(Miguel Carqueija)

Até que ponto Lena deixou de ser Lena para ser a Faisão Verde?

CAPÍTULO 8

A MÁSCARA DO FAISÃO


        — Por Júpiter — disse Riní, hereticamente. — Ela não pode se arriscar dessa maneira.
        — É, mas destruiu uma porção daqueles malditos robôs — ponderou Tousand.
        — Eu penso que foi um golpe espetacular junto à opinião pública — acrescentou Lorne. — O povo começa a se entusiasmar diante da possibilidade de libertação.
        Riní não se convenceu:
        — Mas nós não estamos ainda preparados para o assalto! Só temos parte das armas necessárias! A repressão vai aumentar!
        Lorne sorriu.
        — Creio que ele ou ela, como você diz, sabe o que faz. Foi um golpe de mestre. A torre inexpugnável foi expugnada por uma só pessoa. O mito da invencibilidade do governo caiu por terra.
        — Não, querido. Não caiu de todo. Ainda resta o Triângulo — lembrou Marilú.


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        — Ainda resta o Triângulo — observou Yantok, carrancudo.
        — Vamos com calma, professor. Até parece que estamos acuados ou coisa pior. Temos toda a força conosco — disse Marte.
        O Chanceler Saturnino fitou sua amante, como a pedir-lhe uma opinião, mas afinal resolveu falar ele próprio:
        — No meu entender o caso é inadmissível, portanto, Professor Yantok, sugiro que apresente logo uma linha de ação.
        — Chanceler, quando eu falei no Triângulo quis me referir à sua inexpugnabilidade. Minha equipe dedicou todo o seu esforço para tornar essa construção o maior baluarte histórico que a humanidade conheceu. Quase seria possível afirmar que, se o nosso planeta fosse destruído numa colisão cósmica, à Velikowski, o Triângulo continuaria existindo, impávido.
        — Poupe-nos de seus exageros, homem — ironizou Helena.
        — Senhora, com todo respeito ouso lembrar que nós sabemos que poder real e secreto a Revolução possui, e como o mesmo acha-se concentrado no Triângulo. Esse poder, uma vez desencadeado, será indetível.
         Saturnino retomou a palavra:
        — Todavia, Yantok, esse poder a que você se refere não foi o que eu lhe encomendei nos últimos tempos. Reluto muito em usá-lo contra os rebeldes: seria como caçar mosquitos com tiros de canhão. Por isso é que lhe encomendei armas capazes de enfrentar as do Faisão Verde.  
        — Os robôs deveriam ter podido detê-lo.
        — Mas não o fizeram! — o chanceler deu um murro na mesa — Não vamos chover no molhado, Yantok. Os robôs não são adversários para essa criatura.
        — Talvez, senhor, os robôs conjugados com seres humanos que raciocinem...
        — E onde é que eu vou encontrar essa raça? — a pergunta do chanceler não podia ser mais sarcástica.
        — Se me permite, Senhor Chanceler, posso lhe garantir que nem tudo foi derrota nesse último episódio.
        Todos os olhares convergiram para o General Ipuwer, Comandante da Torre. Helena, que não gostava dele, atirou com agressividade:
        — Suponho, general, que ainda se pode obter bom lucro vendendo as carcaças dos seus gólens (*) ao ferro-velho?
        Ipuwer procurou ignorar a provocação.
        — Senhora, temos um equipamento permanente de tv interna e pudemos filmar a atuação do Faisão Verde. Temos agora um aspecto claro do seu aspecto físico.
        — Como assim? Ele tirou a roupa?
        Ipuwer pigarreou e enrubesceu.
        — Fale — disse o Chanceler, impassível.
        — Senhor, o que importa no caso é que sabemos como é o Faisão Verde em sua constituição física: altura, compleição, peso provável, agilidade... embora não possamos saber como são as suas feições.
        — Já é alguma coisa. Podemos ver o filme?
        — Imediatamente, senhor. Já tenho tudo preparado.
        Ipuwer já viera com o holovídeo em sua valise, de modo que só teve o trabalho de acoplá-lo à tela do chanceler. Logo a figura fantástica do Faisão Verde foi vista em sua incrível movimentação.
        — Não é à prova de balas ou agressões, como podem ver pela maneira como se protege. Seu poder não é tão grande assim.
        A batalha com os robôs provocou emoção na platéia. Saturnino, muito interessado, aproximou-se para observar melhor.
        — Que diabrete! Ah, se fôssemos capazes disto! Expandiríamos nossas fronteiras!
        — Senhor, ao menos a descoesão molecular nós estamos conseguindo experimentalmente... — arriscou dizer Yantok.
        — Sch! Observe!
        O Faisão Verde pulou sobre os destroços retorcidos, em retirada, deixando seus cartões de visita.
        Marte rangeu os dentes.
        — Então foi esse... que escangalhou o trem.
        Ipuwer olhou-o com desprezo.
        — Engana-se, Marte. Não é esse.
        — Que quer dizer?
        — Falarei claro. O Faisão Verde é uma mulher.


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        Não foi possível ao governo abafar de todo o que aconteceu na Torre. A própria imprensa clandestina dos Rebeldes fez circular panfletos que informaram grande parte da população, Lemuel afora, da existência do Faisão Verde — que rondava, misterioso e sorrateiro, as mais poderosas cidadelas do inimigo — e da espetacular destruição dos robôs assassinos.
        O governo, por sua vez, não podia simplesmente ignorar a existência do inimigo. Assim, a imprensa oficial publicou as fotografias da criatura, em notas como essa:

PROCURA-SE

        “Viva ou morta, a pessoa — acredita-se tratar-se de uma mulher — que se oculta com essa fantasia e se intitula o Faisão Verde. Acusações: conspiração contra o Estado Iconoclasta, terrorismo e danos à propriedade pública. Cumplicidade com grupos subversivos organizados. Estatura: 1,67 m. Idade provável: 20 a 30 anos. Peso: 53 quilos. Cor branca. Identidade desconhecida. Alta periculosidade. A terrorista possui e utiliza com eficácia armas de alto poder destruidor. Qualquer informação que possa ser útil será generosamente recompensada.”


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        Era noite e uma nervosa reunião ocorria no castelo.
        Riní, mal disfarçando sua raiva, encarou o Faisão Verde:
        — Já sabem que você é uma mulher. Não finja mais. Não para mim. Você está se arriscando muito.
        — Riní, você ainda não tem provas.
        — Toda a prova que eu quiser eu terei no dia em que lhe arrancar essa maldita máscara.
        — Isso você não se atreverá.
        Lorne interveio:
        — Chega! Vocês não vão ficar brigando como crianças. Não se esqueçam de que, além de mim, há mais três funcionários do governo em nosso grupo. Assim, temos certas informações. O perigo não é tanto. Além disso, estamos cada vez mais bem armados.
        — Só há uma coisa que eu possa fazer: mudar definitivamente para cá.
        — Acho melhor fazer isso essa semana. Se continuar morando na cidade poderá cair na malha fina.
        — Avantesmas! — Riní era bem irreverente nas suas diatribes. — Lógico que você tem de ficar aqui. Ou na minha casa.
        — Isso não me parece dentro da moral — respondeu a moça, algo sarcástica.
        Tousand observou:
        — Aqui, sem dúvida, é a melhor solução. Vejam bem: o campo Y, quando ativado, torna esse castelo como se fosse uma coisa só, um contínuo energético que nem os raios gama do rádium poderiam penetrar.
        — Poupe-nos sua erudição — respondeu Lorne. — Sabemos tudo isso. O campo Y só encontra similar no campo duro do Triângulo. Ela vai ficar aqui e pronto!
        Riní acrescentou:
        — E chega dessas incursões malucas! Quando agirmos, agiremos em conjunto.
       Lena deu um passo na direção de Riní:
        — O Faisão Verde não recebe ordens.
        Riní perdeu a paciência.
        — Para o inferno com essa história de Faisão Verde! Você é um ser humano como outro qualquer!
        — Sim, mas você não é meu marido.
        Fez-se um silêncio sepulcral. Então Riní ripostou:
        — Finalmente, admite que é uma mulher!
        — Todos vocês já sabem. Teriam de saber. E daí? Nada altera.
        Rita, que estivera espiando por uma seteira, voltara-se quando da última troca de palavras entre os dois jovens.
        — E ela? É mesmo sua irmã?
        — Realmente, não. É uma aliada... mas uma irmã em espírito.
        — E seu nome, afinal, qual é?
        Lena sorriu.
        — Chame-me o Faisão Verde.
        Rita interveio antes que Riní voltasse a explodir:
        — Por que não diz a ele? Você está sendo má.
        — Está bem. O nome é o menos. Lena, Riní. Pode chamar-me assim de ora em diante.
        Riní deu um suspiro de alívio.
        — Agora só falta a máscara.
        Deu um passo em direção a Lena, que se enrijeceu e cerrou os punhos. Rita interpôs-se entre ambos:
        — Você não o fará, Riní. Não tem o direito. Vai se dar mal.
        — Isso parece uma brincadeira de gato e rato...
        Riní afastou-se, controlando-se. Rita, aliviada, observou:
        — Ele é uma pimenta!
        O Faisão Verde, imerso em pensamentos, observou o rapaz que se afastava.

(*) Gólen — homem artificial, lenda medieval.