Aurora
Por Rogel Samuel Em: 29/06/2008, às 21H11
Releio com assombro e delícia o poema “Aurora” de Adolfo Casais Monteiro de 1954:
“A poesia não é voz — é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
voo sem pássaro dentro.”
(Adolfo Casais Monteiro in “Voo sem Pássaro Dentro”, 1954). Publicado por Maria Azenha, um marco na poesia da contemporaneidade, em:
http://opodaescrita.blogspot.com/2008/06/aurora.html
"A poesia não é voz — é uma inflexão", ou seja, um tom de voz, uma modalidade do dizer da voz. A poesia é uma modulação na voz. Quem diz é a prosa, no verso nada se diz, “nada se acrescenta a nada, somente / um jeito impalpável dá figura / ao sonho de cada um, expectativa / das formas por achar”. Depois, no poema, ele diz: “No verso nasce / à palavra uma verdade que não acha / entre os escombros da prosa o seu caminho”. Como vêem é pura estética, é teoria literária, no mais alto grau. Termina o seu poema reconhecendo o implacável: O homem não tem alma, não tem conteúdo, não tem destino, sentido e rumo – “E aos homens um sentido que não há nos gestos nem nas coisas: / vôo sem pássaro dentro.”
Adolfo Casais Monteiro sabia do que falava, pois ele era um excelente crítico literário. Em “Clareza e Mistério da Crítica”, de 1961, ele ataca o pedestal do maior crítico brasileiro, Afrânio Coutinho, razão por que foi odiado entre nós. Mas ele era um crítico independente e altivo! Foi perseguido por Salazar, refugia-se no Brasil, onde leciona Literatura Portuguesa. Em 1962, é professor titular em Araraquara. Mas morreu com 64 anos. Ele recebeu aquela famosa carta de Fernando Pessoa que hoje pode ser lida em:
http://www.pessoa.art.br/?p=24
Professor visitante na Universidade de Wisconsin, em Madison, (1968/69), e na Universidade Vanderbilt (Nashville, Tennessee, 1969). Dele, disse Jorge de Sena: Homem de duas pátrias, soube, da maneira mais devotada e sensível, ser inteiramente fiel a ambas, para lá de todas as falácias do nacionalismo. Porque ele foi, acima de tudo e dos condicionalismos da vida, um cidadão do mundo em língua portuguesa, que é uma maneira de esse mundo não saber que possui tal cidadão, e de a língua, que o possui, presa aos seus provincialismos, não apreciar a grandeza que por ela se afirma e realiza. (Jorge de Sena).