Como comecei a escrever

Marcelo Maluf

 
Comecei a escrever depois que fiquei trancado, por uma noite, na biblioteca municipal da pequena cidade onde nasci. Eu tinha 11 anos e os livros me atraíam de maneira irracional. O objeto em si me fascinava antes de saber da potência das palavras contidas nele. Naquela madrugada os livros me serviram de travesseiro e cobertor, me deram abrigo e contaminaram o meu corpo; foi a minha primeira polução noturna. Primeiro a biblioteca foi meu refúgio, depois lugar de mistério em busca do enigma de ser. Minha paixão pelas palavras é física, minha imaginação está na pele e nos músculos, minha respiração capta os hiatos, os silêncios que podem significar mais do que qualquer significado aparente. Não sinto a literatura como algo simplesmente mental, as palavras são minha tentativa espiritual de me comunicar com os primeiros contadores de histórias, o invisível real e presente. Nesse sentido, a palavra é reveladora e só consigo contar uma história na atitude vital da escrita, e só consigo saber o que escrevo enquanto escrevo, tenho muitas vezes a sensação de espanto ao descobrir o caminho que se vai construindo, os saltos e saídas de um texto, o desejo de um personagem. A palavra que transforma, deforma, transcende e imana de si um segredo, uma sabedoria. Escrevendo é que sei o que quero ou o que posso dizer. E posso tudo. Como escritor, sinto que carrego o risco e o encanto de invadir a alma humana por meio da linguagem, de ferir e ser ferido, de amar e ser amado, e confesso ter imenso prazer nesse ato profundamente sagrado e profano, cósmico e cotidiano, denso e banal. É deste modo que aprendi a explorar o mundo e a existir nele. A experiência de viver no mundo, para mim, está intimamente atrelada à experiência da escrita, ao ato de sentar e escrever. Portanto, escrever para mim é experiência direta com a realidade e não fantasia, mesmo que o absurdo e o fantástico possam estar presentes, a escrita é real. Ato criador. Confesso não salvar-me longe do ato de escrever e da atitude subversiva de ler poesia e prosa. Penso na arte, de maneira geral, como espaço de possibilidades, de saber ser, saber o outro, saber curar e ser curado, saber viver, saber morrer, saber reinventar-se, saber revelar-se e revelar. Espaço de mergulho na ordem e no caos. A arte só é possível no impossível, sem medidas, sem fronteiras, sem demarcações, sem carimbos. 


Ao lembrar-me agora daquela noite na biblioteca, penso que não foi o acaso que me deixou trancado lá, sozinho, foi a minha vontade íntima, e até então desconhecida, de fazer parte desse universo enigmático de comungar a existência por meio das palavras

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