O enfado que, muitas vezes, intempestiva ou inexplicavelmente, recai sobre nossas vidas, não raro, nos faz acreditar que, dificilmente, teremos todo o tempo de que precisamos para resolver ou realizarmos tudo que gostaríamos de fazer. Forçoso dizer que não é incomum nos enganarmos a respeito disso, simplesmente porque não sabemos nem temos condições de vir a saber o que nos reserva a natureza para os próximos segundos. Isso é bom ou é ruim?
     Imagine toda uma vida sem surpresas; certamente, seria melancólica. Quanto às agradáveis, empenhamo-nos bastante no sentido de torná-las inesquecíveis; guardamo-las num cantinho da memória para, a qualquer momento, mediante específicos comandos, serem relembradas; em determinados casos, nas mais inusitadas situações. As desagradáveis servem para nos lembrar e/ou relembrar de que precisamos estar atentos e sempre prontos e preparados para suportar e assimilar as traulitadas ou dissabores que nos sobrevierem. Tanto das primeiras quanto das últimas, o impacto delas com a realidade vai depender de como estivermos levando nossa existência; se felizes, vamos perceber que até aquelas que imaginávamos jamais nos fossem acontecer passaram sem deixar grandes sequelas; quando estamos convivendo com dores, decepções, enfim, vicissitudes, acontecimentos corriqueiros ou pouco surpreendentes ganham o status de estraga-prazeres.
     Outra faculdade com a qual a natureza nos dotou e que tem valor inestimável é a que nos possibilita esquecer. A capacidade de guardarmos na memória de modo consciente ou inconsciente, de forma involuntária ou não, atos ou fatos que produzimos ou dos quais tomamos conhecimento, é tão importante quanto a que nos permite, voluntária ou involuntariamente, apagar aspectos, situações ou momentos que, aparente ou verdadeiramente, não têm serventia alguma. Sem o contrabalanço entre a ação de memorizar e a de desmemoriar, nossa existência, enquanto seres inteligentes, seria insuportável, senão impossível, eis que, provavelmente, a luta renhida, constante e ininterrupta envolvendo as faculdades de lembrar e esquecer, impedir-nos-ia de agir com inteligência. Guardando tudo que nos fosse dado saber ou conhecer, ou esquecendo de tudo que soubéssemos, nosso raciocínio entraria em parafuso e emburraríamos, inapelavelmente.
     Por falar em inteligência, há que se questionar: mais inteligente é quem não perde tempo esperando sinais claros e evidentes quanto ao surgimento de momentos ou situações que não poderiam ser desperdiçados, ou aqueles que veem a própria existência, o privilégio de estarem vivos como indicativo mais do que convincente de que tudo tem importância e precisa ser aproveitado?
     Temos o dever de tentar buscar a felicidade: a criação nos atribuiu essa obrigação. Muitos de nós não demonstram sentir dificuldade em encontrá-la: são os que parecem estar sempre felizes. Outros, por egoísmo ou talvez por exigirem de si mesmos uma perfeição que não possuem, não externam nem dão pistas de que estejam munidos ou imbuídos desse sentimento que, em maior ou menor incidência ou intensidade, todos nós, tímidos, introvertidos, extrovertidos, ricos, pobres, feios ou bonitos, vivenciamos.
     Ninguém pode se arvorar em dizer que conhece profundamente seu semelhante. Apesar de termos muitas características similares e universais, são as peculiaridades que nos fazem singulares. Todavia, podemos, sim, baseados em autojulgamento, atos, ações ou sentimentos manifestados, vangloriar-nos de que, pelo menos um pouco, nos é dado conhecer dos nossos companheiros de estrada. Ainda assim, tantas vezes nos enganamos em nossas avaliações e damos com os burros n’ água. É a vida: mudam as outras pessoas e mudamos nós.
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense ([email protected])