Barbara Heliodora: crítica maldita, estudiosa

[Luiz Antônio Giron]

O Brasil é o país dos falsos bonzinhos. Aquele que diz, escreve, aponta a verdade ou emite uma opinião sincera acaba sendo estigmatizado. Para o jornalista cultural, o melhor negócio é fazer média, conchavo ou ficar amigo do objeto de suas matérias. Esse tipo de antiprofissional pulula por aí, e continua a vencer na profissão. São esses que obtêm acesso privilegiado aos artistas. O preço é que têm de bajular os artistas até morrer. A crítica carioca Barbara Heliodora (1923-2015), que morreu nesta sexta-feira, dia 10 de abril, aos 91 anos, compunha o perfil contrário ao rol dos críticos culturais felizes. Morreu maldita por muitos atores e diretores. Maldição da gente do teatro é passaporte para o céu. No céu dos grandes estudiosos do teatro brasileiro é onde ela está agora.

Foi professora e tradutora. Como crítica, Barbara começou a carreira de crítica militante em 1958, como colunista do  Jornal do Brasil. Naquele tempo, procurava despertar o interesse dos leitores brasileiros para a dramaturgia, com textos didáticos e polvilhados de erudição. Em 1985, quando se aposentou do magistério, recomeçou na crítica, no jornal O Globo, agora em outro diapasão: textos pessoais, agressivos, sinceros e embasados. Foi então que recebeu a tarja de impiedosa, polêmica, maldosa etc. Encerrou a carreia com uma coluna em O Globo no fim de 2013.

Em entrevista que ela me concedeu em sua casa, um solar oitocentista situado no Largo do Boticário, em dezembro de 2013, ela me disse que tinha encerrado a trajetória crítica. Estava cansada de levar bordoada e de ser obrigada a ver teatro ruim. Queria se dedicar ao que ela mais gostava: pesquisas teatrais, descoberta de dramaturgos esquecidos e organizar as traduções das peças de Shakespeare. Ela deixou inédito um volume de tragédias históricas de Shakespeare, a ser publicado pela editora Nova Aguilar. Mas, infelizmente, a falta de verba da editora impediu que ela visse a conclusão de sua grande obra.

O Brasil não é um país que perdoa a inteligência. Aos 91 anos, Barbara Heliodora morre, tendo deixado sua obra inacabada. O teatro perdeu a testemunha de 70 anos de sua história. Shakespeare, sua maior aliada nos trópicos. Enquanto isso, os críticos amigos do teatro continuam seu trabalho de formiguinhas industriosas e medíocres.

Assista à entrevista de Barbara Heliodora no Roda Viva, exibida em dezembro de 2010: