Bateria de Poemas
Em: 17/10/2023, às 21H00
Subia a Lua, Leve...
Um luar fluido e veludoso como um bálsamo
Ungia a noite voluptuosa e ardente.
A sua luz era tão branca que tornava o céu diáfano...
Subia a lua leve como o pensamento.
Eu dialogava com o silêncio... Uma toada rústica
De flautas e violões transportou-me à saudade.
E, abstrato de mim mesmo, eu te bendisse, ó música,
Que da tristeza de pensar me libertavas!
Os Olhos Vêem Sem Ver...
Quando te quero ver, cerro as pálpebras e,
Concentrando a visão, fico a pensar em ti.
Aos olhos vem-me assim, num sonho ingênuo e doce,
A tua imagem fiel, como se viva fosse.
E eu sinto bem que és tu, que emerges do meu ser,
Numa névoa fugaz, para eu te poder ver.
Névoa que se faz luz, sombra que se ilumina,
Vens espiritualmente assomar à retina...
Surges no coração, onde hoje vives, pois
Sobes ao pensamento e ao olhar vens depois.
Tens em tudo a expressão que no mundo tiveste,
Tenha embora a beleza um encanto celeste.
Mas, em forma incorpórea, és tu mesma, porque
Como te vi em vida a alma em sonho te vê.
E é tão viva a impressão que ninguém se persuade
De que a vida se extinga, existindo a saudade...
Não pode ser engano a visão interior
Que os olhos vêem sem ver, por milagre do amor.
Quem sabe há no meu ser um espelho encantado,
Onde indelével se reflete o meu passado!
Acaso há dentro em mim uma fonte de luz,
Que a tua vida em minha vida reproduz!
É por isso, talvez, que em vago encantamento,
Eu me deixo levar pelo meu pensamento.
E, se te quero ver, fecho os olhos e, então,
Em silêncio me entrego a essa amada ilusão...
Na Tarde Azul e Triste...
O meu jardim amanhecera
Constelado de brancas margaridas,
Que orvalhadas, ao sol, eram estrelas
Desencantadas e pensativas...
Depois, na tarde azul e triste,
A terra abriu-se para receber-te!
Adormeceste para sempre,
Baixando à terra com as margaridas...
E à noite o céu era um jardim do Oriente
Florindo em luzes pela tua vinda!
Anoitecia no meu pensamento...
À Sombra do Salgueiro...
Porque fosses o sonho de ventura
Que eu tanto ambicionara e conseguira,
Nunca julgara, nem jamais previra
O transe cruel que agora me tortura.
Só a extensão de um grande mal sem cura
Poderia mostrar que me iludira;
Que a ventura na vida é uma mentira
Sempre falaz àquele que a procura.
Louco de dor, o espírito delira
E a Castália das lágrimas apura
A emoção de infortúnio que me inspira...
Mas foi tamanha a minha desventura,
Que pendurei, muda e quebrada, a lira
No salgueiro da tua sepultura.
Vivo Como Um Sonâmbulo...
Eu vi o Amor adormecido aos pés da Morte,
Na curva mais suave da minha vida...
Foi quando o coração que sonha, mas não dorme,
Ao perder-te, ficou incontentado e triste.
Desde esse tempo, indiferente ao meu destino,
Vivo como um sonâmbulo que sofre;
Como um fantasma doloroso de mim mesmo,
Seguindo as sombras vacilantes do caminho...
Mas, antes de esquecer-te, espero a morte,
Para o sono de amor de uma noite sem termo
Sob o Ritmo do Tempo
A areia, grão a grão, escoa na ampulheta...
Sob o ritmo do tempo, em silêncio medito:
Ai de quem, a sofrer, passou pelo planeta
Sem realizar o seu instante de infinito!
A água cai, gota a gota, a oscilar na clepsidra...
Atento ao seu rumor, penso inquieto e tristonho:
Ai de quem não arou com pranto a terra anidra,
Para atirar ao mundo a semente de um sonho!
A sombra leve azula a pedra do quadrante...
Cismo, absorto, a seguir-lhe o tardo movimento:
Ai de quem, a viver como uma sombra errante,
Não roçou pelo céu a asa de um pensamento!
Sou Como Um Rio Misterioso...
Sou como um rio que, de tanto
Refletir sombras, se tornou sombrio...
Rio de dor, rio de pranto,
Ninguém sabe o mistério deste rio.
Rio de dor, rio de mágoas,
Ocultando as imagens que refletes,
Rolam em meu ser as tuas águas,
Sob a treva e o silêncio, como o Letes.
Selva Selvaggia
... Vi-me, sem o saber, perdido e errante
Por uma selva escura e misteriosa,
Como aquela floresta fabulosa,
Por onde errava o espírito do Dante.
Atônito e indeciso eu fiquei, diante
Do dédalo de sombras, de alma ansiosa
Como se dentro de uma nebulosa
Visse a livre amplidão do azul distante...
Andei às tontas, como que à procura,
Pelo instinto profético e divino,
De incerta luz na pávida espessura...
E, só conjeturava em desatino:
Que seria esta selva estranha e escura?
— Eu pensei que era a Vida... — Era o Destino.
Litania das Horas Mortas
Por estas horas de silêncio e solidão,
Eu gosto de ficar só com o meu coração.
É nestas horas de prazer quase divino
Que eu me sinto feliz com o meu próprio destino.
Por estas horas é que a cisma me conduz
Por estradas de treva e caminhos de luz.
É nestas horas, quando em êxtase medito,
Que sinto em mim a nostalgia do infinito.
Por estas horas, quando a sombra estende os véus,
A fé me leva além dos mais remotos céus.
É nestas horas de tristeza e de saudade
Que desperta em meu ser a ânsia da Eternidade.
Por estas horas, minhas naus ousam partir
Para Istambul, para Golconda, para Ofir...
É nestas horas, Noite amiga, em teu regaço,
Que eu me difundo pelo Tempo e pelo Espaço.
Por estas horas eu somente aspiro ao Bem,
Que em vida se tornou minha Jerusalém.
É nestas horas, quando o espírito descansa,
Que me depões na fronte o teu beijo, Esperança!
Por estas horas é que eu sinto florescer,
Como os astros no céu, o jardim do meu ser,
É nestas horas de quietude que deponho,
Ó Noite! em teu altar, minha lâmpada — o Sonho.
Por estas horas é que eu gosto de sonhar,
Para ter ilusões brancas como o luar.
É nestas horas de mistério e beatitude
Que a Glória me fascina e a Poesia me ilude.
Por estas horas de tranqüila e doce paz,
Quanta serenidade o espírito me traz!
É nestas horas, quando a treva se constela,
Que ouço o teu canto nas estrelas, Filomela!
Por estas horas, a minh'alma anseia por
Teu encanto, Ventura! e teu engano, Amor!
É nestas horas de tristeza e esquecimento
Que eu gosto de ficar só com o meu pensamento.
Por estas horas eu me julgo Parsifal
Para ir pela renúncia à conquista do Graal.
É nestas horas que, como um eco profundo,
Repercute no meu o coração do mundo.
Por estas horas transitórias e imortais
Se desvanecem minhas dúvidas fatais.
É nestas horas de harmonia indefinida
Que eu tento decifrar o teu enigma, Vida!
Por estas horas, meu instinto morre, com
A intenção de ser justo, o anseio de ser bom.
É nestas horas de fantástico transporte
Que eu busco interrogar a tua esfinge, Morte!
Por estas horas, eu me enlevo assim, porque
Vela no lodo humano a luz que tudo vê...
Por tuas horas silenciosas, benfazejas,
Deusa da Solidão, Noite! bendita sejas!