Bráulio Tavares

Brincando, brincando, Brasília completou cinquenta anos e o Brasil ainda não sabe direito o que fazer com ela. É uma cidade cheia de homens, mulheres, histórias, destinos, acasos, dramas, comédias, tragédias como qualquer outra; mas virou símbolo visual e concreto daquela entidade abstrata a que chamamos Governo. Isto tem certa lógica inevitável, pois foi uma cidade criada com esse fim. Tudo que não presta nos Governos é atribuído à cidade, e tudo que não presta na cidade (que para muitos é a cidade como um todo) a culpa é do Governo. Moro no Rio há quase trinta anos e não conheço um carioca, um sequer, que goste sinceramente de Brasília. O que é compreensível. O Rio perdeu para Brasília a importância de ser Capital, as benesses de ser Capital, e essa ferida talvez não feche nunca. Menos mal que, na mentalidade do carioca, a Capital continua sendo aqui.

Como não sou carioca e essa briga pra mim é tão remota quanto um Gre-Nal, ouso dizer que gosto de Brasília. Pode ter qualquer defeito, mas é uma cidade com perfil único, dinâmica interna única, uma cidade que não pode ser confundida com nenhuma outra. Já fui a certos subúrbios no Rio ou São Paulo em que, virando uma esquina, me acreditava no bairro do Centenário ou do Quarenta. Uma quadra de Brasília só pode ser confundida com outra quadra de Brasília, e aliás é o que acontece o tempo todo.

Eu nunca moraria lá porque não dirijo carro, e aquela é uma cidade em cujas veias circula gasolina, não foi feita para pedestres, flâneurs, noctâmbulos ou peripatéticos. Tirando isso, eu me sentiria totalmente à vontade naquele xadrez geométrico, naqueles setores de serviços que parecem traçados na prancheta de um escritor de ficção científica do século 19. Brasília é uma das raras utopias que passaram do papel para o cimento. Se foi estragada é outra coisa; tudo que é essência platônica se estraga quando vira carne e osso, argamassa e ferro. Paciência. O que sei é que ali existe uma relação entre a terra e o céu que nenhuma outra cidade tem. As cidades litorâneas admitem o céu, mas só porque isto lhes é imposto pelo mar. Brasília, não. Em Brasília, à noite, tocamos a Via Láctea com a ponta do dedo.

Em 1969 o escritor Frederik Pohl veio para um Simpósio de Ficção Científica organizado no Rio de Janeiro por José Sanz, e aproveitou para conhecer Brasília. Diz ele: “Brasília é uma estranha cidade futurista no planalto. É o único lugar onde já fui em que os guias turísticos apontam um cruzamento e lhe dizem, não o que aconteceu ali em 1066, mas o que vai acontecer no próximo ano. Existe lá um impressionante edifício chamado Museu da História de Brasília. Está vazio”. Pohl visitou a cidade meros nove anos depois de criada, mas ainda hoje Brasília é uma cidade onde o futuro pesa mais do que o passado. Outras cidades mostram o que foi feito por todas as gerações de brasileiros. Brasília é a única que foi feita inteiramente por nós.