BATERIA DE POEMAS DE EDSON BUENO DE CAMARGO
Em: 04/05/2008, às 19H48
uma cigarra
uma cigarra
afina sua viola de jade
que em sua cor esmeralda
soa como botões de jasmim
em cinco pétalas brancas
com a alma amarela
outras flores e ramos de bétula
o som tem gosto de açúcar
sentido pela primeira vez
tomado em garrafas de néctar
e colherinhas de alpaca
a harmonia refrata tons verde metálicos
roubados das roupas de besouros
ao sol depois da chuva
emprestam sem saber as couraças
a voz ao instrumento
quando começa o cair da tarde
um grilo toca seu violino de cobre
que tomou ao enternecer à tarde
em uma febre de temer que noite caia
e nunca volte o dia
sapos acompanham com sua orquestra
de tímpanos, trompas e fagotes
concertando desde o lago
a cigarra em uníssono
o besouro e seus cornos de ouro e zinco
(cornucópia perdida aos seres)
o grilo e seu ofício
os sapos ferreiros a frio
(para o medo das fadas)
o azul se desmonta em bronze
o acaso do dia em naufrágio
as nuvens de algodão doce
os jasmins dormem á noite
quando não escutamos sua cor
o lago responde ao universo
contando suas próprias estrelas
mimo que se dá de presente todas as noites
pingos de luz no liso da água
e uma lua para poetas embriagados
a casa
o homem carrega a casa sobre a cabeça
forra esta habitação com galhos de salgueiro
onde as folhas choram o sofrimento dos dias
das rosas que florescem do choro de santas martirizadas
e os espinhos nos pés dos homens que fazem a passagem
todos os caminhos são os corredores de dentro da casa
os umbrais são pórticos para visões do infinito
espelhos de Narciso a vingar o inconveniente destino
a cabaça com água está ao pé da porta
foi colhida na grande talha
para matar a sede destes visitantes que chegam
à porta
com suas ripas sólidas e travessões assimétricos
a soleira se verga ao estreito dos anos
que passam como paisagem da pequena janela da porta dos fundos
carregam todos os passos sobre a terra
trazem as acomodações da terra e suas partículas
as partituras que descrevem o ronco surdo das placas tectônicas
a energia telúrica que move pássaros para o sul e homens para o norte
os lunares e as marés dentro da alma mar salgado
o banho cósmico que se dá a todo momento
a luz de estrelas invisíveis e explosões de novas luminosas
o homem traz o caixão para seu próprio enterro
a grande obra de carpintaria e esmero
jaz na sala a espera do dia certo
os pregos na madeira carregam a memória do fogo
o cal e o carvão que queimaram para seu nascimento
nunca entram dentro da casa
os portais e portões estão sempre fechados aos viventes
os vidros das janelas só deixam entrar a luz depois de estilhaçada
os fiapos de fótons irreconhecíveis se reconstituem em frágil tecido
a casa flutua sobre os escombros que ela será
a lembrança são sulcos na terra d'onde foi arrancada
o homem já foi um menino sonhador
os meninos costuram o céu com seus dedos
cavalgam sonhos em forma de algodão
cravam dragões na espinha da água que sobe ao céu
a casa viaja ao mundo do incerto
é, foi e sempre será
os degraus vermelhos onde todos tem a primeira queda
constelações
onde dragões bebem água
podem descansar suas escamas
construir escadas de jade para lugar algum
observam abelhas
pousadas em flores de dente-de-leão
professores profetas maltrapilhos
professam a fé nos sons infinitesimais
o cântico quântico de super-novas morrendo
lembra
quando grãos de poeira suspensos à luz do Sol
filtrados em frestas e orifícios
criando fachos de luz
simulavam constelações em suspensão
betume
tua voz de farpas agudas
e morte suave
conduz meus olhos
à fusão de betume e incêndios
o vestido de eras incertas
e insetos coletados no tempo
é o âmbar de lágrimas da pedra
caminhos cruzados em trilhos de ferro
e a água que cai lenta nas madrugadas
cabelos brancos e gotículas de leite
cabelos molhados e quentes
a íris e fragmentos microscópios de quartzo
lábio que lava o mel e o fel
o amargor da dor e do silêncio
as línguas lambidas de fogo
e outros lábios
o vermelho aparente da excitação e combustão
cães correm nas ruas
e corvos posam nas telhas mais altas
olhos de glóbulos de cristal de ler o futuro
vidro, água e espuma
os podres vãos da ponte
ameaçam a desabar
a cidade não suporta a sua velha idade
se expulsa de si
anjos renegados também abençoam
a balança
a balança onde se mede minha cabeça
pende ora para um lado, ora para outro
tem por fiel um fio de teu cabelo
carvões em brasa servem de peso
porque quando incandescentes
buscam para si a cor do ouro
há uma brasa viva
em teu olho esquerdo
e água abundante em tua face
língua que corta
como espada da justiça de Salomão
teus cabelos chicotes de aço
retalham a pele de papiro úmido
devoro feridas abertas
com a avidez de noviço
e as regurgito em cicatrizes orgulhosas
sonho com balanças que pesam peixe na praça
com escamas que emulam o cristal mais liso
e olhos vítreos e fixos em profundo segredo
costuro pedras de peixe e círios apagados
é para a morte que o mar me convida
vagas trazem o grito do pesadelo
estouram com estrondo em meio a escuridão
vasto cemitério molhado
ondas com nomes de túmulos
sepultura que sonega os ossos dos condenados
teu olho direito me consola e perdoa
tem ali um fogo lento e caridoso
oferece teu seio direito para descanso de cabeça
ali confortável espero a sentença
a mesa
a mesa para Platão
teria de ser real e tangível
quatro pernas postas no chão
um tampo de sólida madeira
que não viessem com simulacros
poema, pintura ou representação
que todos seriam banidos da "Republica"
Platão odiava os poetas que
queriam atribuir à palavra mesa
outros mecanismos
e mais propriedades de atribuição
que por falta de senso carregassem com mais sentido o léxico
os poetas por seu turno
enlouqueceram as propriedades do vocábulo mesa
dando-lhe características inadequadas à palavra
portanto afastando o objeto mesa
de sua função primordial de suportar o peso da verdade
os poetas foram salvos por Aristóteles
que em sua Poética
resgatou-os do limbo em que Platão os condenara
permitindo que se sentassem finalmente à mesa
e participassem do "Banquete"
( onde dado a ser um fausto grego
que comiam deitados em divãs
servidos por escravos
que são coisa mas pensam
provavelmente não haviam mesas nem cadeiras)
Edson Bueno de Camargo
Edson Bueno de Camargo nasceu em Santo André - SP, em 24 de julho de 1962, mora a partir de seu segundo dia de nascimento em Mauá - SP.
Publicou: "De Lembranças & Fórmulas Mágicas" Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2007; "O Mapa do Abismo e Outros Poemas" Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2006, "Poemas do Século Passado-1982-2000" edição de autor - Mauá - 2002; "Cortinas", com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi - Mauá - 1981; participou das antologias poéticas "As Cidades Cantam o Tamanduateí que Passa".da Prefeitura do Município de Mauá - Mauá - 2003 e "Poesia Só Poesia" Editora Novas Letras - São Paulo - 2004. Junto com os amigos escritores da cidade de Mauá-SP, edita o fanzine aperiódico "Taba de Corumbê". Premiações: PRÊMIO LITERÁRIO CANTEIROS CULTURAL 2007 - classificação para publicação em antologia; 3º CONCURSO NACIONAL DE POESIA - COLATINA 2007 PRÊMIO "FILOGÔNIO BARBOSA" - 2º lugar com o poema "serpentário" e Menção Honrosa com o poema "esquisito"; Menção Honrosa - 17º CONCURSO NACIONAL DE POESIA "HELENA KOLODY" 2007; 1º lugar do PRÊMIO OFF-FLIP DE LITERATURA - 2006 - categoria Poesia; Menção Honrosa - 24o CONCURSO LITERÁRIO YOSHIO TAKEMOTO
Participa do grupo poético/literário Taba de Corumbê da cidade de Mauá -SP e das aulas da Escola Livre de Literatura de Santo André-SP, como aprendiz de mundo.
Edson Bueno de Camargo
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http://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/edson_bc.php
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5443045