Vivíamos o ano trinta e seis do século XXI. Bissexto. Pelas últimas notícias veiculadas, faltava menos de uma hora para que americanos e soviéticos acionassem os botões que disparariam até a derradeira bomba nuclear de seus arsenais. Os Estados Unidos apontando, principalmente, para Rússia, Cuba e China, velhos ou renovados inimigos; os russos mirando suas armas para as Américas.

                Os últimos meses haviam sido devastadores para o mundo. Terremotos no Japão, na Itália e na China, não somente determinaram a quase total implosão do território japonês, como dizimaram centenas de milhões de europeus e chineses.

Vulcões que pareciam eternamente extintos eclodiram, violentamente, em lavas e fogo; gigantescos tsunamis, maremotos decorrentes dos avassaladores e intermitentes terremotos, aliados ao degelo das calotas polares, consequência da destruição irreversível da camada de ozônio, fizeram desaparecer a Holanda, devastando, talvez para sempre, grande parte dos territórios que se viam separados, limitados ou banhados pelos oceanos e pequenos mares de praticamente toda a terra, dizimando vidas e tudo mais que encontravam pelo caminho. Enormes porções da Nova Zelândia, Indonésia, América Central e da Austrália foram, igualmente, varridas do mapa; ao que sobrou, parecia inacessível chegar até lá.

Na América do norte e regiões situadas ao sul da América do sul, inclusive o Brasil, tornados e ciclones, de tal modo avolumados pela revolta dos oceanos e outras intempéries naturais, impuseram-lhes um grau de devastação inimaginável.

 Irã, Paquistão, Afeganistão, Coreias, Iraque, Israel, Palestina, Jordânia, Líbano, Líbia e Kuwait eram um imenso braseiro. Muitos deles não sucumbiram devido a causas naturais: enlouquecidos por uma intolerância, ignorante e injustificável, preferiram matar-se uns aos outros em guerras que o mundo desistira de tentar pôr fim.

                O nordeste e parte do leste brasileiro haviam sofrido um fortíssimo abalo em consequência de um gigantesco asteróide que caiu no arquipélago de Abrolhos, ao mesmo tempo em que um outro, descomunal, se abatia sobre o Chile, rachando a cordilheira dos Andes e destruindo tudo num raio de centenas de quilômetros, em decorrência da força da colisão ou em virtude dos terremotos e da ação vulcânica que se desencadeariam em seguida.

 Fato era que, ainda que ianques e vermelhos desistissem de suas ameaças, nossa sobrevida no planeta estava por um fio. Não demoraria muito para que a busca por um novo encaixe das placas tectônicas - desequilibradas por causa de testes nucleares insanos e de profundas escavações atrás de petróleo, minérios, água; e descoladas em razão dos últimos e terríveis cataclismos naturais - fizesse com que milhões de sobreviventes em toda a combalida terra fossem sacrificados, vítimas das terríveis agitações e espasmos que ela haveria de sofrer no doloroso processo de reorganização estrutural.

                Chegamos a não entender o motivo de tanta desgraça; entretanto, feitos os pertinentes exames de consciência, concluímos que éramos, na verdade, colaboradores, propiciadores das monstruosidades a que assistíamos. Não fizéramos nossa parte quando muitos viam nos cenários que se mostravam, situações a exigir cuidados especiais. Como aconteceu com os israelitas diante do desespero de não encontrarem a terra prometida, muitos de nós também duvidamos de Deus ou do criador; enquanto outros, simplesmente, trocaram-no por algo mais imediato: dinheiro e poder. Não poucos o abandonaram.

                O caos de antes dera lugar a um falso silêncio. O sol há muito não era visto em toda sua magnitude. Um fog permanente encobria o planeta, como a pressagiar algo terrível e aterrador. Não havia mais lágrimas para chorar, nem dava para continuarmos sendo hipócritas. A menos que um grande milagre ocorresse, estávamos vivendo nossas últimas horas. 

 

                                                                              Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e autor piauiense

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