vivem suas vidas literárias</CW>.

O único ponto negativo do livro é sua limitação natural àquilo que o mercado editorial de língua inglesa publica. John Freeman foi editor da prestigiosa revista inglesa Granta e, além de internacionalizá-la com edições em diversos países, investiu em tradução apresentando assim escritores de diversas latitudes aos leitores de língua inglesa. Ainda que ricos e matizados, os 55 textos de Como Ler um Escritor acabam vítimas dessa falta de variedade editorial inglesa de línguas e de culturas que o próprio Freeman tentou sanar enquanto editor da Granta.

 


* Vinicius Jatobá é crítico literário

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