O Mocha

À memória do Coronel Luís de Morais Rego

Cristalino a rolar, num rumor de águas claras
Desce o Mocha espumado, em cachões e cachoeiras,
Marulhoso a regar essas paisagens raras
Que são todo o esplendor dos subúrbios de Oeiras

Milheirais e arrozais em sussurrantes searas
Cobrem-lhe fartamente as férteis ribanceiras
Orladas de festões de fidalgas taquaras
E de esbeltos perfis de esbeltas carnaubeiras.

Rio de água lustral como a água de Castália
Que por tudo o que banha um vigor novo espalha
Fecundando e florindo o solo piauiense!

Tu és bem nosso Marne a transbordar de glória,
Cujo nome resume as grandezas da história
Dos heróicos sertões da terra de Mafrense.

Oeiras – 1915

Maio

Coroado de pâmpanos e rosas
Como um Deus formosíssimo da Héllade
Maio chegou com suas vaporosas
Manhãs de transparente claridade.

As mulheres se tornam mais formosas,
Há mais luz, mais amor, mais mocidade,
E dos vales às serras alterosas
Elevam-se hinos à fecundidade.

Maio! os grajaús vão decorando a mata,
E a jitirana a flor azul desata
Para a elêusis da vida vegetal.

Reina o sol, reina o amor por toda a parte,
Em maio a vida é toda um tema de arte
Nesta formosa zona tropical.

Oeiras – 1915

Olhos

Olhos – fonte de luz em que tive o batismo
Da Religião do Amor em que eu era profano,
E hoje acredito, imposta a todo o ser humano
Pela regra geral do cego fatalismo.

Nas horas de lazer, nas horas em que cismo,
Sonho dos olhos teus o clarão meridiano,
Na minh’alma o vazar seu fogo soberano
E doce e sedutor, como atrações de abismo.

Teus olhos para mim são como o sol de inverno
Que fecunda a semente abandonada à cova
E que a terra acolheu no seu seio materno:

Duvidava do amor – eles deram-me a prova
De que existe, e, me impondo este gozo superno,
Acordaram-me n’alma esta virtude nova.

Teresina – 1915

VERÃO

O verão nesta terra é uma apoteose de ouro:
No ar, nos montes, no céu, na terra difundida,
Feericamente acesa, arde a essência de louro
Numa fulguração de flama enfurecida.

Do reino vegetal o pródigo tesouro,
Br ilha febril ao sol, numa messe florida:
Heliantos e paus-d’arco, onde a abelha, o besouro
Se vão nutrir de luz em pólen convertida...

A cigarra sibila o seu chiar penetrante,
E ao longe ouve-se a voz da araponga vibrante
Que estridula e retine a estridente canção;

E seja de manhã, meio-dia ou de tarde,
O sol dominador à cuja ação tudo arde,
Ilumina, flameja:...- é o Senhor do verão.

Oeiras – setembro – 1916

ALELUIA!
Este sol, esta paz, esta serra, este ar puro
Vêm de novo acordar meu Amor pela vida.
Schopenhauer reentrega o lugar de Epicuro
E a alma vibra feliz e rejuvenescida.

Já não sinto do tédio os tentáculos de aço
Qual polvo a triturar-me a origem do prazer,
E, hoje, em tudo o que penso e em tudo quanto faço
Br ilha, canta a alegria heróica de viver.

Despertam no meu ser energias estranhas,
Que vêm dar ao meu sonho asas fenomenais
E me tornam capaz de revolver montanhas
Para a consecução dos meus nobres ideais.

O espírito outra vez abre as asas liberto
Para audaz empreender a escalada da altura,
E, mais perto do sol, das estrelas mais perto
Cantar da vida eterna a eterna formosura.

No homem de espírito há por força qualquer cousa
Que o faz de alguma sorte igual às águias reais
Pois se o espírito de um só n’altura repousa,
A asa da outra somente a altura satisfaz.

É por isto que aqui nesta escarpa de serra,
Na vizinhança azul e sã do éter profundo
Passo o tempo melhor que já vivi na terra
Inteiramente estranho às misérias do mundo.

Oeiras – novembro – 1916

Fonte: http://www.fnt.org.br/