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Luiz Filho de Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

              Fazendo a minha leitura diária na internet, deparei-me tela-a-tela com a seguinte notícia tirada duma página dum sítio muito polêmico, o da Maria Frô (www.mariaafro.wordpress.com/):

Nos próximos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar um processo decisivo para o futuro democrático do Brasil. Trata-se da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que reivindica que o Supremo interprete que a Lei de Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da ditadura civil militar (1964-1985). O processo aguarda o parecer do Procurador Geral da República, e, em seguida, o ministro relator, Eros Grau, poderá colocar em pauta de julgamento.

Com o objetivo de impedir que os agentes da repressão sejam anistiados, um grupo de defensores de direitos humanos e entidades da sociedade civil criou o “Comitê contra a Anistia aos Torturadores”.

            O grupo de que fala Frô é encabeçado pela Associação Juízes para a Democracia (AJD), aqual está conclamando à sociedade civil desorganizada que ela se-organize e assine o manifesto contra a anistia aos torturadores no endereço http://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php. Além desse manifesto, a AJD também fez este:

  

APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!

 

Exmo. Sr. Dr. Presidente do

Supremo Tribunal Federal
Ministro Gilmar Mendes                     

 

Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.                     

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto-anistia.                     

O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.                     

A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.                     

Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.                     

Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.                     

Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.                     

Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.                     

Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar. Comitê Contra a Anistia aos Torturadores Com cópia para:

Ministro Cezar Peluso
Ministro Celso de Mello
Ministro Marco Aurélio
Ministra Ellen Gracie
Ministro Carlos Britto
Ministro Joaquim Barbosa
Ministro Eros Grau
Ministro Ricardo Lewandowski
Ministra Cármen Lúcia
Ministro Dias Toffoli
Procurador Geral da República, Dr.Roberto Gurgel

 

            Eu já assinei, pois eu mesmo, ainda que criança e adolescente, vivi uma pontinha do regime antidemocrático que sempre são as ditaduras, ditas rudas, urdidas contra o ser humano, o ser livre para a expressão, para gritar ao mundo outro eu-acuso. Lembro-me muito bem da cena: campinho de futebol do bairro, hora da pelada da tarde, um carro da PE, soldados armados, dados à violência, todos correndo para suas casas, e eu , que não fui bobo, pernas-pra-que-te-quero!

            Esse fato de infância me-fez temer, sempre que a-via, a polícia. Por que eles batiam? O que nós fizemos pra isso? Dúvidas de menino. Na década de oitenta (não me-lembro bem do ano), fui, em rebanho (quantos alunos com bandeirinhas estavam ali pra bater palmas pro ditador-presidente?), assistir a inauguração da ponte Presidente João Batista de Figueiredo. É, o nome da ponte do bairro Primavera, em Teresina, aqual é mais conhecida ainda como “ponte da universidade”, tem o nome do próprio presidente que a-inaugurou. E é porque dizem que há, em nosso país, uma lei, não sei onde, que proíbe esse “acariciamento de ego”, que é colocar-se nome de pessoas ainda vivas em logradouros ou construções públicas.

            A essa considerações, no entanto, somente cheguei depois de crescer estudando a história de nosso país. Portanto, na década seguinte, este poema:

O que há de ser roubado mas cantado 743 vezes numa estação no Rio (centro) por um poeta do meio do caminho*       

 

 

maninhos... eu vi

o último militar a governar este país

encenando o inaugurar da ponte do meu bairro

do assento traseiro do oficial carro brindado... blin!

em velocidade suspeita de atitude... autoritária

em dia de educação moral & cívica hipocrisia

porque o Brasil era um-país-que-vai-pra-frente

e vai esquerda direita volver sem descanso

pois quem le-amava não le-deixou por militar

 

por risco passo de pau pra cacete

na frente dessa gente amiga e tão contente

e confesso deixar os setenta-oitenta medos adolescentes

de lado                                                                   e olhar

bem na cara desses reconhecidos torturadores mascarados

a dizer a eles que venceram essa parada

dos civis civilizados osquais pensavam que nada

poderia roubar nosso conhecimento acumulado

bem dentro guardado nos bolsos da consciência nata

 

não...  negativo!

pra exumar o cadáver desse delito milico de torturar

risco com o máximo volume do grito tal cogito

pensando logo existir quem teve o saco chutado

ou pousado de morcego nos galhos de um pau de arara

ou chocado à força com que elétrica a corrente movimentava

as cargas roubadas do conhecimento e não furtadas

de suas memórias profundas ou rasas

que vazaram pelo ralo depois do ácido

 

 

como poderemos esquecer tamanha canalha

se eles quebraram a regra ao roubar o que se-pensava

não poder ser pelo poder de fato tomado desligado

de atitudes & palavras para o bem das pátrias?

 

disso sabiam aquelas fardas mas falharam

posto ser o cérebro do ser – general –

a nossa caixa de pandora ao contrário

o bem a sair pela boca do corpo aberta

esperança a fugir pra bem mais descobertas

mal o saber compartilhado – campanheiros – vingue

e possa interessar a quem vá passá-lo à frente dos hinos

por gritos cartas paredes cantos livros panfletos & vídeos

(mesmo que sejam até revistados estando despidos)

vistouvidotocado haver neste poema indícios vingados

daqueles corpos de ideias em resistência

pra dizer que houve roubo mas não

completo: existe... poema!

 

 

 

(No Primavera, em Teresina, sobre a ponte de acesso à federal universidade.)

 

* Em memória de Gonçalves Dias, Bertold Brecht, Raul Seixas e de todos os torturados.

 

            No ano passado, em que foi lembrado e jamais comemorado os quarenta anos da assinatura do famigerado AI-5, também abri minha Boca do Inferno para condenar os anos de opressão na base da porrada, do sequestro, da tortura, da morte e do sumiço dos cadáveres. Gritei minha pichação nas paredes deste poema:

 

Pelos que atiraram pedras no telhado da noite armada poesia

A polícia pode
baixar o pau,
que a gente vai
levantar os cacetes.

Aí cinco, seis, dez,
centenas, trocentos,
contra todos eles,
taliônicos dentes:

no centro, o sequestro;
no olho, o golpe;
no saco, o choque;
no ácido, o cadáver!