ELMAR CARVALHO

 

Devo dizer, inicialmente, que os oito candidatos às duas vagas da Academia Piauiense de Letras, com relação a mim, se comportaram com muita ética. Nenhum me pediu voto, muito menos com insistência, seja diretamente, seja através de meus parentes e amigos. Submeteram, sim, seus nomes, sua vida, seu currículo e/ou seus livros a meu exame. A situação me é um tanto difícil, porque tenho amizade a vários dos postulantes, e a todos admiro e considero. Entretanto, tenho apenas um voto para cada vaga, assim como também os demais acadêmicos.

 

No romance Farda, Fardão, Camisola de Dormir, Jorge Amado conta a saga e as peripécias de dois candidatos à imortalidade acadêmica, em que o autor destila certo humor ferino e satírico. Em seus Diários, em vários registros, Josué Montello revela alguns episódios de vários candidatos à Academia Brasileira de Letras, da qual foi ele presidente. Do mesmo modo, Humberto de Campos, que também foi imortal da ABL, em seu Diário Secreto, revela curiosos e pitorescos episódios dos bastidores de algumas campanhas para ingresso no secular sodalício. Alguns poderiam ser considerados hilários ou ridículos, ou até mesmo degradantes.

 

Pertencendo a mais de uma dúzia de entidades culturais, nove delas academias, creio ter alguma experiência para discorrer sobre o assunto assinalado no título deste texto. Muitas vezes o sucesso de um candidato depende das circunstâncias. Certos candidatos, numa outra disputa, poderiam ser eleitos, mas, ressentidos ou não, não mais concorrem. Alguns, ante o insucesso eleitoral, proferem palavras que lhe inabilitam para uma outra disputa. Já houve mesmo o caso de um candidato, que retirou sua candidatura, e com uma metralhadora giratória saiu atirando contra tudo e contra todos, dizendo que naquela agremiação acadêmica as cartas já estavam marcadas. Naturalmente, sentiu que o “clima” não lhe era propício; entendia, creio eu, que as cartas só não seriam marcadas se os imortais lhe houvessem prometido sufragar o nome.

 

Numa outra disputa, determinado candidato teve apenas um voto. Esse candidato declarou, em alto e bom som, que esse único voto lhe impedira de cometer suicídio. No meu entendimento, esse sufrágio solitário, embora discrepante dos demais, foi o mais importante, porquanto impediu que um intelectual viesse a óbito por suas próprias mãos. Teve também o caso, em certa academia de algum lugar do Brasil, em que um acadêmico resolveu votar por correspondência, e entregou o seu voto a um confrade. Consta que este imortal substituiu o voto por um outro que sufragava o seu candidato. A notícia se espalhou, de modo que chegou ao conhecimento do votante, que lhe determinou a devolução do voto, sob pena de ir votar pessoalmente, e ainda fazer um escândalo no local da votação, ao denunciar o fato.

 

Por outro lado as fofocas contam que em algumas academias já teria ocorrido barganha, e que alguns acadêmicos teriam votado em troca de emprego ou de alguma outra benesse. Não sei se isso realmente já aconteceu ou se ainda acontece, em alguma remota academia de nosso país, mas o fato é que existem comentários sobre essa, digamos, prática. Se é verdade, entendo que o eleitor e o candidato reciprocamente se merecem, na mesma intensidade. Prefiro acreditar que isso nunca aconteceu, e muito menos possa ainda acontecer.

 

Todos sabem que os critérios para uma pessoa se tornar “academiável” são vários, e não exclusivamente o do mérito literário. Como em tudo na vida, a amizade também possui o seu peso. A personalidade de cada candidato é levada em conta. Até mesmo a idade pode ter a sua influência, porquanto, como se diz, um candidato muito jovem “teria a vida inteira pela frente”, enquanto um de idade provecta poderia não ter outra oportunidade. De qualquer sorte, a longevidade pode significar experiência e serviços prestados à cultura.

 

A situação de acadêmico é vitalícia. Logo, pergunto: quem gostaria de conviver com uma pessoa problemática, de difícil convivência, turbulenta, encrenqueira, irascível, fofoqueira, cheia de arestas e de traumas pelo resto de sua vida? Quem responder afirmativamente a essa indagação, que atire a primeira pedra nas academias e em outros órgãos colegiados, de membros vitalícios. Por outro lado, quem já posou de antiacadêmico, e com sua baladeira estilhaçou as vidraças das academias, em desabrida e furiosa iconoclastia, provavelmente não irá ter a simpatia dos acadêmicos, na hora do voto. Sequer teria condições morais de pleitear ingressar em algo que denegriu com suas palavras mordazes e insultuosas.

 

Há os que criticam o fato de que uma academia nem sempre tem os melhores escritores de sua circunscrição territorial. Ora, para ter assento em uma associação acadêmica é condição sine qua non que o escritor se candidate a uma vaga. Se os pretensos grandes ficcionistas e poetas não se inscrevem, como poderiam fazer parte do silogeu (palavra repudiada pelos autoproclamados antiacadêmicos)? Soube que determinado medalhão esperou por muitos anos ser aclamado imortal; como isso nunca aconteceu, ele terminou tendo uma crise de humildade e tomou a iniciativa de inscrever-se a uma vaga. Para seu contentamento, terminou sendo eleito, mas não por aclamação, já que essa modalidade eleitoral não existe nos estatutos acadêmicos.

 

Dizem alguns, com ou sem razão, que no passado, em alguns momentos, predominou o critério do expoente. Ou seja, vencia a eleição o candidato que era famoso ou pelo menos notável em determinada profissão, e não na cultura ou nas letras. Pelo que tenho observado, esse critério, de muitos anos a esta parte, nunca mais foi observado isoladamente. Ao que me consta, os acadêmicos levam em conta vários critérios, como já disse acima. De qualquer sorte, como já tive oportunidade de dizer, o fato de uma pessoa ingressar numa academia não a tornará maior ou menor por causa disso; se era um grande escritor, continuará a sê-lo, mesmo que não seja eleito. E se era medíocre, continuará com a sua mediocridade, mesmo que seja vitorioso.

 

Atribuem-se a esses critérios determinado “peso” ou valoração, que pode variar de acadêmico para acadêmico, conforme seu ramo de atividade intelectual, seu grau de amizade e relacionamento com o candidato, sua individualidade e idiossincrasias. É feita, de modo subjetivo, uma espécie de média aritmética ponderada das qualidades pessoais e intelectuais de cada candidato. Cabe ao candidato aceitar o veredicto da contenda, porquanto todo postulante sabe que poderia ganhar ou perder a eleição. É como uma causa judicial, sobre a qual sempre pesa a possibilidade do ônus da sucumbência.