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Seis horas e trinta minutos
O despertador começou a tocar. Ele odiava esse despertador. Mas o que mais detestava na vida era acordar cedo para ir à escola. Odiava a escola! Com um suspiro, desligou o alarme antes que a mãe viesse bater na porta.
Lentamente, muito lentamente, foi deixando o aconchego da cama quentinha. Arrastando-se até o banheiro, “lavou” – com as pontas dos dedos – o rosto e escovou os dentes. Fez tudo isso sem olhar uma única vez para o espelho.
De volta ao quarto, contemplou, com tristeza, a cama. E se ele dissesse que estava doente? Dor de cabeça. Enjoo. Dor de estômago. Quem sabe tudo isso junto? Sua mãe, com certeza, acreditaria. Não seria a primeira vez. “Não, preciso ir. Hoje tenho prova de Física”, lembrou desanimado.
A roupa estava na cadeira ao lado da cama. Camiseta, moletom, calça jeans e tênis. Vestindo-se assim, ele pretendia desaparecer na multidão, já que todos se vestiam exatamente da mesma maneira. No entanto, ele não tinha muitas esperanças, pois “os outros” sempre o encontravam. Sempre.
- Paulinho, você já está pronto? – ouviu a mãe perguntar da cozinha.
Sua vontade era responder: “Não! Não estou pronto e não vou ficar pronto. Nunca mais!”. Contudo, a resposta que saiu de sua boca foi:
- Tô, mãe!
- Então vem tomar café, que já está na hora de ir para a escola.
Paulinho, ainda sem olhar para o espelho, pegou a mochila e, arrastando os pés, foi para a cozinha tomar o café.
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Sete horas e trinta minutos
O sinal para o início da primeira aula ainda não havia tocado. Ele se xingou. Detestava chegar cedo. Nessa hora as salas estavam fechadas, obrigando-o a permanecer no pátio. Ali era mais difícil se esconder.
 
Sem olhar para os lados, ele andou na direção da sua sala de aula. Quem sabe o professor não tinha chegado mais cedo? Acelerando o passo e com a mochila apertada junto ao corpo começou a atravessar o pátio da escola.
- Paulinho! Paulinho!
Ao ouvir seu nome sendo chamado, não quis parar, mas, como reconheceu a voz, reduziu o passo.
- E aí, cara? Tudo bem? – perguntou Pedro, um dos poucos colegas com o qual se permitia conversar.
- Tudo. E contigo? – respondeu Paulinho.
- Mais ou menos. Não estudei nada p’ra prova de Física. Sabe como é. Comprei um jogo super legal e esqueci dessa porcaria.
- Que jogo? – quis saber Paulinho. Ele também passava muito tempo na frente do computador. Além de ser um lugar seguro, ali se sentia mais forte, como se fosse outra pessoa.
- Crysis. Cara, é o máximo! Os gráficos, as imagens, tudo muito real! Comecei a jogar e não deu p’ra parar. Minha mãe ficou uma fera quando me pegou no computador às duas da manhã. Moral da história: não abri o caderno de Física. Vou precisar de uma ajuda durante a prova. É só chegar pro lado, o professor nem vai perceber.
Paulinho conhecia aquela história. Não era a primeira vez que o Pedro vinha com a conversa de “chegar pro lado”. Geralmente ele cedia. Afinal, Pedro era, dentro daquele inferno chamado escola, um de seus poucos “amigos”. No entanto, naquela manhã estava de saco cheio. Cansado de ser usado. Cansado de toda aquela merda.
- Olha, Pedro, essa prova não vai ser fácil e o professor também não vai estar p’ra brincadeira. Não prometo nada. Certo?
- Pô cara, qual é? Tô só pedindo uma ajuda, mais nada. É por causa desse teu jeito que o pessoal não fala muito contigo.
Paulinho olhou para o colega e não respondeu. Acelerando o passo foi direto para a sala de aula.
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Dez horas
A prova de Física tinha sido difícil, mas achava que havia se dado bem. Gostava da matéria e estudar nunca fora um problema para ele. Problema foi aguentar o Pedro cutucando e enchendo o saco durante todo o tempo. Como o professor não deu folga, ele não quis se arriscar, o Pedro que se virasse.
O recreio tinha começado há uns cinco minutos e ele estava no seu lugar predileto: um banco bem afastado do bar. Comia um sanduíche quando escutou passos se aproximando. Assustado, engoliu com dificuldade o pedaço de pão que estava dentro da boca.
- E aí cara? É assim que se tratam os amigos? Comendo escondido, só p’ra não dividir?
Continua...