Bartolomeu Campos de Queirós - entrevista l

 Entrevistar o escritor Bartolomeu Campos Queirós é como conversar sobre literatura na varanda de casa. Sem rodeios, o mestre dá dicas, fala sobre o processo de criação, expõe idéias, desvenda segredos e nos mostra que ainda há muitos caminhos a serem trilhados por nossos pensamentos.

Seus textos são muito emocionais, voltados para as descobertas e inquietações dos personagens. Você já afirmou que a Literatura Infantil não precisa ser um textinho fácil, e seus livros acabam atingindo leitores de todas as idades. Como é seu processo de criação? Você pensa em um leitor específico quando escreve uma história?

Quando escrevo procuro exercer o melhor de mim. Procuro uma linguagem direta, clara, frases curtas, o que não impede o texto de suportar uma análise literária. Exploro as metáforas, não apenas como figura de estilo, mas a metáfora permite vários níveis de entendimentos. Não seleciono o assunto, não gosto de literatura com destinatário, dividindo o mundo como se existisse um mundo para criança e outro para os adultos. A existência é um fio único que começa no nascimento e encerra com a morte. Tento construir um texto sem fronteiras. Cada leitor se inscreve nele a partir de suas experiências. Todos vivemos num mesmo mundo e somos portadores da fantasia,que nos permite dialogar com o universo.

Você segue alguma rotina? Acha que as palavras perfeitas devem ser buscadas ou elas surgem, espontâneas, num ato de inspiração?

O texto é feito de palavras. As palavras além de escritas são sonoras quando pronunciadas. Ao buscar configurar um texto busco construir com as palavras uma frase melódica capaz de embalar o leitor. Tenho uma rotina de trabalho. Escrevo sempre que estou em casa. Quando viajo não escrevo. Preciso sempre de dicionários. Eles são muitos e consulto as palavras em suas muitas aplicações. Dicionário de símbolos, de psicanálise, de filosofia, de mitologia, biblíco, etc.

Quanto tempo costuma se passar entre a idéia da história na sua cabeça e o objeto livro nas prateleiras?

Hoje eu peço às editoras uma produção mais imediata de meus textos. Sou impaciente. Não gosto de organogramas ou planejamentos a longo prazo. Quando terminei o texto O olho de vidro do meu avô, a editora pediu dois meses para ter o livro nas livrarias. Mas se o texto é para crianças ainda em fase de início de leitura, o livro exige mais tempo por precisar de mais ilustrações e seduzir mais o pequeno leitor. É preciso dar tempo ao ilustrador.

Como uma criança que aprendeu a ler decifrando as palavras escritas na parede de casa desenvolveu essa relação tão profunda com a Educação?

Eu sempre possuí um carinho com as palavras. Sou bastante silencioso. Acho mesmo que escutar é superior a falar. Passei a ter maior admiração pelas palavras depois de viver um processo de psicanálise. Experimentei que as palavras realizam o que anunciam. Comecei minha vida profissional trabalhando com crianças numa escola de demonstração do MEC. Daí minha confiança na escola como lugar do refinamento da percepção.

Como você vê a Literatura no cenário da Educação no Brasil de hoje? O que você acha que poderia ser feito para melhorar isso?

Vejo com alegria a preocupação, tanto da escola como de toda sociedade, com a formação do leitor. A escola só cumpre sua finalidade e se torna permanente na vida do aluno quando forma leitores. O sujeito sai e continua se educando vida afora. Acredito que devemos facilitar a aproximação do professor com a literatura. Para criar o hábito da leitura o professor tem que possuir hálito de leitura. O trabalho maior deve ser junto dos professores, para que eles deixem também transbordar seu gosto pela leitura.

A FNLIJ tem obtido grandes conquistas no sentido de levar coleções de qualidade para serem adotadas nas escolas. Você acha que o mercado dos livros didáticos corre paralelamente ao mercado editorial de um modo geral?

A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil tem realizado trabalho significativo e consistente para a promoção do livro e do leitor no Brasil. Todos os movimentos que aconteceram no Brasil tiveram a participação da FNLIJ. É uma entidade que se preocupa com a literatura e nem tudo que está em livro pode ser considerado literário. Vejo o livro didático como importante se executado com excelentes critérios. É preciso considerar que a escola é mesmo o lugar da informação e da transformação. O livro didático e o literário dão coragem ao leitor para transformar, criar, acrescentar.

Algumas pessoas têm a idéia, equivocada, de que criança não gosta de poesia. O que você diria a estas pessoas?

As crianças gostam sim de poesia. É preciso saber apresentar a poesia para elas. A poesia é um texto contido, econômico, com bastante abertura para o leitor apreciar seus tantos sentidos. Depois a criança gosta do jogo com as palavras, das rimas rimas, do inusitado. A criança é um ser aberto para o mundo. O que não podemos ter é um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Algumas podem gostar de poesia e outras de mistério. O importante é gostar de algum estilo. É preciso descobrir.

Como você se definiria enquanto autor?

Como autor sou um operário. Como o pedreiro organiza os tijolos para tornar resistente as paredes, eu organizo as palavras para desfazer os muros, acreditando na liberdade como a maior das conquistas.

E como leitor? Quais os autores que você lê? Que tipo de leitura você aprecia?

Leio sempre e muito. Chego a pensar que ler é superior a escrever. Com a leitura eu somo muitos em mim. Quando escrevo eu divido. Leio muita teoria, gosto de romances, mas a poesia me seduz. Gosto de tantos poetas que fica difícil enumerá-los: Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília Meireles, Affonso Romano, Manuel de Barros, Henriqueta Lisboa, sem falar nos estrangeiros e esquecendo muitos. Não se lê poesia. Poesia a gente relê sempre.

O que o Bartolomeu Campos Queirós gosta de fazer quando não está escrevendo?

Gosto de pensar. E pensar é um ato operatório, é tentar adivinhar os avessos. O escritor sabe que o olhar não esgota o olhado. Só a imaginação chega dentro das coisas, no interior. Vou ao cinema, escuto música, adoro ir ao correio, visitar livrarias e estar com amigos. Mas o que faço com alegria é cozinhar. É uma hora em que não penso em nada a não ser nos temperos e sabores.

Que conselho você daria para jovens autores que ainda não conquistaram um espaço no mercado editorial brasileiro?

Eu comecei meu trabalho participando de concursos. Acho um bom caminho. É mais independente, mais isento. Mas encaminhar texto para as editoras é um bom caminho. Os editores, em geral, são bastante sensíveis e abertos para bons textos.

FERNANDA Baroni 
É uma jornalista apaixonada por Literatura Infantil. O trabalho como repórter, assessora de imprensa, profissional de comunicação de um modo geral, é gratificante, mas não tira o gostinho de um dia dedicar seu tempo à Literatura. Seja para falar sobre esse assunto tão especialmente inesgotável ou para encontrar sua linguagem e seu espaço nessas esquinas de palavras.

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Entrevista publicada originalmente no Portal Amigos do Livro, em 02.02.2012