Minuta de telegrama do prefeito Dermeval Rocha
Minuta de telegrama do prefeito Dermeval Rocha

Reginaldo Miranda[1]

 

A notícia do Golpe Militar de 1964, caiu como uma bomba na pequena cidade de Bertolínia. A oposição udenista, liderada pelo candidato derrotado na eleição anterior, José Nunes Meireles achou que poderia subverter a ordem e repeti-lo na administração pública municipal. Para isto, contavam com o apoio da polícia e do governo estadual de Petrônio Portella Nunes, embora em nível nacional este último tenha inicialmente se colocado a favor da legalidade. O governador Petrônio Portella, eleito pela coligação UDN/PSD, não perdoava o fato do prefeito Dermeval Mendes da Rocha ter se colocado contra a decisão do diretório estadual do PSD de apoiá-lo na eleição estadual de 1962 e dava toda a garantia no município à oposição udenista.

Então, na manhã de 2 de abril de 1964, José Meireles, acompanhado do vice-prefeito Antônio José de Lima (Antônio Lourenço), do vereador Anísio Honório Correia, do irmão deste, Raimundo José Honório Correia, do ex-vereador Raimundo Nonato Saraiva e de alguns outros seguidores, invade a sede da Prefeitura Municipal, avança sobre os livros e documentos, declarando vago o cargo de prefeito e tentando dar posse, à força, ao vice-prefeito na titularidade do cargo. Dermeval Rocha, então, reage juntamente com sua família, que morava ao lado da Prefeitura. A esposa e a filha, esta última se encontrando no quinto mês de gravidez do autor dessas notas, com real risco de perda da criança, assim como empregados da casa, outros parentes e seguidores políticos, o acompanham nessa reação, correndo à Prefeitura e enfrentando os invasores que, depois de caírem em si, desistem do tresloucado gesto, ficando esse golpe apenas na tentativa. Certa feita, tivemos a oportunidade de compulsar os autos processuais que investigaram esses fatos e aqui os relatamos para a perfeita recomposição da história local.

Ainda como desdobramento desse acirramento de ânimos, em 23 de outubro daquele ano José Nunes Meireles, a pretexto de reformar uma casa de sua propriedade derruba a parede contígua da casa de morada de Eunice de Miranda e Silva, filha de Dermeval Rocha, que para ali mudara há poucos dias com o marido e o filho primogênito recém-nascido. Sobre esse episódio, o prefeito Dermeval Mendes da Rocha, envia dois telegramas ao Comando Militar de Floriano, solicitando providências, cujo teor é o seguinte: “Capitão Elesbão, Polícia Militar Floriano PI. Comunico acabo sofrer afronta José Meireles, Raimundo Saraiva armados revólver garantidos Polícia derrubaram parede uma casa minha propriedade contígua casa propriedade mesmos pt Diante disso peço providências cabíveis. Dermeval Rocha, Prefeito.// Bertolínia 23.10.64. Primeiro desses provocadores chegou ponto ameaçar mostrando revólver Abdon Rodrigues vg marido minha filha residente referida casa pt Solicito providências”.

De imediato, o conceituado advogado e ex-deputado Antônio dos Santos Rocha, primo de Dermeval, a chamado deste, dirige-se imediatamente de avião para Bertolínia e consegue juridicamente resolver o imbróglio, obrigando através de medida judicial que o infrator refizesse a parede do imóvel, repondo-o à situação anterior.

Na verdade, nunca cessaram as tentativas de cassar o mandato do prefeito legitimamente eleito. Novamente, na madrugada de 6 de abril de 1966, invadiram a Prefeitura e embora sem obterem sucesso, teve graves consequências. Desta feita, chegando à prefeitura pela madrugada, conforme dissemos, ao romper do dia mandaram um emissário à casa para conduzir contra sua vontade, a tesoureira Luísa Morais Vieira, a fim de que esta lhes repassasse alguns documentos. Emocionado com aquela ousadia seu esposo Manoel Vieira da Silva (Manoelzinho Simão), faleceu vítima de fulminante ataque cardíaco. Mais uma vez, a mãe do autor dessas notas correu para a casa dos correligionários, às pressas, com uma criança de braço por nome Maria Aparecida, de pouco mais de um ano de idade. A caminho foi surpreendida por uma neblina que vitimou a criança de pneumonia, falecendo mais tarde, em busca de socorro médico na estrada para Floriano, na passagem pela localidade Boiadeiro. Portanto, essa tentativa de tomada de poder causou duas vítimas indiretas.

Inconformado com a sua derrota eleitoral e com as infrutíferas tentativas de tomar o Poder, à força, José Meireles chegou ainda a denunciar o prefeito Dermeval Rocha perante uma famigerada Comissão Geral de Inquérito (CGI), que funcionava junto à Guarnição Militar, em Teresina, sob a falsa alegação de malversação de verba pública. A mão do governador Petrônio Portella, estava sempre por trás, atendendo a pleitos do deputado estadual Nazareno Araújo, apoiador daqueles facciosos na semeadura da cizânia e discórdia no seio da população bertolinense. Não conseguiram o seu objetivo, porém, com a instauração do processo foram suspensos ad cautelam, os repasses das quotas públicas enquanto perduraram as lentas investigações. O prefeito municipal ainda se licenciou por um mês, em abril de 1966, passando o comando da prefeitura ao presidente da câmara municipal Antônio Pires, na tentativa do município receber os repasses federais. No entanto, vendo que seria infrutífera essa tentativa, reassumiu o comando da municipalidade.

Em outro round José Meireles, que tinha um vereador a menos em sua trincheira oposicionista, com o apoio do Destacamento Policial local sequestra no povoado Prata, há 25Km da sede municipal, o vereador Ângelo de Sousa Pereira (PSD). E, sob segredo, o mantém encarcerado por três dias na casa do vice-prefeito Antônio José de Lima (UDN), obrigando-o a assinar juntamente com os vereadores de oposição, uma falsa ata da Câmara Municipal, cassando o mandato do prefeito. Depois que este foi libertado passou vários dias em choque, em visível estado de nervosismo.  Nesse tempo, também o prefeito sofreu um sequestro relâmpago, pelos mesmos infratores golpistas, passando algumas horas detido numa casa na Praça da Bandeira, hoje Dom Augusto, sendo constrangido a mandar buscar um livro de atas, não o fazendo. Em seguida, habilidoso político como era, o prefeito Dermeval Rocha, jogando na mesma arena de luta, também forjou um termo de renúncia do indicado vereador com data anterior àquele ato e fez ver à Câmara Municipal que ele não era mais vereador e, consequentemente, era sem efeito a sua participação naquela sessão forjada. Assim, tornou sem efeito a cassação por absoluta falta de quórum. Encarregado de colher a assinatura naquele termo de renúncia, Abdon Rodrigues da Silva, genro de Dermeval Rocha, saiu de cavalo, a galope, na calada da noite em rumo da Prata, e somente com muita dificuldade colheu a assinatura daquele vereador, que ainda se encontrava em visível estado de choque.

Para respirar mais aliviado, o prefeito Dermeval Rocha partiu para o ataque, liderou a sua bancada majoritária e cassou o mandato do vice-prefeito Antônio José de Lima por falta de decoro, cujo ato teve total validade sendo, inclusive, publicado no Diário Oficial do Estado. O mesmo aconteceu com o mandato do vereador Anísio Honório Correia. Era, pois, um duro jogo político.

Para concluir, Dermeval Rocha terminou seu mandato na forma constitucional elegendo, ao final, o sucessor na pessoa do comerciante Benito Pereira da Silva em dobradinha com o pecuarista Josias Rocha da Silva, para vice-prefeito. Foi esse um dos períodos mais agitados da política bertolinense.

São esses, pois, fatos da história de Bertolínia que merecem ser preservados. Embora possam ferir suscetibilidades os rememoramos para a perpétua memória dos tempos.

 

 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor. Membro efetivo da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico de Geográfico do Piauí. E-mail: [email protected]