Sérgio Rodrigues

Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.

Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.

De uma família aristocrática que deixou a Rússia fugindo da Revolução de 1917, Vladimir Nabokov (1899-1977) se mudou para os Estados Unidos em 1940, depois de passar por Berlim e Paris. Já então um escritor maduro – e finíssimo – em sua língua materna, embora pouco conhecido do grande público, dedicou-se tanto a dominar literariamente o inglês que em 1955 lançou nada menos que “Lolita” (Companhia das Letras, 1994, tradução de Jorio Dauster). O escandaloso teor sexual do romance sobre o amor de um homem maduro por uma adolescente transformou Nabokov num estouro comercial. Talvez mais escandaloso que o tema, porém, seja um russo ter se tornado um dos maiores estilistas da história da língua inglesa – feito que, segundo as últimas medições, está fora do alcance de 99,98% dos bons escritores em seu idioma de berço. O famoso início de “Lolita” é uma boa amostra disso.

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