Bolero, brega e samba-canção
Por Chagas Botelho Em: 11/10/2023, às 15H43
[Chagas Botelho]
Por esses dias, venho ouvindo bolero, brega e samba-canção. Músicas que, certamente, hoje em dia, pouca gente ousa sair por aí cantarolando. Duvido muito que alguém bata no peito e diga, em alto e bom som, que escuta tais gêneros musicais. Aposto que não.
Montei uma playlist só com as melhores. Ligo o play do pen-drive, e delicio-me com as letras e canções que doem no fundo da alma. Sim, afundo-me naquelas que há séculos o rádio e a televisão resolveram enterrar. Que pena!
Os ouvintes modernos, moços e moças da hora, e que agora me leem, devem estar se perguntando: “é dor de cotovelo?”, “foi chifre?”, “Ou alguma desilusão amorosa?”. Nenhuma coisa e nem outra, apenas saturado de tantas modinhas totalmente descartáveis. A letra de “Perfume de Gardênia”, por exemplo, do inconfundível Waldick Soriano, tem tanta qualidade musical e literária que até “os cultos e letrados podem invejar”, diria a ofegante Virginia Woolf aos grandes intelectuais que odiavam as trivialidades e o fatídico lugar-comum.
E o que dizer da letra e música de “Você vai ficar na saudade”, do cantor e compositor Benito di Paula? É um verdadeiro clássico. Por falar nisso, Italo Calvino, ao discorrer sobre os clássicos literários argumenta que “os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem inesquecíveis”. Muito bem! Permita-me então, festejado escritor italiano, que eu estenda esse seu conceito para o bolero, brega e samba-canção. Pois, também se impõem indeléveis.
Ouvir em silêncio “A noite do meu bem” com Dolores Duran é suscitar aos tímpanos o espasmo da felicidade. A cantora mandava tão bem no samba-canção, nos anos dourados do rádio, que “o palco foi o seu berço, o seu quarto de brinquedos”, diria a mesma Virginia Woolf em elogios aos talentos de mulheres inglesas, no seu livro “Profissões Para Mulheres e Outros Artigos Feministas”.
Continuo ao pé da vitrola, em estado de êxtase, ouvindo “Você Não me Ensinou a Te Esquecer” do grandioso Fernando Mendes. Caetano Veloso a imortalizou no Cinema na trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro. Pensando bem, Fernando Mendes, mineiro de Conselheiro Pena, sabe como ninguém falar das dores do amor. Só mesmo ele para compor tamanho verso arrebatador: “Você bem que podia perdoar e só mais uma vez me aceitar”.
Como bem puderam ler, não estou submergindo em mágoas, nem implorando ao garçom a saideira, apenas maravilhado com o cancioneiro das antigas. Canções que foram alijadas no baú do esquecimento. Por isso, para o bem do romantismo, sugiro aos mais jovens, imberbes “baladeiros”, que vez por outra, misturem os hits de verão com as baladas românticas de ontem. À guisa de “Ultima Canção” de Paulo Sérgio e “Aparências” de Márcio Greyck. Misturem, moçada, misturem. Ficar preso somente às temporais é impedir que o coração bata mais feliz.