BOA POESIA
Por Washington Ramos Em: 19/05/2025, às 11H50
[WASHINGTON RAMOS]
BOA POESIA
Horas sem tempo, livro de poesia de José Expedito Rego, é uma obra interessante. O volume que li, uma fotocópia, é um presente que me foi ofertado pelo oeirense Carlos Rubens Campos Reis, a quem muito agradeço.
Trata-se de um livro com alguns poemas ambientados em Oeiras (terra natal do autor) como Riacho da Mocha, Malhadinha, Oeiras de minha infância, A lenda do Pé-de-Deus e outros, mas todos abordam questões que dizem respeito ao homem de qualquer lugar.
Nos vários poemas lírico-religiosos do livro, é muito interessante observar como o autor faz um recorte e relaciona trechos bíblicos com os dias de hoje, ora revestindo-os de humor, ora enriquecendo-os com a tecnologia atual, ora ambientando-os em Oeiras. O poeta diz, por exemplo, que os Três Reis Magos são pessoas da atualidade. Um deles é motociclista; outro é um moreno à brasileira; outro, um negrinho simpático. Esse trio se encontra na praça da Matriz e entra numa casa onde há um presépio para lá aprontarem das suas e ainda contando com a simpatia do Menino Jesus.
O episódio da Estrela de Belém, que é reconfigurado com recursos da alta tecnologia de hoje, a vinda de Jesus ao mundo, a traição de Judas, o Monte das Oliveiras... Tudo isso é revisto pelo poeta com um sentido levemente humorístico e respeitoso.
O lirismo amoroso individual, centrado no eu que fala nos poemas, é colocado sem exageros sentimentais. Ou seja, é a emoção depurada pela contenção linguística, pelo trabalho com as palavras que o autor emprega em seus textos. Em alguns casos, como no poema A caminho da fonte, esse lirismo é totalmente centrado na figura humana retratada. Essa poesia, inclusive, tem influência camoniana, mas é bem original, bem nordestina. Faz gosto ler esse texto e admirar a simplicidade da garota descrita.
Como o autor era médico, a prática da medicina se efetiva em alguns poemas como Operação cesariana e Fórcipe na roça. Mas, nessas poesias, não é o ego do autor que se destaca. É a prática médica exercida com humanismo e competência. No leitor, fica aquela sensação, aquela torcida para que tudo saia bem. Além disso, esses poemas suscitam a impressão de que se está diante de um médico humanista, aquele que vai atender a uma paciente muito pobre que vive numa tapera. Num mundo em que a medicina é cada vez mais elitizada, é confortador ver um médico fazer um parto complicadíssimo de alguém que não tem a menor condição de lhe pagar. Isso nos leva a ter a certeza de que ainda há esperança de uma vida melhor para todos. E na literatura, no cinema, nas telenovelas, onde encontramos tanta violência, colocada com a desculpa esfarrapada de que se está mostrando a realidade, é prazeroso encontrar um médico humanista num poema.
Quanto à forma em Horas sem tempo, encontramos poemas de forma fixa como o soneto e versos rimados e metrificados, principalmente o decassílabo e a redondilha maior (verso de sete sílabas poéticas). Mas encontramos também poemas de forma livre e o verso livre modernista. Ou seja, é um livro onde o poeta trabalha com a tradição e a modernidade ao mesmo tempo. É uma obra de boa poesia. Vale a pena ler. Precisa, porém, de uma nova edição.