CUNHA E SILVA FILHO

 
      A violência no Brasil cresce assustadoramente e não me reporto tão-só à violência praticada por bandidos, mas ações violentas das quais a sociedade se torna calamitosamente refém, ou seja, violência sofrida pelo cidadão oriunda da própria estrutura de segurança do Estado Brasileiro, seja na forma de condução discricionária do gerenciamento do poder público, seja pela exclusão de direitos assegurados constitucionalmente ao povo em geral. Por conseguinte, a violência, empregada no seu sentido mais lato possível, atinge o todo das instituições, quer no governo federal, nos governos estaduais e nos governos municipais.
       Quem se encontra no poder, cedo ou tarde, vai mostrar sua verdadeira fisionomia moral e seu caráter. Esse comportamento autoritário é uma manifestação da violência. Vejamos um exemplo: professores municipais da capital paulista revoltaram-se com uma determinação do prefeito segundo a qual seria aumentada a alíquota de descontos do funcionalismo para a previdência social da Prefeitura de São Paulo.
       Ora, tal medida se me afigura um confisco nos vencimentos dos professores. Se o executivo faz isso a fim de diminuir o rombo bilionário do Município, a culpa não é dos professores que, em geral, ganham baixos salários. Isso é uma insensatez porquanto o prefeito deveria - isto sim -, diminuir drasticamente as mordomias dos altos escalões do seu governo, do legislativo, judiciário e de outras despesas astronômicas que se acumulam de governo para governo. Além disso, os professores que desejam manter seus direitos salariais foram violentamente reprimidos por guardas municipais.
      A cena foi de violência e ferocidade sem tamanho na qual uma professora que protestava no recinto da Câmara Municipal teve seu nariz quebrado por golpes de truculentos guarda. Esse incidente depõe contra a imagem de um prefeito que, ao que tudo indica, saiu arranhada e o prejudicará politicamente. Mais uma vez, a classe dos professores brasileiros é recebida com cassetetes, escudos e selvageria. Como, então, um país quer se tornar respeitado no mundo democrático se não protege seus professores do arbítrio e da pusilanimidade de guardas ignorantes e despreparados?
     Os gases lacrimogêneos lançados contra professores é sintoma de prepotência de governantes não talhados para o exercício de um mandato no executivo. Esse prefeito, empresário, capitalista, neoliberal, se assim continuar se comportando, não terá futuro na política brasileira. É também claro sintoma da degradação em que se encontra a educação pública nacional. Ora, um pais sem educação e sem valorização dos docentes é uma país fadado ao insucesso e com riscos em cair no autoritarismo.
      Não é sacrificando os professores que o prefeito irá alocar recursos para sanear as despesas públicas. Num dos mandatos do ex-presidente Lula, os funcionários federais também foram vítimas desses descontos previdenciários no contracheque, quando o funcionalismo, mesmo se aposentando, passou a descontar para a “Seguridade Social” após a aposentadoria. Todo o mundo engoliu sem protesto essa determinação esdrúxula e autoritária (forma de violência financeira imposta à sociedade) do governo federal. É preciso salientar que o rombo federal se deve muito mais à gastança multimilionária com a máquina do Estado, as mordomias dos congressistas com o Executivo e com o Judiciário.
   Os governos interferem arbitrariamente nos vencimentos do funcionalismo com a aprovação dos parlamentares, estes últimos quase sempre acordes com o executivo, de seus decretos ou leis prejudicando a vidas dessas pessoas, porém não interferem duramente no aumento do custo de vida da população, nos aumentos de impostos e taxas de toda espécie a fim de arrecadarem cada vez mais. A violência de atos do governo só vale para aqueles que estão dependentes das demandas governamentais. Contudo, não vale para a economia, para o livre mercado , este sempre mais ávidos do vil metal e pouco se importando com o consumidor numa fórmula engendrada do capitalismo na base de “Se não compras por falta de dinheiro, há os que podem comprar.”
     O outro lado da violência, muito mais direto e transparente na sua potencialidade deletéria, constitui a violência dos bandidos tanto a dos facínoras dos morros quanto a dos colarinhos brancos. Os primeiros se expandindo pelo país inteiro, os segundos, igualmente. Ambos prejudiciais e talvez os de colarinho branco ainda mais prejudiciais porque afetam medularmente a vida do país em todos os setores, uma vez que causa devastação financeira em razão dos desvios bilionários dos Erário Público, prejudicando profundamente setores vitais da sociedade: educação, saúde, segurança, habitação e transporte.
   Quer dizer, quanto mais propinas vão se alojar cinicamente nos bolsos de políticos e empresários marginais tanto mais frágil se torna a estrutura do Estado e sua forma real de democracia. Por isso, o combate à impunidade é uma estratégia de segurança para a não derrocada da democracia e estado de direito, assim como a impunidade de bandidos controladores dos morros é fator de desordem social e demonstração da fragilidade de nossas políticas de segurança.
    Cumpre, pois, ao Estado Brasileiro combater severamente os dois lados da moeda, ambos podres e repugnantes aos olhos dos homens de bem. A luta aguerrida contra esses dois lados não é uma utopia, é exequível. Basta vencê-los com as armas da lei e do voto consciente posto que, nas duas situações, haja muitas falhas, falta de consciência de cidadania, ética e vontade firme de governantes operosos e honstos que tanta falta os fazem na condução do país.
     Para o problema dos marginais dos morros, vejo como súmula de enfrentar o mal, a sugestão dada por uma brilhante antropóloga brasileira sobre temas de violência, que é a professora da UERJ, Alba Zaluar. Ela  autora  de uma obra densa de esclarecimentos sobre a violência, A máquina e a revolta (São Paulo: Editora Brasiliense, 1985), originalmente uma Tese de Doutorado na área de antropologia defendida na Universidade de São Paulo (USP).
    Daquela obra tenho gratas recordações do tempo que a consultei na preparação de minha Tese de Doutorado em literatura brasileira, sobretudo no entendimento dos conceitos antropológicos do malandro e do bandido, que muito me serviram, entre outros autores, para fundamentarem minhas análises sobre o tema nuclear da minha pesquisa da figura do malandro no conto de João Antônio ( 1937-1996).
   Em percuciente artigo publicado no jornal O Globo, “Funcionalidade criminosa” (10/03/2018), ela afirma:“Sem resolver a questão penitenciária nem desmantelar a companhia do crime organizado que se expande por todo o Brasil, não há solução para a violência no país.” A meu ver, aí está a raiz da violência que, em artigo neste Blog, considerei o problema nº 1 do país. Sem desbaratar frontalmente a bandidagem que se instalou no país, sem ouvir pesquisadores com larga experiência e talento, não surtirá efeito positivo a intervenção do general Braga Netto.
     A questão já está equacionada pela antropóloga citada. O que, daqui para a frente se deve fazer é pôr em ação a logística militar para desmantelar as organizações criminosas com a lei e com a inteligência, punindo culpados sem causar males a inocentes e pobres, sem balas perdidas nem torturas.
     Basta contar com a inteligência e as forças militares federais, limpar a polícia dos maus elementos de suas corporações, tantos de patentes superiores quanto inferiores. Retirando criteriosamente os impuros, é possível colher alguns frutos dessa intervenção das Forças Armadas.
     Oxalá elas consigam. Afinal, o nome e a imagem do general e de seus assessores estão em jogo. Hão de vencer essa batalha contra o banditismo.
     A outra batalha, a dos marginais de colarinhos brancos, a dos políticos corruptos e dos empresários escroques, há de ser travada com a punição deles pelos ditames da Lei expressa e interpretada com ética e competência jurídica. Que as investigações da Polícia Federal, o acompanhamento pari passu do Ministério Público e as decisões dos membros do Supremo Tribunal Federal sejam firmes, éticas e patrióticas. Assim espero.