Clima, chuvas e mortes
Por Cunha e Silva Filho Em: 04/01/2010, às 23H26
Cunha e Silva Filho
O cronista não tem a obrigação da palavra cientifica, da experiência conclusiva, nem do conhecimento em geral. Ele apenas serve de intermediação entre o que pensa como pessoa comum e o leitor. De há muito a crônica perdeu aquela rígida acepção etimológica do grego krónos (tempo) nem mais tem aquele sentido dos cronistas portugueses à Fernão Lopes (século XVI). O fato é que esse gênero para alguns parece ter sua origem literária no Brasil. A crônica, pois, não pode ter o caráter de uma monografia, uma dissertação, ensaio ou tese ,que se fundamentam numa hipótese de trabalho. Da mesma forma, uma tese. Na crônica não há, segundo assinalei atrás, essa pretensão de conclusão, ainda que provisória, sobre um dado tema. Longe disso, seu caráter é antes fugidio, digressivo, centrífugo. Não se pode exigir do cronista a lógica, a conclusão dos dados fornecidos pelas ciências exatas, nem tampouco de nenhum outro ramo do saber.
O seu espaço literário é o da completa liberdade sem, porém, o desleixo da linguagem, a qual deve primar pela literariedade, sobretudo aquele tipo de crônica que se deixa permear do lirismo. Quando atinge um alto plano literário, seu valor não deve ser subestimado como gênero menor, como quer o eminente ensaísta e historiador Massaud Moisés.
A crônica - reforço – é um gênero literário já estabelecido e não dá nenhum sinal de decadência ou exaustão. Ao contrário, novos cronistas estão surgindo, com seus estilos próprios e sintonizados com o nosso tempo. Isto porque a crônica se faz de acontecimentos e fatos, de memória e de poesia. Ela dimana da vida e sua movimentação , da novidade, dos acontecimentos sociais e culturais de um povo, do interagir do ser humano, e do próprio enigma de algumas questões do mundo físico ou metafísico. Como gênero literario, não pode ter fim, presumo. Com certa modificação, há de perdurar como o conto, a novela, o romance, o soneto etc.
O compromisso do cronista, no mais das vezes, é com a subjetividade, sua ou de outrem. O que a crônica pretende é opinar com liberdade sobre quase tudo, mas nunca aspirando a ser dona da verdade. A crônica também se subdivide em tipos diferentes de enfoque: a esportiva, a policial, a memorialista, a lírica, a política, a econômica, a religiosa, a científica, a das artes diversas, a ficcional. (esta última não deve se confundir com o conto), a humorística.
Quanto à ficcional, cumpre delimitá-la no que tange ao seu alcance. Diria que a crônica ficcional seria aquela que fica a meio caminho da ficção (do conto) e da realidade referencial. O que ela relata existe, mas dela se podem extrair elementos que pertencem ao domínio da subjetividade, quer dizer, o cronista a constrói mas deliberadamente, ou não, mistura elementos fáticos com a imaginação.
A crônica, assim, se deixa infundir de componentes próprios da poesia. Rubem Braga foi um exemplo típico do cronista lírico. Carlos Drummond de Andrade, da crônica ficcional, social e lírica. Otto Lara Resende, da crônica político-social , Paulo Mendes Campos, da lírico-ficcional, Ferreira Gullar, da lírica, da ficcional, da política, da crônica de artes plásticas, Fernando Sabino, da ficcional, Raquel de Queiroz, da política (sobretudo no início da carreira), da social, Carlos Eduardo Novais, da ficcional, da humorística, Fausto Wolf, da política, recheada de crítica ferina e corajosa.
Após essas divagações, entro, agora, no tema desta crônica. Ora, leitor, será difícil alguém me convencer de que aquilo que está acontecendo de trágico no país e no mundo não tem a ver com o nosso pouco caso com a defesa de nosso planeta.
Todos nós que já vivemos mais já assistimos a grandes enchentes dos rios. As inundações fazem parte dos males da Natureza. Não há dúvida sobre esse ponto.
Porém, o que se esta vendo em toda parte é um desequilíbrio assombroso índices pluviométricos. Por toda parte, as not´cias se espalham: os rios estão subindo em excesso como nuca visto antes.
No país as notícias de vendavais, acompanhados de chuvas pesadas, se tornaram constantes. Inundações que vêm destruindo tudo, até seculares igrejas históricas. Nessa proporção, com enchentes gigantescas no Rio de Janeiro (vide a tragédia de final de ano em Angra dos Reis), em São Paulo, no interior, em minas, em Santa Catarina, o Rio grande do Sul, no Paraná, no Nordeste. São sinais de alerta para ouvidos não moucos. Os prejuízos materiais, econômicos e sobretudo em vítimas fatias são enormes e preocupantes.
Essa “fúria” da Natureza tem explicação. Está intimamente correlacionada com o efeito estufa, co a poluição crescente provocadas pelas milionárias emissões de CO2. A Terra está muito quente e as estações parecem se embaralhar e, quando mudam, mudam com feições atípicas, pelo excesso de neve ou pelo excesso de calor. A evaporação duplica assustadoramente. As geleiras não cessam – moto contínuo – de paulatinamente derreter. Os mares, os oceanos se avolumam assustadoramente. Não é mau presságio, mas aquilo que já defini como “o sinal das águas.”
A última reunião de autoridades mundiais na Dinamarca, badaladamente cunhada de COP15, praticamente só fez barulho, mas rigorosamente nada de eficaz e urgente decidiu como compromisso legal e aprovado pelas nações participantes. Só logorréia, muito gasto das elegantes comitivas, luxo de hotéis, lautos jantares, indumentária de grife, requinte de joias, belos aviões, carros suntuosos, tudo para atender aos chefes de Estado de nações hegemônicas, muita tradução para várias línguas, holofotes. É pouco? E como ficamos? Ou não ficamos? Os cientistas sérios do mundo já deram repetidamente seus pareceres sobre a questão climática no planeta Terra. Os dirigentes das nações poluidoras já estão disso informados. Conselhos dos sábios não faltam.
O que falta mesmo é atitude, vontade política séria dos chefes de Estado. Não só atitudes, ações pragmáticas, concretas, determinadas e urgentes. A humanidade toda necessita é de lançar, aos quatro cantos do mundo, manifestos aos líderes mundiais em defesa da sobrevivência de nosso planeta.
Ou os povos civilizados mudam seus hábitos egoístas de consumos ciclópicos ou a “fúria” das águas será implacável como o dilúvio do tempo de Noé.
No desastre que se abateu sobre o paraíso de algumas áreas de Angra dos Reis, um jovem sobrevivente, em canal de televisão, deu um dramático depoimento sobre a morte de sua noiva que ficara debaixo dos escombros, de lama, pedra e água. Suas palavras expressam bem a situação climática que está ceifando tantas vidas no país e no mundo: “Só depois da tragédia compreendi que não somos nada. A Natureza pode tudo, é poderosa demais. Passarei, de agora em diante, a respeitá-la muito mais.” Reflitam, autoridades do meu país enquanto há tempo, sobre esse testemunho sofrido amargurado e desolado de um jovem sobrevivente brasileiro da tragédia.