Resumo: A questão das relações de continuidade e de mútua constitutividade entre a linguagem oral e a escrita é da maior relevância para a compreensão do funcionamento dos gêneros orais formais e públicos e dos gêneros de texto escrito em nossas sociedades letradas, assim como dos fenômenos dos letramentos e do ensino-aprendizagem de línguas nas escolas. Neste artigo, pretendemos fazer um exercício de análise de um gênero oral formal e público – a conferência acadêmica – em termos das relações entre oral-escrita, oral-oral e escrita-escrita na constituição da conferência e em sua “retextualização” (MARCUSCHI, 2001a) como transcrição. Serão tomados como dados os múltiplos textos orais e escritos em jogo numa conferência proferida por Bernard Schneuwly. Ao final, defender-se-á a posição de que oralidade e escrita mantêm uma relação complexa de mútuo efeito e interferência nos gêneros orais formais públicos, que pode ser melhor compreendida em termos de “sistema de atividades” que colocam em circulação e em relação “sistemas de gêneros” (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendidos no sentido bakhtiniano do termo.

Palavras-chave: gênero discursivo; oralidade; escrita; conferência acadêmica; ensino.

 

 

1 Introdução

Não existe ‘o oral’, mas ‘os orais’ sob múltiplas formas, que, por outro lado, entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: podem se aproximar da escrita e mesmo dela depender – como é o caso da exposição oral ou, ainda mais, do teatro e da leitura para os outros –, como também podem estar mais distanciados – como nos debates ou, é claro, na conversação cotidiana. Não existe uma essência mítica do oral que permitiria fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar. (SCHNEUWLY, 2004, p. 135)

Muito se tem discutido, nos anos recentes, sobre as relações que se estabelecem entre as modalidades oral e escrita no uso da língua[1]. As décadas de 70 e 80 testemunharam uma abordagem dicotômica dos dois fenômenos, que buscava e, por vezes, mistificava, semelhanças e diferenças de um oral tido como puro e de uma escrita tão transparente e pura quanto.

O quadro 1, montado a partir das discussões presentes em Marcuschi (2001a, p. 27-31), mostra as qualidades tidas como privativas de uma ou de outra modalidade, nos anos 80[2]:

 

Cultura oral

versus

Cultura letrada

pensamento concreto

raciocínio prático

atividade artesanal

cultivo da tradição

ritualismo…

 

pensamento abstrato

raciocínio lógico

atividade tecnológica

inovação constante

analiticidade…

Formas sociais orais

versus

Formas sociais escriturais

esquemas práticos

saber fazer

competências culturais difusas

despossessão…

 

conjunto de saberes objetivados

coerentes

sistematizados

poder de mando e de dizer…

Fala

versus

Escrita

contextualizada

dependente

implícita

redundante

não-planejada

imprecisa

não-normatizada

fragmentária…

 

descontextualizada

autônoma

explícita

condensada

planejada

precisa

normatizada

completa…

Quadro 1 – A perspectiva dicotômica das modalidades e de seu contexto de uso.

 

Ou seja, via-se a fala como desorganizada, variável, heterogênea e a escrita como lógica, racional, estável, homogênea; a fala seria não-planejada e a escrita, planejada e permanente; a fala seria o espaço do erro e a escrita, o da regra e da norma, enquanto a escrita serviria para comunicar à distância no tempo e no espaço; a fala somente aconteceria face a face; a escrita se inscreveria, a fala seria fugaz; a fala é expressão unicamente sonora; a escrita, unicamente gráfica.

Estas semelhanças e diferenças levantadas também teriam origem ou decorrência para as culturas e os contextos de uso da linguagem oral ou escrita e, logo, para os letramentos: a escrita levaria, por si só, a estágios mais complexos e desenvolvidos de cultura e de organização cognitiva e daria acesso por si mesma ao poder e à mobilidade social.

 

2 Relações entre linguagem oral e linguagem escrita – um debate em aberto

 

Em muito devido às mudanças históricas decorrentes das novas tecnologias eletrônicas e digitais da comunicação e da informação, que colocaram em causa, com suas mídias, muitas dessas constatações – como a situação face-a-face da fala e a distância da escrita; a fugacidade da fala e a preservação do escrito etc. –, da década de 90 em diante, começou-se a pensar relações menos simplistas e dogmáticas entre a fala e a escrita nas sociedades complexas e letradas. Duas posições ganharam relevo nestas discussões mais recentes:

a) a existência de um contínuo ou gradação entre fala/escrita (lingüística textual, análise conversacional, teorias de gêneros textuais); e

b) a existência de relações complexas de constitutividade mútua entre fala e escrita em contextos específicos de uso (teorias da enunciação e do discurso).

No Brasil, o proponente e articulador principal da visão do contínuo é Marcuschi (2001a; 2001b, dentre outros). Antes dele, já Kato (1986) apresentava uma visão de continuidade entre as construções de fala e escrita na criança em desenvolvimento:

 

Figura 1 – Relações de continuidade fala/escrita na criança.

Ou seja, a criança desenvolveria uma fala inicial sem contato com a escrita (F1). Quando de seus contatos iniciais com a escrita (E1), sua fala seria modificada por efeitos de letramento (F2… Fn), assim como sua escrita (E2…En) também sofreria impactos desses processos.

Marcuschi (2001a, 2001b) apresenta visão mais sofisticada destas relações de continuidade, fundada nos gêneros textuais. Para ele, as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Em conseqüência, temos a ver com correlações em vários planos, surgindo daí um conjunto de variações e não uma simples variação linear” (MARCUSCHI, 2001a, p. 37, destaque do autor).

 

Figura 2 – Relações de continuidade fala/escrita em relação a gêneros textuais (MARCUSCHI, 2001a, p. 38).

Os critérios principais de distribuição dos gêneros pelo contínuo seriam o “meio de produção” (sonoro ou gráfico) e a “concepção discursiva” (oral ou escrita). Assim teríamos, por exemplo, a seguinte distribuição de gêneros textuais:

  

Gênero textual

Meio de produção

Concepção discursiva

Domínio

 

Sonoro

Gráfico

Oral

Escrita

 

Conversação espontânea

X

 

X

 

a

Artigo científico

 

X

 

X

d

Notícia de TV

X

 

 

X

c

Entrevista publicada na Veja

 

X

X

 

b

Quadro 2 – Distribuição de quatro gêneros textuais de acordo com o meio de produção e a concepção discursiva (MARCUSCHI, 2001a, p. 40).

Embora a concepção brevemente exposta acima apresente uma versão bastante mais sofisticada das relações em oral e escrita nos usos sociais da língua, esta ainda guarda um pendor tipológico e taxonomizante, e relações de semelhança e diferença – enquanto múltiplas variáveis – operam no interior do contínuo.

De outra natureza é a concepção de relações entre usos orais e escritos da língua explicitada na epígrafe deste texto. Esta perspectiva é adotada por Corrêa (2001), Rojo (2001), Schneuwly (2004, 2005) e Signorini (2001b), dentre outros. Rojo (2001, p. 51-52) inicia seu texto distinguindo, com Barthes, “o escrito” – o que, na escrita, refere-se ao traço, à grafia[3] – e “a escrita, “a que produz textos” (BARTHES, 1981, p. 12). Ao longo do texto, a autora sustenta que a dicotomia entre modalidades pode somente dizer respeito ao “escrito”, pois, na “escrita”, reinam soberanos, sobre as relações complexas entre modalidades, o gênero discursivo e o contexto ou situação específicos de produção do texto numa dada esfera social.

Já Signorini (2001b, p. 99-101) aponta para os “hibridismos da escrita”, que se verificam “no/pelo imbricamento, conjunção, ou ‘mixagem’para usar um termo de Street (1984) –, não só de formas percebidas como próprias das modalidades oral e escrita, como também de códigos gráfico-visuais, gêneros discursivos e modelos textuais”. Em direção semelhante caminha a noção de “heterogeneidade da escrita” de Corrêa (2001, p. 142-156), quando insiste na existência de um

[...] trânsito entre as práticas sociais do campo das práticas orais e do campo das práticas letradas, como modo de justificar a presença de fatos lingüísticos da enunciação falada (gêneros, recursos fônicos, morfossintáticos, lexicais e pragmáticos) na enunciação escrita. Segundo o que penso, é sempre o produto do trânsito entre práticas sociais orais/faladas e letradas/escritas que nos chega como material de análise do modo de enunciação falado e do modo de enunciação escrito, ambos – como se sabe – manifestações de uma única e mesma língua.

Schneuwly (2005, s. p.), durante sua conferência analisada no presente artigo, enfoca a questão agora do ponto de vista dos usos da língua e da linguagem na esfera escolar. Diz o autor:

[...] A relação entre gêneros orais e gêneros escritos não é uma relação de dicotomia. É antes uma relação de continuidade e de efeito mútuo, isto é, gêneros orais podem sustentar gêneros escritos; gêneros escritos podem sustentar gêneros orais. Eles estão em mútua interdependência, cada gênero oral que entra na escola, em geral, pressupõe a escrita, assim como cada gênero escrito trabalhado na escola pressupõe o oral. Então, de uma certa maneira, esta é uma distinção relativamente artificial, pois há um entrelaçamento contínuo. Além disso, cada gênero oral é sempre também sustentado por um outro gênero oral, isto é, há sempre um gênero oral e um gênero oral sobre o gênero oral, um discurso sobre. Cada gênero é sempre também objeto de outros gêneros de alguma maneira. E então há sempre o falar para escrever, o escrever para falar, o escrever para escrever e o falar para falar, o que mostra que sempre um gênero é dependente de outros gêneros, o que é um fenômeno evidente de intertextualidade, mas que está sempre na base de nosso trabalho.

Esta é, pois, questão da maior relevância para a compreensão do funcionamento dos gêneros orais formais e públicos e dos gêneros de texto escritos em nossas sociedades letradas, assim como dos fenômenos dos letramentos e do ensino-aprendizagem de línguas nas escolas.

Por isso, neste texto, pretendemos fazer um exercício de análise de um gênero oral formal e público – a conferência acadêmica – em termos das relações complexas e de mútuo efeito entre oral-escrita, oral-oral e escrita-escrita[4] na constituição da conferência e em sua “retextualização” (MARCUSCHI, 2001a) como transcrição. Serão tomados como dados os múltiplos textos orais e escritos em jogo[5] numa conferência proferida por Bernard Schneuwly, em outubro de 2005. Eventualmente, será também levada em conta a tradução (quase) simultânea feita durante a conferência. Ao final, defender-se-á a posição de que oralidade e escrita mantêm uma relação complexa de mútuo efeito e interferência nos gêneros orais formais públicos, que pode ser melhor compreendida em termos de sistema de atividades que colocam em circulação e em relação sistemas de gêneros (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendidos no sentido bakhtiniano do termo.

 

3 Retextualização – um conceito-chave

 

Marcuschi (2001a, p. 46) também elabora o conceito de “retextualização”, entendida como “um processo que envolve operações complexas [de passagem do texto falado para o escrito e vice-versa] que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-compreendidos da relação oralidade-escrita.”

Na verdade, o autor distingue entre “transcrição” (REY-DEBOVE, 1996) e “retextualização”. Na “transcrição” ou “transcodificação” está envolvido o que costumamos chamar de “o escrito”[6], isto é, a materialidade fônica da fala e gráfica da escrita, por meio de “procedimentos convencionalizados”. Neste nível, não há introdução de transformações no texto produzido, apenas alteração na materialidade (fônica-gráfica). No entanto, mesmo neste primeiro nível de operações relativamente simples, já há uma neutralização do texto oral original: eliminam-se hesitações, incorreções, reformulações, marcadores conversacionais, repetições e truncamentos; introduz-se a pontuação. Há o que Marcuschi (2001a, p. 52) denomina uma espécie de “idealização da língua pelo molde da escrita”.

Já na “retextualização” (MARCUSCHI, 2001a), entra em jogo o que costumamos denominar “a escrita”, isto é interfere-se tanto na materialidade como na forma e no conteúdo do texto, na passagem de um texto a outro. Refaz-se o textos mudando sua formatação lingüística, por meio de uma série de operações que Marcuschi (2001a, p. 69) sintetiza no quadro 3.

 

Quadro 3 – Aspectos envolvidos nos processos de retextualização.

Em seu livro, o autor detalha e exemplifica com abundância os processos envolvidos nestas operações e faremos recurso aos conceitos e descrições do autor, na medida em que for necessário na análise de nossos dados.

 

4 A conferência acadêmica – uma fala encadeada a uma escrita (ou muitas)

 

A conferência acadêmica é um gênero oral formal e público que apresenta complexas relações entre textos orais e escritos em sua elaboração e apresentação. Embora haja, em certos domínios de estudo e pesquisa, muitos conferencistas que redijam um texto que será lido em público[7], em nossa área, é mais comum o procedimento de se elaborar inicialmente um resumo[8] e depois um arquivo num editor de apresentações (um “power point”, como se diz comumente[9]), com slides contendo esquemas; enumerações; definições ou citações; quadros, tabelas e gráficos; ilustrações e imagens, animados ou não. Sobre esses dois escritos[10] e em relação com eles, articula-se a fala do conferencista, que, depois, pode vir a ser transcrita (ou transcodificada) e, por vezes, editada ou retextualizada para a elaboração de um artigo acadêmico para publicação.

É esse gênero discursivo que estaremos analisando neste artigo, visando explorar as relações entre oralidade e escrita nesta situação de comunicação. Mais exatamente, trata-se da conferência intitulada Gêneros orais e escritos na escola[11], proferida pelo professor Bernard Schneuwly[12] a um público de professores universitários e alunos de graduação e pós-graduação das áreas de Lingüística, Lingüística Aplicada e Educação, na UNICAMP, em 20/10/2005. A conferência foi proferida com tradução quase-simultânea, feita pela mesma pessoa que depois elaborou a transcrição da conferência[13]. Seguiram-se à conferência 45 minutos de debates.

Para a elaboração da conferência foi dado ao professor apenas o título e não uma ementa de conteúdo ou um resumo. Mas tratava-se do mesmo título de livro de sua autoria (com sua equipe de pesquisa), traduzido e publicado no Brasil em 2004. Portanto, ficava claro que se esperava uma síntese do trabalho do professor (e sua equipe) nos últimos 10 anos, sobre a questão dos gêneros de texto na escola. Para a conferência, o professor elaborou um power point, que será analisado juntamente com sua fala. O professor também gravou sua fala (e as traduções e discussões) diretamente no computador, por meio da ferramenta Audacity.app, gerando um arquivo de som (.wav) para transcrição.

Goffman (1981, p. 176) chama a atenção para a existência, nas conferências, de parênteses (brackets), muitas vezes acompanhados de rituais[14], e qualifica a “abertura” e “fechamento” da conferência como “parênteses que ocorrem na interface entre espetáculo e jogo, neste caso, a situação e a conferência propriamente dita”.

O texto oral do gênero conferência acadêmica é, pois, aberto por um ritual inicial de apresentação do conferencista convidado e de seu(s) tema(s), apresentação das regras da conferência relativas a tempo e interação e de agradecimentos mútuos pelo convite e pela aceitação do convite:

Mod.: Vamos abrir a conferência do Prof. Bernard Schneuwly que está numa breve visita aqui e à Católica […] Esta primeira conferência de hoje é uma conferência ligada ao trabalho dele dos últimos […] dez anos, sobre o ensino de gêneros, primeiro escritos, não é?, na primeira fase, eles trabalharam, com foco especial na produção, e, em seguida, gêneros orais na sala de aula, né?, e que teve algum impacto nos nossos referenciais, né?, enquanto trabalho. Uma síntese deste trabalho dos últimos dez anos está no livro que a gente traduziu ãn… o ano passado, acabamos de traduzir o ano passado, da Mercado de Letras, que chama… que tem o mesmo título da conferência, que é Gêneros orais e escritos na escola. O professor/ Nós temos ãn… até meio dia para discussão e exposição […]/ vai falar uma hora uma hora e pouquinho e aí a gente faz as discussões e… […] Professor Bernard Schneuwly é da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e trabalha com o ensino de francês língua materna […] Eu passo a palavra então… Bernard…

Prof.: Merci. Ãn. C´est un grand plaisir de venir ici vous parler d’un thème que me tient à coeur – Roxanne l’a dit – sur lequel je travaille depuis des très très longues années. Et donc…[15]

Embora tenhamos escolhido fazer para este artigo uma transcrição que Marcuschi (2001a) qualifica como uma “idealização” da fala, isto é, já na forma do português padrão (“vamos” por “vamo”, por exemplo), adotando a pontuação da escrita e eliminando maiores digressões da fala, não procedemos a maiores re-organizações do texto, para preservar, como exemplificação, já na fala inicial da moderadora, as “descontinuidades” sintáticas da linguagem oral, por exemplo, no enunciado “o trabalho dele dos últimos […] dez anos, sobre o ensino de gêneros, primeiro escritos, não é?, na primeira fase, eles trabalharam, com foco especial na produção, e, em seguida, gêneros orais na sala de aula, né?”. Além dos fáticos (“Né?”, “Não é?”) e das hesitações (“ãn…”), os enunciados iniciais já apresentam descontinuidades sintáticas (“gêneros, primeiro escritos, não é?, na primeira fase, eles trabalharam, com foco especial na produção”), que, no texto escrito ou transcrito, sofreriam re-organizações.

A partir deste momento, a fala do conferencista passa a relacionar-se estreitamente e a constituir-se a partir do texto escrito do editor de apresentações, como veremos logo mais. O power point organizado pelo conferencista constava de 16 slides, distribuídos conforme o quadro 4:

 

Função

Conteúdo

Formato

1

Título

Genres oraux et genres écrits à l’école” (Gêneros orais e escritos na escola) – Bernard Schneuwly – Université de Genève

Slide título

2

Plano de fala

Tópicos principais da conferência (6)

Slide lista com marcadores - enumeração de subtítulos

3

Desenvolvimento dos tópicos 1 e 2

“Genres: rappel théorique

Gêneros: apanhado teórico

Slide lista com marcadores - enumeração de citações resumidas

4

Desenvolvimento do tópico 3

L’école: institution créatrice de genres – la forme scolaire”

A escola: instituição criadora de gêneros – a forma escolar

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

Função

Conteúdo

Formato

5

Desenvolvimento do tópico 3

“La forme scolaire”

A forma escolar

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

6

Desenvolvimento do tópico 3

“La discipline scolaire

A disciplina escolar

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

7-8

Desenvolvimento do tópico 4

“Les genres en ‘français’: le point de vue de la transposition didactique”

Os gêneros em “francês”: o ponto de vista da transposição didática

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

9

Desenvolvimento do tópico 4

“Les genres en ‘français’: le point de vue de la transposition didactique”

Os gêneros em “francês”: o ponto de vista da transposição didática

Slide tabela com dados de pesquisa a título de exemplo

10-11

Desenvolvimento do tópico 5

“Les genres en ‘français’: le point de vue de l’ingénierie”

Os gêneros em “francês”: o ponto de vista da engenharia

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

12

Desenvolvimento do tópico 5

“Les genres en ‘français’: le point de vue de l’ingénierie”

Os gêneros em “francês”: o ponto de vista da engenharia

Slide lista com marcadores - enumeração de definições

13-14

Desenvolvimento do tópico 5

“Les genres en ‘français’: le point de vue de l’ingénierie”

Os gêneros em “francês”: o ponto de vista da engenharia

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

15

Desenvolvimento do tópico 6

“Les genres pour enseigner

Os gêneros para ensinar

Slide lista com marcadores - enumeração de itens

16

(In) Conclusão – anuncia continuidade na próxima conferência

“Affaire à suivre…”

Próximos capítulos…[16]

Slide título

Quadro 4 – Slides do editor de apresentações utilizado.

 

Mencionamos anteriormente que consideramos este esquema de apresentação um texto num gênero presente na conferência e não, simplesmente, uma ferramenta computacional. A própria ferramenta computacional – o editor de apresentações – disponibiliza modelos (templates) de formato (layout) e de conteúdo (content) que predizem alguns temas e finalidades possíveis dos textos (encontro empresarial, apresentação de relatório técnico, visão geral de projeto, motivação de uma equipe, recomendação de uma estratégia etc.) e permitem escolher entre formatos pré-prontos (título, tabela, gráfico, organograma, lista com marcadores, texto, imagem ou mídia com ou sem texto etc.). Podemos dizer que as ferramentas do software prevêem e predizem tanto a forma composicional como alguns dos temas e estilos possíveis de textos no gênero, além de possibilitarem um conjunto amplo de animações (de som e imagem).

Este gênero tem uma função planejadora da fala formal pública (no trabalho, no espaço acadêmico) e exerce controle e apoio à execução desta fala, assim como apóia também a compreensão da platéia. O texto dos slides esquematiza a fala e o número de slides, por sua vez, serve de controle do tempo de execução da fala.

Vejamos dois tipos de desenvolvimento da fala em relação ao texto escrito dos slides. No primeiro exemplo, a fala expande um pouco o texto do slide, apenas o suficiente para qualificar o elenco de itens a serem desenvolvidos.

Exemplo 1:

Je vais, dans un premier temps/ Donc, c’est un peu le plan que je vais suivre/ Je vais parler une heure, une heure et quart, quelque chose de ce type-là/ faire quelques brefs préliminaires; ensuite, vous parler très brièvement – parce que ça vous connaissez – faire un petit rappell de la notion de genre, puisque c’est “les genres écrits et oraux” et… évidemment, je ne peux pas ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une institution sociale, il y a une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport entre, de manière générale, l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de “forme scolaire” parce que, à mon avis, c’est cette “forme scolaire”, qui est une forme sociale, […][17] Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école. Je vais, ensuite, […] regarder les genres en français, dans la langue maternelle “français”, et adopter, dans un premier point/ dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir les genres en français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de l’ingénierie – vous verrez un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure. C’est deux manières de regarder la même realité de deux points de vue, précisement, quoi. Je vais terminer sur les genres pour enseigner, et ceci fait le lien avec la conférence de demain. Et donc, voilà. Ça sera ‘un affaire à suivre’.[18]

O texto do slide de abertura da conferência, que tem por função apresentar um “organizador avançado”, uma meta-enunciação do que será desenvolvido, realiza-se no formato de fala planejadora (VYGOTSKY, 1934), exibindo uma lista com marcadores dos grandes tópicos que serão abordados na conferência, em número de 6. Os tópicos são apresentados como frases nominais, nominalizações e apostos.

A fala da conferência expande um pouco, como dissemos, os tópicos desta lista, constituindo uma descrição das ações discursivas que serão realizadas (“faire quelques brefs préliminaires”; “ensuite, vous parler très brièvement”; “je vais, ensuite, regarder”; “je vais terminer sur”). Além de organizar, na forma narrativa, a seqüência temporal dos grandes temas da exposição, a fala inicial qualifica minimamente esses tópicos para além das qualificações já apresentadas no slide:

- l’école à une institution sociale; une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine;

- la forme scolaire à qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école;

- genres pour enseigner à ceci fait le lien avec la conférence de demain.

Ao retextualizar a lista de tópicos do slide, o orador, portanto, procede a “reformulações por acréscimo” (MARCUSCHI, 2001a). Mas, ao fazê-lo, qualifica apenas minimamente os tópicos, coisa que ocorre sempre que o orador passa rapidamente – a elocução é também mais rápida – pelos itens de um slide, seja porque vai retomá-los um a um para comentá-los, como é o caso deste slide, seja por questões de controle do tempo. O índice, neste caso é prosódico: uma fala de ritmo mais rápido e muitas vezes com entonação de leitura. Certos itens podem ser reconhecidos como aspados (citados ou lidos), pela entonação – pequena pausa antes de iniciar o sintagma em tom e pitch mais alto e forte –, como é o caso, no exemplo 1, de “genres écrits et oraix”, “sphère d’activité” e de “forme scolaire”.

 

 “Genres écrits et oraux”

“sphère d’activité”

“forme scolaire”.

Quadro 5 – Imagens espectográficas dos trechos falados.

 Neste caso, o conferencista também escolhe um estilo interativo com a platéia (“vous parler”, “vous connaissez”, “vous verrez”) e marcado por um registro relativamente informal (“quelque chose de ce type-là”, “un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure”, “quoi”, “et donc”, “voilà”, “ça sera"), estabelecendo uma relação mais próxima e distensa com a platéia. Para Bovet (1999, p. 70), “o público desempenha um papel importante na organização discursiva da exposição. Exemplos de formulação recipient designed[19] lembram a dimensão interativa da exposição, a despeito de seu caráter monológico”. Isto é, por exemplo, o que acontece neste trecho, quando, face a uma audiência de lingüistas que supõe conhecer e operar com o conceito de gênero discursivo, o orador opta por justificar por que tratará esse item (gênero discursivo) e tão rapidamente (“falar-lhes muito brevemente – pois isso vocês conhecem – fazer um pequeno apanhado da noção de gênero, pois é ‘os gêneros escritos e orais’ e… evidentemente, não posso não falar dos gêneros, mas muito brevemente”).

Por outro lado, o texto oral constituído sobre os slides apresenta algumas das características antes mencionadas de descontinuidade sintática, auto-correção e retomada etc.

- Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une institution sociale, il y a une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport entre, de manière générale, l’école et les genres

- Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire qui définit les genres

- Et adopter, dans un premier point/ dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique

Uma maneira diferente de reformular por acréscimo o texto dos slides ocorre no exemplo 2.

Exemplo 2:

Alors, maintenant, les rapports entre genres oraux et genres écrits, eh... Dans un/ première/ distinction/ Donc la première defini// Pas définition, le premier principe que nous définissons c’est que nous nous limitons – mais ça fait déjà beaucoup – aux genres publiques, c’est-à-dire, aux genres qui peuvent circuler, être accessibles à des groupes ou des larges masses de gens, à l’opposée à des genres privés, que nous ne traitons pas d’une certaine manière comme un objet à enseigner. C’est un principe de base, mais qui est lié à notre conception de l’école comme un lieu précisement publique, relativement pas coupé mais séparé de la sphère privée etc. Donc, c’est ça un principe de base. Ce qu’évidemment, pour les genres oraux, exclut tout une série de genres, mais également pour les genres écrits.[20]

Le deuxième principe c’est que le rapport entre genres oraux et genres écrits n’est pas un rapport de dicotomie. C’est plutôt un rapport d’une certaine manière de continuité et d’effet mutuel, c’est-à-dire, des genres oraux peuvent soutenir des genres écrits; des genres écrits peuvent soutenir des genres oraux. Ils sont en mutuelle interdépendence, chaque genre oral traduit/ chaque genre oral prêté à l’école, en général, présuppose de l’écrit, tout comme chaque genre écrit travaillé à l’école préssupose de l’oral. Donc, d’une certaine manière c’est une distinction relativement artificielle, ce qui ne veut pas dire qu’après, la production à un certain moment est écrite de manière dominante, mais il y a un entrelacement continuel. D’ailleurs, chaque genre est toujours aussi soutenu/ un genre oral est toujours aussi soutenu par un genre oral lui-même, c’est-à-dire, il y a toujours un genre oral et un genre oral sur le genre oral, ãn? un discours sur. Il y en a donc, ici/ ãn…/ chaque genre est toujours aussi objet d’autres genres en quelque sorte. Et donc il y a toujours le parler pour écrire, l’écrire pour parler, l’écrire pour écrire, le parler pour parler, ce qui montre que toujours un genre est dépendent d’autres genres, ce qui est un phénomène d’intertextualité évidente, mais qui est à la base de notre travail toujours.[21]

Dada a extensão da reformulação feita sobre o texto deste slide, vamos comentar apenas as reformulações e acréscimos propostos para os últimos dois itens da lista com marcadores do slide, até porque estes dois tópicos expõem conteúdos importantes para nossa discussão neste artigo. Neste ponto da conferência, o orador expõe dois princípios de base para o tratamento dos “gêneros orais a ensinar”, reproduzidos no slide, e que são definidos, exemplificados e sustentados, por meio de acréscimos feitos ao texto primeiro:

 

Quadro 6 – Reformulações e acréscimos feitos oralmente aos dois últimos itens do slide.

 

Vemos que, nesse segundo modo de reformulação por acréscimo, esta é bastante mais extensa e, nele, o tópico do slide funciona como uma espécie de lembrete para o desenvolvimento de toda uma fala que inclui, como vimos, (re-)definições, explicações, reformulações, paráfrases do já-dito, exemplificações. Também aqui estão presentes as formas de (des-)continuidade da fala, marcadas em negrito no exemplo, índices em geral de busca e da seleção lexical mais adequada, que leva a reformulações responsáveis pelo caráter “entrecortado” da produção oral.

Estas são, portanto, duas maneiras principais de reformular por acréscimo os textos dos slides. É importante lembrar que, durante a conferência, para a platéia como para o orador, o fluxo textual dos slides rege e organiza a produção textual da fala, de tal maneira que descontinuidades no fluxo dos slides causarão descontinuidades no fluxo da fala. O fluxo dos slides serve também para o controle, por parte do orador, do tempo de fala.

Exemplo 3:

“On peut le montrer d’ailleur: cette sédimentation elle fonctionne. J’ai un tout petit/ le prochain annonce/ oui/ c’est ça/ le prochain petit tableau là/ voilà/ dit juste ici /

Donc, on a fait un étude sur quelque chose comme 300, 400 enseignants pour savoir quels sont les genres qu’ils enseignent.”[22]

Exemplo 4:

Bien, je termine ici ces quelques éléments de/ sur la refléxion sur les genres enseignés du point de vue de la transposition didactique et je passe au prochain point sur le point de vue de l’ingénierie. Alors, j’ai déjà utilisé une heure, est-ce que vous m’accordez encore… (risos[23] e interrupção da moderadora concedendo tempo) Voilà, donc… Je vais encore faire un quart d’heure ou dix minutes comme ça, si vous avez encore de la patience. Alors…[24]

Conclui-se, desta primeira parte, que conferência e apresentação power point são dois gêneros que, embora se materializem em modalidades diferentes (gráfica, fônica), não podem ser considerados como separados num contínuo entre oralidade e escrita, a apresentação mais alinhada com a escrita e a conferência mais alinhada com a oralidade devido à materialidade de cada uma. Ao contrário, são gêneros secundários mutuamente constitutivos, um fazendo parte do outro de maneira determinante. A forma composicional e os temas da apresentação serão retomados e constituirão a forma composicional e temas da conferência, que expande e re-organiza o texto escrito da apresentação por meio do acréscimo de definições, explicações, reformulações etc. A fala da conferência flexibiliza o estilo formal e público da apresentação, podendo adotar registros relativamente mais informais e distensos. A relação entre um e outro não é de semelhanças e diferenças entre textos prototípicos num continuum, mas de efeito mútuo e de entrelaçamento. Uma relação dialógica no sentido bakhtiniano, em que um enunciado da apresentação constitui “um elo (detonador de outros elos) na cadeia de fala” da conferência. Cabe também lembrar que os enunciados da apresentação já são eles próprios elos-síntese de outros textos e enunciados, escritos ou lidos pelo orador produtor do texto da apresentação[25].

Mesmo conceitos bakhtinianos forjados para explicar o dialogismo nos gêneros, como os de “intercalação e o de “hibridismo”[26], não são exatos para explicar as relações intertextuais e interdiscursivas aqui presentes, que se apresentam como partes tramadas de um discurso cujo funcionamento é conjunto e mutuamente determinado.

 

5 A transcrição da conferência – novos procedimentos de retextualização

 

Na transcrição desta conferência operam muitos dos procedimentos já discutidos em detalhe em Marcuschi (2001a) – sobretudo, procedimentos de “idealização” e de “reformulação”. Comparemos as falas da conferência com as transcrições efetuadas, no quadro 7.

 

Trecho da conferência

Transcrição

“Je vais, dans un premier temps/ Donc, c’est un peu le plan que je vais suivre/ Je vais parler une heure, une heure et quart, quelque chose de ce type-là/ faire quelques brefs préliminaires; ensuite, vous parler très brièvement – parce que ça vous connaissez – faire un petit rappell de la notion de genre, puisque c’est “les genres écrits et oraux” et… évidemment, je ne peux pas ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une institution sociale, il y a une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport entre, de manière générale, l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de “forme scolaire” parce que, à mon avis, c’est cette “forme scolaire”, qui est une forme sociale, […] Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école. Je vais, ensuite, […] regarder les genres en français, dans la langue maternelle “français”, et adopter, dans un premier point/ dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir les genres en français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de l’ingénierie – vous verrez un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure. C’est deux manières de regarder la même realité de deux points de vue, précisement, quoi. Je vais terminer sur les genres pour enseigner, et ceci fait le lien avec la conférence de demain. Et donc, voilà. Ça sera ‘un affaire à suivre’”.

“Je vais, dans un premier temps Æ , faire quelques brefs préliminaires; ensuite vous parler très brièvement – puisque cela vous connaissez – pour faire un petit rappell de la notion de genre, puisque le thème ce sont les genres écrits et oraux et évidemment je ne peux pas ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école Æ , étant donné que c’est une institution sociale, une sphere d’activité, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport, de manière générale, entre l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de formes scolaires, parce que, à mon avis, c’est cette forme scolaire, qui est une forme sociale, Æ qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école. Je vais, ensuite, regarder les genres à l’enseignement du Français langue maternelle et adopter, dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir les genres en Français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de l’ingénierie – vous verrez un petit peu ce qui ß que? cela signifie tout-à-l’heure. Ce sont deux manières de regarder la même realité de deux points de vue, précisement Æ . Je vais terminer sur les genres pour enseigner, ce qui fait le lien avec la conférence de demain. Æ

“Alors, maintenant, les rapports entre genres oraux et genres écrits, eh... Dans un/ première/ distinction/ Donc la première défini/ Pas définition, le premier principe que nous définissons c’est que nous nous limitons – mais ça fait déjà beaucoup – aux genres publiques, c’est-à-dire, aux genres qui peuvent circuler, être accessibles à des groupes ou des larges masses de gens, à l’opposée à des genres privés, que nous ne traitons pas d’une certaine manière comme un objet à enseigner. C’est un principe de base, mais qui est lié à notre conception de l’école comme un lieu précisement publique, relativement pas coupé mais séparé de la sphère privée etc. Donc, c’est ça un principe de base. Ce qu’évidemment, pour les genres oraux, exclut tout une serie de genres, mais également pour les genres écrits.”

“Alors, maintenant, les rapports entre genres oraux et genres écrits. Æ  La première distinction, le premier principe que nous définissons c’est que nous nous limitons, mais ça fait déjà beaucoup, aux genres publiques, c’est-à-dire, aux genres qui peuvent circuler, être accessibles à des groupes ou des larges masses de gens, à l’opposée à des genres privés, que nous ne traitons pas d’une certaine manière comme des objets à enseigner. C’est un principe de base, mais qui est lié à notre conception de l’école comme un lieu précisement publique, relativement Æ  séparé de la sphère privée etc. Donc, c’est un principe de base. Ce qu’évidemment, pour les genres oraux, exclut tout une série de genres, mais également pour les genres écrits.”

 

Quadro 7 – Falas da conferência comparadas às transcrições.

Como processos da operação de “idealização” da fala a partir da língua escrita, destacam-se os de:

a) “regularização, por meio de:

- uso da pontuação gráfica;

- estabelecimento da concordância verbo-nominal em termos de língua padrão (substituição de “c’est” por “ce sont”; “genres comme des objets à enseigner”);

- eliminação ou substituição dos marcadores ligados a um registro informal da língua (“de deux points de vue, précisement, quoi. Je vais terminer sur les genres pour enseigner, et ceci ce qui fait le lien avec la conférence de demain. . Et donc, voilà. Ça sera “un affaire à suivre”.”);

b) “eliminação” das hesitações, digressões, repetições e correções (“Je vais, dans un premier temps / Donc, c’est un peu le plan que je vais suivre/ Je vais parler une heure, une heure et quart, quelque chose de ce type-là/ faire quelque; Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que; forme sociale, […] Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire qui définit; genres écrits, eh... Dans un/ première/ distinction/ Donc la première défini/ Pas définition, La première distinction, le premier principe que nous définissons; l’école comme un lieu précisement publique, relativement pas coupé mais séparé de la sphère privée”);

e de “reformulação”, ainda que mínima, por meio de:

c) “Reordenação” sintática: “le rapport, de manière générale, entre, de manière générale, l’école et les genres”;

d) “Substituição” e “acréscimo” de coesivos: “puisque, pour”;

e) “Substituição” de marcas prosódicas por sintagmas completos, recuperando o sentido de maneira mais precisa: “puisque le thème ce sont c’est “les genres écrits et oraux” et… évidemment; regarder les genres à l’enseignement du Français langue maternelle en français, dans la langue maternelle “français”, et adopter”.

Sendo a transcrição uma espécie de “discurso reportado”, estamos aqui no domínio do que Bakhtin/Volochínov (1929, p. 149) trataram como o fenômeno do “discurso citado”:

[…] Os esquemas lingüísticos […], as modificações desses esquemas e as variantes dessas modificações que encontramos na língua, e que servem para a transmissão das enunciações de outrem e para a integração dessas enunciações, enquanto enunciações de outrem, num contexto monológico coerente.

O autor lembra ainda algo fundamental para este nosso texto: o fato de que “o discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 1929, p. 150, ênfase do autor).

Assim, tanto as relações discursivas entre os enunciados da apresentação e os da conferência como os da conferência e os da transcrição seriam fenômenos de discurso citado, de “discursos no discurso, de enunciações na enunciação”. Mas com uma diferença básica: no caso da relação dos enunciados da apresentação com os da conferência, estamos diante de um “estilo pictórico” de citar o discurso e, no caso da relação entre a conferência e sua transcrição, estamos diante de um “estilo linear autoritário”[27] (“monumental”) de citar o discurso de autor.

O “estilo pictórico” temtendência para infiltrar o discurso citado com as réplicas e os comentários do autor” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929, p. 159). É o que faz o conferencista em relação aos enunciados dos slides da apresentação: glosa, comenta, replica. O “estilo linear autoritário” tem tendência a tratar o discurso alheio como um “monumento”, algo que não pode ser alterado e cuja pureza e integralidade têm de ser preservadas – é o que tentam fazer o tradutor e o transcritor.

Marcuschi (2001a, p. 54) aponta como uma das variáveis relevantes para a retextualização a “relação entre o produtor do texto original e o transformador”, dizendo que, quando é o próprio autor que retextualiza, as mudanças são muito mais radicais e, quando é uma outra pessoa, esta terá muito mais “’respeito’ pelo original e fará menor número de mudanças no conteúdo, embora possa fazer muitas mudanças na forma”.

É o que vimos ocorrer na transcrição: mudanças na forma para adequá-la a uma idealização da língua que tem base na escrita, mais aceita como variedade padrão, e mudanças no âmbito do conteúdo somente para torná-lo mais preciso. Seria o que Bakhtin/Volochínov (1929, p. 165) chama de “variante analisadora de conteúdo” do estilo linear. Para ele,

A tendência analítica do discurso indireto manifesta-se principalmente pelo fato de que os elementos emocionais e afetivos do discurso não são literalmente transpostos ao discurso indireto, na medida em que não são expressos no conteúdo mas nas formas da enunciação. [...] As abreviações, elipses, etc., possíveis no discurso direto por motivos emocionais e afetivos, não são admissíveis no discurso indireto por causa da sua tendência analítica. Esses elementos só entram na sua construção sob uma forma completa e elaborada.

No caso da variante analisadora de conteúdo do estilo linear, o discurso do outro é apreendido como “uma tomada de posição com conteúdo semântico preciso por parte do falante”, e busca-se transpor ou retextualizar de maneira analítica sua composição objetiva exata (o que disse o falante). Para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 167),

A tendência a tematizar o discurso de outrem é incontestavelmente inerente a essa variante, e assim ela preserva a integridade e a autonomia da enunciação, não tanto em termos sintáticos mas em termos semânticos (vimos como uma construção expressiva numa enunciação a ser citada pode ser tematizada). Esses resultados, contudo, só são obtidos ao preço de uma certa despersonalização do discurso citado.

Para o autor, isso é típico de certos contextos e esferas de atividade humanos, que ele qualifica como “um contexto enunciador suficientemente racional e dogmático”, em que se manifesta um “forte interesse pelo conteúdo semântico, e onde o autor afirma, através de suas próprias palavras, com sua própria personalidade[28], uma posição de forte conteúdo semântico”.

Portanto, as apreciações de valor que levam o transcritor a retextualizar e modificar um texto oral original são fortemente ligadas à propriedade da palavra, a monumentalidade da palavra e disso decorre uma tendência a preservação do conteúdo.

São, no entanto, tendências diversas de “apreensão ativa do discurso alheio ou anterior que se manifestam na transmissão ou recepção do discurso: uma “relação ativa” de uma enunciação a outra, uma “reação da palavra à palavra”.

Também Marcuschi (2001a, p. 70) aponta que “para poder transformar um texto é necessário compreendê-lo ou pelo menos ter uma certa compreensão dele”. Por isso, o autor coloca como 4º bloco das operações de retextualização as operações “cognitivas” de compreensão (“inferência, inversão, generalização”)[29]. Para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 154), no entanto, essas “operações cognitivas” seriam movimentos do “discurso interno” e o autor dá especial atenção a dois desses movimentos: o de “réplica interior” e o de “comentário efetivo” (termos tomados por Bakhtin/Volochínov a JARUBINSKY, s.d.):

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar o ‘fundo perceptivo’, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante. Esse processo efetua-se em dois planos: de um lado, a enunciação de outrem é recolocada no contexto de comentário efetivo (que se confunde em parte com o que se chama o fundo perceptivo da palavra); na situação (interna e externa), um elo se estabelece com a expressão facial, etc. Ao mesmo tempo prepara-se a réplica (Gegenrede).

Em nossos dados sob análise, os movimento desta apreensão ativa por parte da pessoa que elaborou a transcrição é revelado, em parte, pela tradução feita pela mesma pessoa, no momento da conferência, exibida no quadro 8:

 

Trecho da conferência

Tradução

Transcrição

“Je vais, dans un premier temps/ Donc, c’est un peu le plan que je vais suivre/ Je vais parler une heure, une heure et quart, quelque chose de ce type-là/ faire quelques brefs préliminaires; ensuite, vous parler très brièvement – parce que ça vous connaissez – faire un petit rappell de la notion de genre, puisque c’est “les genres écrits et oraux” et… évidemment, je ne peux pas ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école, qu’est-ce/ l’école étant donné que c’est une institution sociale, il y a une “sphere d’activité”, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport entre, de manière générale, l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de “forme scolaire” parce que, à mon avis, c’est cette “forme scolaire”, qui est une forme sociale, […] Donc, l’école, la forme scolaire, parce que c’est, pour moi, la forme scolaire qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école. Je vais, ensuite, […] regarder les genres en français, dans la langue maternelle “français”, et adopter, dans un premier point/ dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir les genres en français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de l’ingénierie – vous verrez un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure. C’est deux manières de regarder la même realité de deux points de vue, précisement, quoi. Je vais terminer sur les genres pour enseigner, et ceci fait le lien avec la conférence de demain. Et donc, voilà. Ça sera ‘un affaire à suivre’”.

“Neste primeiro pedaço, ele anunciou um pouco o que ele pretende fazer durante a conferência/ ãn… que é fazer alguma/ depois de algumas observações preli-minares, ãn… fazer algumas/ retomadas né? teóricas da noção de gênero com a qual ele está trabalhando . Como o gênero é algo ligado a diversas esferas, passar em seguida à escola como uma esfera que gera ela mesmo gêneros, né?, criadora de gêneros e fazer um pouquinho uma reflexão sobre o funcionamento dessa esfera, a forma de funcionamento da escola. Em seguida passar para o gêneros em francês, claro né?, que é a cultura que ele vive, né?, sob o ponto de vista da transposição didática, ou seja de como trabalhá-los na escola e do mecanismo de trans-posição. E ãn… quase finalmente, retomar do/ retomar a questão dos gêneros em francês, em francês, mas desta vez não do ponto de vista da transposição, mas do ponto de vista de algo que ele está chamando “sua engenharia”, né? Eu tô imaginando seu funciona-mento, sua estrutura, enfim, “engenharia” aí deve estar fundindo as duas noções, suponho. Ãn… E aí, por fim, pra terminar, ele quer falar dos gêneros para ensinar, né?, ãn…, o que, segundo ele, faz a conexão com a conferência de amanhã.

“Je vais, dans un premier temps , faire quelques brefs préliminaires; ensuite vous parler très brièvement – puisque cela vous connaissez – pour faire un petit rappell de la notion de genre, puisque le thème ce sont les genres écrits et oraux et évidemment je ne peux pas ne pas parler des genres, mais très brièvement. Ensuite, regarder l’école , étant donné que c’est une institution sociale, une sphere d’activité, comme dirait Bakhtine; quel est le rapport, de manière générale, entre l’école et les genres et je vais ici introduire la notion de formes scolaires, parce que, à mon avis, c’est cette forme scolaire, qui est une forme sociale, qui définit les genres qui sont à l’intérieur de l’école. Je vais, ensuite, regarder les genres à l’enseignement du Français langue maternelle et adopter, dans un premier temps, le point de vue de la transposition didactique et ensuite je vais revoir les genres en Français, mais, cette fois-ci, adopter le point de vue de l’ingénierie – vous verrez un petit peu ce qui cela signifie tout-à-l’heure. Ce sont deux manières de regarder la même realité de deux points de vue, précisement . Je vais terminer sur les genres pour enseigner, ce qui fait le lien avec la conférence de demain. ”

Quadro 8 – Comparação de trechos da conferência, da tradução oral concomitante e da transcrição.

No quadro 8, vemos que a tradução quase-simultânea – que podemos tomar como indícios dos mecanismos de compreensão do discurso – adota um estilo menos linear e mais pictórico de transmissão do discurso alheio, embora ainda analisador de conteúdo e não de expressão. Ou seja, a tradutora se permite fazer uma série de “comentários efetivos” sobre os enunciados do conferencista, que vão desde comentários meta-enunciativos (“ele anunciou um pouco o que ele pretende fazer durante a conferência”), até generalizações (“forma de funcionamento da escola”, referindo a relação entre escola e gêneros e às formas escolares), interpretações inferenciais (“claro né?, que é a cultura que ele vive, né?”; ou “’sua engenharia’, né? Eu tô imaginando seu funcionamento, sua estrutura, enfim, ‘engenharia’ aí deve estar fundindo as duas noções, suponho”) e marcações da responsabilidade de autoria (“algo que ele está chamando ‘sua engenharia’”; “o que, segundo ele, faz a conexão com a conferência de amanhã”). Além disso, a tradutora elimina do discurso todas as marcas interativas com a platéia e os indícios de fala situada e implicada (“vous parler très brièvement – parce que ça vous connaissez –“; “vous verrez un petit peu qu’est-ce que ça signifie tout-à-l’heure”; “Et donc, voilà. Ça sera ‘un affaire à suivre’”).

Por que a mesma tradutora/transcritora adota estilos tão diferenciados na tradução e na transcrição? Interferência da materialidade textual (oral na tradução, escrita na transcrição)? Situação de produção de cada discurso? Para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 152),

[...] Há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto. É conveniente levar isso em conta. Toda transmissão, particularmente sob forma escrita, tem seu fim específico: narrativa, processos legais, polêmica científica, etc. Além disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa – a pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma terceira pessoa é de primordial importância: ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso.

Embora sejam dois discursos de transmissão da palavra alheia, no caso da tradução, esta se dirige a uma platéia especializada que a tradutora supõe desconhecer a metáfora da “engenharia”, por exemplo, o que talvez a leve a comentá-la. No caso da transcrição, esta foi feita para que o próprio autor a transformasse em artigo a ser traduzido. Portanto, esta busca preservar ao máximo a fidelidade ao conteúdo do dito, num estilo linear autoritário.

 

6 Sistemas de atividades e sistemas de gêneros

 

A análise aqui desenvolvida visou exemplificar as relações complexas e de mútua constituição que escritas e fala apresentam nos gêneros orais formais públicos. Foi realizada sobre uma conferência acadêmica – assim como Marcuschi (2001a) dedica espaço à análise de entrevistas transcritas e publicadas –, mas pode inspirar a análise de outros gêneros orais formais e públicos tão complexos quanto a conferência acadêmica, mas que apresentam outros tipos de relação entre escritas e falas e outros rituais: notícia televisiva, encenação de peça teatral, seminário, apresentação empresarial etc.

Evidentemente, as restrições de espaço deste artigo permitiram somente uma análise grosseira do material. Haveria ainda, por exemplo, a necessidade de uma análise prosódica detalhada desses eventos (uma análise do ponto de vista do oral ele próprio), assim como uma análise dos processos de referenciação no desenvolvimento da fala poderia trazer elementos importantes sobre os acréscimos que o conferencista faz ao texto previamente escrito (a apresentação). Além disso, seria também interessante enfocar as relações intergenéricas e intermodais do ponto de vista da audiência, por meio, por exemplo, de uma análise das notas que a platéia toma durante uma conferência. Processos intergenéricos, intertextuais e interdiscursivos de retextualização de uma escrita para outras escritas poderiam ser verificados no cotejamento entre transcrição da conferência, artigo resultante e sua tradução.

No entanto, a análise foi suficiente para podermos verificar que, paradoxalmente, a própria noção de “retextualização” (MARCUSCHI, 2001a) é um argumento a favor – e uma ferramenta de análise – dos processos de mútua constitutividade escrita/oral no gênero e não do continuum de gêneros. A proposta de “continuum fala/escrita” (MARCUSCHI, 2001a) exige uma certa fixação do gênero num ponto do gradiente, mais próximo da escrita ou da oralidade, que leva a ignorar o processo pelo qual escritos e fala se tornam elos de uma cadeia de enunciados, de maneira dinâmica.

Um enfoque promissor e dinâmico dessas relações complexas entre escritas e textos orais em gêneros orais formais públicos talvez possa tomar como base as noções de “sistema de gêneros” como parte de um “sistema de atividades”[30] propostas por Bazerman (2005a, p. 32-33). O autor, tematizando as relações intergenéricas em atividades de sala de aula, afirma que

Um sistema de gêneros compreende os diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação e uso desses documentos. Um sistema de gêneros captura as seqüências regulares com que um gênero segue um outro gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de pessoas. (BAZERMAN, 2005a, p. 32)

Vimos, na análise, que um gênero não somente segue a outro no sistema de atividades e gêneros da conferência, mas toma os textos do outro como parte de si próprio, em permanente dialogia, intertextualidade e interdiscursividade, e que isso demanda certas capacidades lingüístico-enunciativas e de ação, como a de incorporar o discurso alheio e reportá-lo de diferentes formas.

Encarar as relações entre escritas e falas públicas de forma dinâmica e mutuamente constitutiva talvez possa nos levar, no campo aplicado, a novas propostas para análise e ensino das formas bi ou multimodais de fala, tão relevantes para o exercício da cidadania no mundo contemporâneo.

 

 

Referências

 

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Recebido em 02/12/05. Aprovado em 13/07/06.

Title: The relationship between orality/writing in formal and public oral genres: the case of the academic conference

Author: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly

Abstract: The relations of continuity and mutual constituency between oral and written language are central to the understanding of how formal and public oral genres function in educated discursive communities, as well as to the understanding of the phenomena of literacy and the teaching-learning of languages at school. In this article we analyse a formal public oral genre – the academic conference – in terms of the relationship between orality-writing, orality-orality, and writing-writing in the constitution of the conference and its “retextualization” (MARCUSCHI, 2001a) as a transcription. The bases for this analysis are several oral and written texts produced by/around a conference given by Bernard Schneuwly. Finally, we argue that, in formal public oral genres, there is a complex relation of mutual effect and interference between orality and writing, a relation that can be better understood in terms of the “activity systems” which put into circulation and in contact “genre systems” (BAZERMAN, 2005a, 2005b).

Keywords: genre; orality; writing; academic conference; teaching.

Tìtre: Les relations oral/écrit dans les genres oraux formels et publics: le cas de la conférence académique

Auteur: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly

Résumé: La question qui concerne les rapports de continuité et d’une mutuelle constitutivité entre le langage oral et l’écrit constitue la plus grande importance pour la compréhension du fonctionnement des genres oraux formels et publics et des genres de texte écrit dans nos sociétés lettrées, de même que des phénomènes d’alphabétisations et de l’enseigenement-apprentissage des langues dans les écoles. Dans cet article, on entend faire un exercice d’analyse d’un genre oral formel et public – la conférence académique – dans les termes des relations oral-écrit, oral-oral et écrit-écrit dans la constitution de la conférence et dans sa «retextualisation» (MARCUSCHI, 2001a) comme transcription. On adoptera comme données divers textes oraux et écrits mis en jeu dans une conférence présentée par Bernard Schneuwly. À la fin, on fera la défense de la place que l’oralité et l’écrit maintiennent une relation complexe d’un effet mutuel et d’interférence dans les genres oraux formels publics, qui peuvent se faire mieux comprendre dans des termes de « système d’activités » qu’ils mettent en circulation et en rapport des « systèmes de genres » (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendus dans le sens bakhtinien du terme.

Mots-clés: genre discoursif; oralité; écriture; conférence académique; enseignement.

Título: Las relaciones oral/escrita en los géneros formales y públicos: el caso de la conferencia académica

Autor: Roxane Rojo, Bernard Schneuwly

Resumen: La cuestión de las relaciones de continuidad y de mutua constitutividad entre el lenguaje oral y el escrito es de gran impotancia para la comprensión del funcionamiento de los géneros orales formales y públicos y de los géneros de texto escrito en nuestras sociedades alfabetizadas, así como de los fenómenos de los alfabetizados y de la enseñanza-aprendizaje de lenguas en las escuelas. En este artículo, pretendemos hacer un ejercicio de análisis de un género oral formal y público - la conferencia académica - en términos de las relaciones entre oral-escrita, oral-oral y escrita-escrita en la constitución de la conferencia y en su retextualización (MARCUSCHI, 2001a) como transcripción. Como datos se usó los múltiples textos orales y escritos en una conferencia proferida por Bernard Schneuwly. Al fin, se defenderá que la oralidad y escrita mantenien una relación compleja de mutuo efecto e interferencia en los géneros orales formales públicos, que puede ser mejor comprendida en términos de “sistema de actividades” que ponen en circulación y en relación “sistemas de géneros” (BAZERMAN, 2005a, 2005b), entendidos en el sentido bajtiniano del término.

Palabras-clave: géneros discursivos; oralidad; escrita; conferencia académica; enseñanza.

 


 

* Schneuwly é apresentado como co-autor deste texto por ser o autor da conferência nele analisada e, principalmente, por ser, em grande parte, autor da visão sobre as relações entre oralidade e escrita que nele é adotada. A análise em si da conferência, entretanto, é da autoria de Rojo, e os eventuais equívocos e imprecisões nela encontrados são de sua exclusiva responsabilidade.

** Professora do Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), UNICAMP. Doutora em Lingüística Aplicada.

*** Professor titular da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE), Suíça. Doutor em Ciências da Educação.

[1] Ver, a respeito, a coletânea organizada por Signorini em 2001.

[2] Ver a respeito os trabalhos de Bernstein (1971), Labov (1972), Goody (1977), Olson (1977), Ochs (1979), Scribner e Cole (1981), Ong (1982), Tannen (1982), Halliday (1985), Lahire (1993) e Scribner (1997), por exemplo.

[3] Aos “meios de produção”, como diria Marcuschi (2001a).

[4] De acordo com Bovet (1999, p. 68), podemos conceber a conferência como “um texto oral cuja especificidade diz respeito ao desenvolvimento progressivo e situado de sua escrita/leitura pelo orador e pelo público”.

[5] O power point de base da conferência, a fala do professor, a tradução e a transcrição de sua fala.

[6] Ver Rojo (2001).

[7] Já Goffman (1981, p. 171-172) lembra que há três modos de apresentação pública em nossa sociedade: “memorização”, “leitura em voz alta” e “fala espontânea”, esta última freqüentemente baseada em notas. O autor aponta também para o fato de que a fala espontânea em conferências é ilusória, por suas relações com o texto escrito.

[8] Este resumo não é exatamente a apresentação de uma súmula do texto como quer o nome, pois, o mais das vezes, o texto não se encontra redigido. Trata-se mais de um protocolo de intenções do que virá a ser dito ou um “présumo”, se se quiser dizer assim.

[9] Em nosso entender, estes (resumo e power point) são já dois gêneros de textos escritos que entram na elaboração do texto oral da conferência. Detalharemos este ponto de vista ao longo da análise.

[10] E, por vezes, também sobre outros tantos, como notas ou livros – em certas áreas, vídeos, imagens ou sonorizações – que o conferencista traz para incluir citações e ler ou exibir para a platéia.

[11] “Genres oraux et genres écrits à l’école”.

[12] Prof. Dr. Bernard Schneuwly é docente em Didática do Francês L1 na seção de Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e coordena o grupo de pesquisa denominado “Grafé – Groupe Romande de Recherche du Français Enseigné”.

[13]Este dado nos será útil para investigar os processos e operações de compreensão do tradutor/transcritor.

[14] Como acender um cigarro, sentar ou levantar, beber água etc.

[15] “Obrigado. Ãn. É um grande prazer vir aqui falar-lhes de um tema que me é muito caro – como disse Roxane – sobre o qual trabalho há muitos e muitos anos. Então…” (tradução nossa).

[16] Tradução nossa.

[17] As interrupções aqui são devidas a comentários relativos a problemas técnicos com o equipamento, digressões relativas à falta de alimentação elétrica para o computador, que optamos por não transcrever, dada a não pertinência ao tema em desenvolvimento.

[18] “Eu vou, num primeiro momento/ Então, é um pouco o plano que vou seguir/ vou falar uma hora, uma hora e quinze, algo assim/ fazer algumas breves preliminares; depois, falar-lhes muito brevemente – pois isso vocês conhecem – fazer um pequeno apanhado da noção de gênero, pois é “os gêneros escritos e orais” e… evidentemente, não posso não falar dos gêneros, mas muito brevemente. Depois, olhar a escola o que/ a escola visto que é uma instituição social, uma “esfera de atividade”, como diria Bakhtin; qual é a relação entre, de maneira geral, a escola e os gêneros e vou aqui introduzir a noção de “forma escolar”, porque, em minha opinião, é esta “forma escolar” que é uma forma social […] Então, a escola, a forma escolar, porque é, para mim, a forma escolar que define os gêneros que estão no interior da escola. Eu vou, depois […] olhar os gêneros em francês, na língua materna “francês”, e adotar, num primeiro ponto/ num primeiro tempo, o ponto de vista da transposição didática e depois vou rever os gêneros em francês, mas desta vez adotar o ponto de vista da engenharia – vocês vão ver um pouquinho o que isso significa daqui a pouco. São duas maneiras de olhar a mesma realidade de dois pontos de vista, precisamente. Vou terminar com os gêneros para ensinar, o que faz a ligação com a conferência de amanhã. Então, é isso. Teremos ‘cenas dos próximos capítulos’…” (tradução nossa).

[19] Isto é, adaptadas à representação específica que o orador faz da audiência em questão, determinadas, segundo Bakhtin/Volochínov (1929), pela “apreciação valorativa do locutor sobre o interlocutor.

[20] “Então, agora, as relações entre gêneros orais e gêneros escritos, eh… Num/ primeira/ distinção/ Então a primeira defini/ Não definição, o primeiro princípio que definimos é que nós nos limitamos – o que já é muito – aos gêneros públicos, isto é, aos gêneros que podem circular, ser acessíveis a grupos ou grandes massas de pessoas, ao contrário dos gêneros privados, que não tratamos de certa maneira como um objeto a ensinar. É um princípio de base, mas que está ligado a nossa concepção de escola como um lugar precisamente público, relativamente não desligado, mas separado da esfera privada etc. Então, é um princípio de base. Que, evidentemente, para os gêneros orais, exclui toda uma série de gêneros, mas de igual maneira para os gêneros escritos” (tradução nossa).

[21] “O segundo princípio é que a relação entre gêneros orais e gêneros escritos não é uma relação de dicotomia. É antes uma relação de uma certa maneira de continuidade e de efeito mútuo, isto é, gêneros orais podem sustentar gêneros escritos; gêneros escritos podem sustentar gêneros orais. Eles estão em mútua interdependência, cada gênero oral traduz/ cada gênero oral que entra na escola, em geral, pressupõe a escrita, assim como cada gênero escrito trabalhado na escola pressupõe o oral. Então, de uma certa maneira, esta é uma distinção relativamente artificial, o que não quer dizer que, depois, a produção num certo momento não seja escrita de maneira dominante, mas há um entrelaçamento contínuo. Além disso, cada gênero é sempre também sustentado/ cada gênero oral é sempre também sustentado por um outro gênero oral, isto é, há sempre um gênero oral e um gênero oral sobre o gênero oral, ãn? Um discurso sobre. Há então aqui/ ãn…/ cada gênero é sempre também objeto de outros gêneros de alguma maneira. E então há sempre o falar para escrever, o escrever para falar, o escrever para escrever e o falar para falar, o que mostra que sempre um gênero é dependente de outros gêneros, o que é um fenômeno evidente de intertextualidade, mas que está sempre na base de nosso trabalho” (tradução nossa).

[22] “Além disso, podemos mostrá-lo: esta sedimentação, ela funciona. Eu tenho um pequenino/ o próximo slide/ sim/ isso/ o próximo quadro lá/ ó/ aí, assim/ (slide) Então, fizemos um estudo com algo como 300, 400 professores para saber quais são os gêneros que ensinam” (tradução nossa).

[23] Para Bovet (1999), o riso da platéia é um fenômeno de co-enunciação.

[24] “Bom, eu termino aqui estes alguns elementos de/ sobre a reflexão sobre os gêneros ensinados do ponto de vista da transposição didática e eu passo ao próximo ponto sobre o ponto de vista da engenharia. Então, eu já utilizei uma hora, vocês me concedem ainda… (risos e interrupção da moderadora concedendo tempo). Então, tá. Eu vou ainda tomar um quarto de hora ou dez minutos assim, se vocês ainda tiverem paciência. Então…” (tradução nossa).

[25] Bovet (1999, p. 71) chama a conferência de “uma fase da ciência se fazendo”. Para ele, “a exposição não pode ser reduzida a uma forma de divulgação da pesquisa. No seu próprio desenvolvimento, um saber é discursivamente produzido e organizado”.

[26] “Denominamos construção híbrida o enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e composicionais, pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois enunciados, dois modos de falar, dois estilos, duas 'linguagens', duas perspectivas semânticas e axiológicas. Repetimos que entre esses enunciados, estilos, linguagens, perspectivas, não há nenhuma fronteira formal, composicional e sintática [...]" (BAKHTIN, 1934-35/1975, p. 110). O contrário ocorre com os gêneros intercalados, cujas fronteiras são marcadas.

[27] Na tradução das obras de Bakhtin e seu Círculo (1929, 1934-35/1975), a palavra “autoritário/a” está usada com o sentido de “ligado às palavras de autor/autoridade”; authoritative, em inglês.

[28] Para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 159), “o discurso retórico, diferentemente do discurso literário, pela própria natureza da sua orientação, não é tão livre na sua maneira de tratar as palavras de outrem. Ele tem, de forma inerente, um sentimento agudo dos direitos de propriedade da palavra e uma preocupação exagerada com a autenticidade”.

[29] Ver quadro 3.

[30] Para Bazerman (2005a: 34), “levar em consideração o sistema de atividades junto com o sistema de gêneros é focalizar o que as pessoas fazem e como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo, em vez de focalizar os textos como fins em si mesmos”.

 PUBLICADO ORIGINALMENTE EM Revista Linguagem em (Dis)curso, volume 6, número 3, set./dez. 2006