[Paulo Guiraldelli Jr.]

 Há estudos que afirmam que temos grupos populacionais em que cerca de 30% de seus membros são pessoas “limítrofes”. Nem sempre essa porcentagem corresponde a regiões de miséria e fome. Muitas vezes tem a ver, mesmo, com a questão do tipo de ambiente familiar do grupo social em questão. Há povos que são tidos como incapazes para determinadas coisas, e realmente são.  Em alguns casos, dependendo do tipo de mensuração que se faz e da habilidade que se cobra, um setor de um povo pode ser tomado como “pouco inteligente”. 

Um dos indícios da pouca inteligência é a adoção das chamadas “teorias conspiratórias”. Há povos em que tais coisas são muito fáceis de ganhar adeptos. São povos que, de fato, possuem um desenvolvimento intelectual, ao menos em alguns aspectos, bastante medíocre. Aquele homem ou mulher que adota a “teoria conspiratória” possui um defeito de raciocínio que, não raro, encontramos no chamado “limítrofe”. Trata-se da ideia de que ele, e só ele, vê a verdade, e que todas as outras pessoas estão enganadas. Não lhe passa pela cabeça algo simples como, por exemplo, colocar seriamente esta questão: como posso só eu enxergar algo e todos os outros não verem que estão sendo enganados como bobos? O adepto da “teoria da conspiração” mistura coisas quando da avaliação sobre si mesmo: ele acha que foi escolhido pelo destino ou pelos deuses ou pela sua genialidade para perceber que algo é escondido do mundo todo, mas que ele, só ele ou um grupo de poucos gênios como ele, podem perceber.

Algumas dessas pessoas acreditam ver o número 666 em todo e qualquer lugar. Elas dizem que é o recado do Demônio, e imaginam que isso lhes é revelado. Os outros todos ao seu redor ou mais distantes estariam dominados, não conseguindo ver tal recado ou levar a denúncia sobre isso a sério. Pessoas assim, o “grupo do 666”, são tomadas com malucas. Todavia, há outro tipo de limítrofe, que pensa algo que só à primeira vista é diferente disso. Ele imagina que Elvis não morreu. Ele diz saber que Michel Jackson apenas viajou para uma ilha. Ele afirma que a descida do homem na Lua foi montada como um tipo de filme, nada real, para a TV – era uma forma dos “americanos” enganarem o mundo. Esse segundo tipo de pessoa, às vezes, produz uma situação social mais complicada.

Dentro desse grupo, os que, em geral, dizemos pertencer ao “time do Elvis não morreu”, estão aqueles que irão dizer que Bin Laden não morreu. E haverá casos mais graves. Já recebi e-mails, diretamente endereçados a mim, de gênios desse tipo. Eles tentam me explicar que não só é uma farsa a morte de Bin Laden, mas também o próprio nascimento de Bin Laden nunca teria ocorrido. O terrorista nunca teria existido. Tudo foi uma “grande invenção dos americanos”. Algo planejado pela CIA, com o aparato de Hollywood e coisa parecida.

Às vezes essas “teorias” aparecem com mil e um elementos mirabolantes – com seres alienígenas abduzindo um aqui e outro acolá. Nesse caso, a situação é menos difícil de tratar, pois os menos tolos descartam os mais malucos e, então, tudo pode caminhar de forma mais plausível. O ruim mesmo é quando os elementos fantasiosos na cabeça do indivíduo que assume a “teoria conspiratória” são menores e, então, se casam com questões ideológicas. Por exemplo, se alguém é anti-americanista, por razões óbvias, que o de cultivo do preconceito, e também tem algumas dificuldades de aprendizagem, não é raro vê-lo juntar essas duas características e, então, endossar coisas como “os americanos criaram toda aquela encenação da queda das Torres Gêmeas de Nova York para, depois, poder invadir o Afeganistão e, seguida, o Iraque, e então pegar o petróleo”. Também aí já estamos diante de alguém que não temos que julgar por ser pouco informado das possibilidades de certas coisas darem certo, mas de uma pessoa cuja capacidade mental pode, em alguns assuntos, emperrar de vez.

Os limítrofes não são idiotas. Os limítrofes podem ser realmente expoentes em algumas coisas. Mas, em termos de raciocínio lógico, eles são péssimos. Em termos de sutilizas e metáforas, eles não avançam de modo algum. E quanto a escolher as conexões entre enunciados, eles, por mais que tentem, sempre irão fazer algumas conexões inesperadas e estranhas às regras da razão.

O limítrofe pode ter uma conversa normal com você, mas, em determinado momento, se sair com este tipo de comentário: “o basquetebol é um jogo difícil porque o mundo é enorme e o buraco da cesta, em comparação com o mundo, é muito pequeno, no entanto, a bola cai neste buraco”. Ele pode rir disso. Mas, aos poucos, você perceberá que ele não riu pelo mesmo motivo que você riu.

Essas pessoas estão entre nós? Estão. Elas realmente não conseguem levar a sério a pergunta que coloquei acima e reitero aqui: por que os outros não conseguem nunca enxergar o que eu, sabe-se lá como, enxergo? Por que eu sou um tipo de escolhido dos Céus para saber esse segredo?

Essa pergunta, muitas vezes, é a que o gênio se faz – ao menos quando a história é contada de um modo folclórico. Sempre há o limítrofe que lê biografias de gênios, e toma ao pé da letra essa história. Então, conclui, para a nossa desgraça, que é um típico gênio (não reconhecido). Seu insucesso escolar é esquecido, apagado. E daí ele posa de gênio. Por isso, o limítrofe é mais difícil de ser conduzido que outros cujo aparato mental é até mais comprometido que o dele. Não há como não fazer do limítrofe “café com leite”.

Nesses dias que vão se seguir, nossa sociedade terá a chance de identificar os seus “limítrofes” sem ter de fazer grandes testes. Basta ver os que irão dizer que Bin Laden não morreu ou coisa parecida. Isso, com uma pitadinha de anti-americanismo, será o suficiente. Podem reparar. Encontrando tais pessoas, fiquem atentos. Pois podem ser boas pessoas, mas elas não podem ficar incumbidas de tarefas que envolvem raciocínios lógicos corretos. Pois, de fato, são limítrofes.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ.

Post Scriptum: caro leitor não limítrofe, observe alguns comentários ao texto, que serão tipicamente de limítrofes revoltados.